31 de janeiro de 2019

Destroyer | Destroyer: Ajuste de Contas (2019)


Karyn Kusama é um nome ressoante por Hollywood. A realizadora foi considerada durante anos como alguém incapaz de fazer um bom filme que tivesse sucesso, com a adaptação live-action de Aeon Flux em 2006 ou o eterno sob valorizado O Corpo de Jennifer, este último que tem recebido algum carinho tanto pelo público, como por alguns críticos, uma década depois. Foi só em 2015 que a sua abordagem no terror criou um filme de culto, com The Invitation, pondo-a novamente no mapa. Agora, regressa aos grandes ecrãs com um thriller noir em Destroyer: Ajuste de Contas.

Nicole Kidman é Erin Bell, uma detective de Los Angeles que investiga a morte de um homem, encontrando algo que lhe remete para um roubo dum banco há muitos anos, enquanto esteve sob-disfarce. Esta investigação leva Erin a procurar velhos conhecidos que poderão encontrar o verdadeiro assassino, arriscando a própria vida pelo seu passado.


Este género de thriller noir introduz-se como bastante genérico. Temos o crime, no qual a detective com um passado obscuro tem um problema por resolver. No entanto, as coisas revelam-se