30 de junho de 2019

Bone Tomahawk | A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas (2015)


Há que se pensar que a dada altura, os westerns eram o género mais popular do cinema, onde cowboys e índios eram eternos rivais. Seria impensável que isso continuasse a ser o standard de como estas batalhas são encaradas, mas que durante muito tempo eram sucessos garantidos, com muitos ainda a serem falados até hoje, cortesia de Clint Eastwood e John Wayne. Hoje em dia são raros os cineastas que se atrevem a aventurar pelo caminho tradicional, adicionando um twist diferente para contar a sua versão dum género tão fincado. S. Craig Zahler decidiu que fosse uma boa ideia a sua estreia na realização ser algo assim.


Em A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas, somos introduzidos a Sheriff Hunt (Kurt Russell) que juntamente com o seus deputados, Brooder (Matthew Fox) e Chicory (Richard Jenkins), juntamente com Arthur (Patrick WIlson), um homem ferido ainda em recuperação, que após o rapto da mulher deste último, seguem uma missão de busca e salvamento até onde nenhum homem sobreviveu: O covil dos trogloditas, uma tribo canibal e selvagem, causando a morte entre os habitantes.

Começando com uma cena altamente violenta, é um claro indicio daquilo que nos espera durante as próximas duas horas. Bem, mais ou menos, já que apesar do conteúdo violento não ser abundante, já que grande parte do film depende do desenvolvimento das personagens e o caminho que fazem até ao seu objectivo, reservado grande parte do sangue e das cenas mais difíceis para ver no último acto. Quando digo difíceis de ver, posso confirmar que de facto roçam a violência gratuita para passar uma mensagem forte sem volta a dar.


Acabamos por investir directamente no destino das problemáticas personagens, que numa era onde a vida era da mais sombria, da mais dura que existe, onde podemos ver em primeira mão as consequências duma vida no faroeste, onde os desertos calorosos são difíceis de viver e quem tem a verdadeira palavra da lei é de facto o xerife. É assim que torcemos por um alcoólico aleijado em busca da sua mulher e a sua companhia, onde se distinguem os verdadeiros homens dos outros todos.

Se por um lado Zahler retira do livro clássico de como fazer um western todas as regras e aplica-as tal e qual como são, por outro utiliza as mesmas técnicas para mostrar como as coisas realmente eram feitas com a sua própria direcção e história, num slow burn onde a viagem é tão ou quão importante ao final que culmina com o esperado confronto entre o bom e o mau, invertido para agradar à narrativa que nos apresenta. Naturalmente isto é facilmente suportado pelo elenco, onde Russell, Fox, Jenkins e Wilson têm uma participação igualmente importante entre eles, com momentos e diálogos repletos de testosterona que contribuem para o desenvolvimento num todo.


Assim, A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas é uma estreia absolutamente positiva de Zahler como realizador, com um filme que acabaria por lidar à sua ligação com uma das mais promissoras produtoras de hoje, a Cinestate, e assim mudar um pouco a história do cinema independente.

Nota Final: 3/5

21 de junho de 2019

The Dead Don't Die | Os Mortos Não Morrem (2019)


Jim Jarmusch é um homem de estilo variado. Prova disso é a sua extensa filmografia, desde o clássico Homem Morto, com Johnny Depp, a obras mais recentes como Paterson, ou a extraordinária carta de amor aos vampiros, Só os Amantes Sobrevivem, passando pelo documentário retratando a vida de Iggy Pop e os Stooges em Gimmie Danger. Tudo isto define Jarmusch como um realizador curioso de se ver, filme após filme, nunca sabendo bem o que esperar do próximo. Desta vez, esse próximo é, com alguma surpresa, um filme de zombies.

Em Os Mortos Não Morrem, o mundo está do avesso, mas é a pequena vila de Centerville que é o centro do fim do mundo como o conhecemos. Devido à exploração de gás natural nos pólos, a Terra saiu dos seus eixos, alterando drasticamente o seu funcionamento normal, causando que os mortos voltassem a vaguear as ruas.

Do outro lado está Chief Cliff Robertson (Bill Murray) e o seu parceiro Ronnie (Adam Driver), juntamente com Mindy (Chloë Sevigny), as únicas forças da lei nesta terra. Mas nenhum deles estava preparado para o que vinha aí.


É bizarro, a ideia que Jarmusch fosse abordar esta temática demasiada revisitada na última década, ainda para mais de um ponto de vista cómico e com referências a si mesmo, sendo uma espécie de paródia ao género que George A. Romero definiu no cinema.

Existem diversos pormenores que nos fazem rir, desde da abordagem política, que perante provas científicas recusam assumir responsabilidade pelo que fizeram, às formas que Jarmusch encontrou para fazer piadas, como Wu-PS, onde o rapper e actor RZA, dos Wu-Tang Clan, faz uma breve aparição. A isto se junta um elenco saído dos anos ’90, ao qual consta Danny Glover, Steve Buscemi e Tom Waits, tudo numa onda nostálgica, ao qual se junta Selena Gomez e o próprio Iggy Pop como zombie.

Em destaque está a peculiar Zelda Winston (Tilda Swinton), uma mulher escocesa que se mudou recentemente para Centerville e que trabalha no funerário. Zelda é também perita em usar espadas de samurai, algo que se torna útil nesta invasão de zombies, tornando-se numa das personagens mais divertidas deste filme.


Há que notar que a química entre Murray e Driver funciona duma forma incrível, tornado muitas das cenas do par serem das melhores do filme, com momentos inspirados pelos clássicos da comédia que Murray é tão bem conhecido. Da mesma forma, existem momentos onde há uma consciência que algo absurdo como isto só poderia ser um filme, algo que é abordado de uma forma relativamente divertida.

Ainda assim, partes do argumento parecem existir apenas para criar situações cómicas que acabam por ter pouco ou nenhum impacto à sua narrativa principal, por vezes estendendo-se demasiado, retirando tempo a ideias melhores que poderiam ter sido mais desenvolvidas e no fim, ter sido um filme onde a sua mensagem constante de nós sermos os causadores do apocalipse poderia ter sido certamente mais subtil.

Desta forma, Os Mortos Não Morrem por nossa causa, pelos vistos. Numa carreira com muitos altos e poucos baixos, esta obra parece ficar algures pelo meio, com tantos momentos bons como terríveis, entre uma paródia barata dos anos ’00 e referências irónicas que deliciam quem as apanhar. O próximo com certeza que será melhor. Esperemos nós.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 21 de Junho de 2019.

13 de junho de 2019

High Life (2019)


Há décadas que o retrato do espaço no cinema permite-nos explorar os cantos mais obscuros do universo, levando-nos a um imaginário daquilo que um dia poderíamos viver, caso a evolução tecnológica permitisse. Mas desta vez, a realizadora francesa Claire Denis mostra-nos o lado mais cru do ser humano, bem longe da Terra, em High Life.

Um grupo de criminosos a servirem sentenças de vida são enviados numa missão no espaço, em busca de fontes de energia alternativa. São apenas dois os sobreviventes da missão, Monte (Robert Pattinson) e a pequena Willow (Scarlette Lindsey), onde todos os momentos são de espera por algo maior. À medida que o tempo passa e a solidão está mais presente, o filme volta ao inicio da missão, para percebermos o que correu mal.


Já sabendo os riscos da ida para o espaço: alguns membros da tripulação desenvolvem problemas devido à radiação, e também sofrem com as experiências feitas pela Dra. Dibs (Juliette Binoche), uma especialista médica, que lidera uma missão paralela para estudar a reprodução naquelas condições específicas.

Todo o ambiente espacial é frio, escuro e claustrofóbico, e vemos as consequências da isolação no meio do nada, capaz de mexer com a sanidade de qualquer um. Tudo é retratado com rigor, já que Denis fez uma grande pesquisa de todos os detalhes sobre a vida no espaço, desde do design da nave, como o que existe no seu interior, especialmente o jardim térreo, que é uma sala comum neste tipo de viagens; como também tudo o que se sabia sobre buracos negros, cortesia de Aurélien Barrau, especialista na matéria.

A narrativa, contada de forma não-linear, serve para abordar uma dupla temática onde a ficção científica entra em contacto com a sexualidade interior de cada um, não fosse por uma sala de prazer, já que os tripulantes estão proibidos de fazerem sexo entre eles. A isto se adiciona uma fotografia brilhante, com cena atrás de cena visualmente incrível, acompanhado pelos misteriosos sons do silêncio, ou música drone e o seu bom estilo minimalista.


Por vezes é difícil não notar certas semelhanças com a brilhante estreia de Panos Cosmatos, com o seu clássico moderno Beyond The Black Rainbow, ou ate Solaris, de Andrei Tarkovsky, sobretudo no que toca a forma lenta que o filme vai se aprofundando entre as estrelas, ao qual High Life faz e muito bem em nos cativar como muitas poucas obras.

Ainda que existam momentos onde o seu orçamento reduzido é aparente, pouco nos incomoda, já que estamos perante um filme diferente daquilo que podemos esperar, High Life aguça a nossa curiosidade de descoberta e levando-nos numa jornada onde o amor no seu estado mais natural existe até nas profundidades do espaço.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Junho de 2019.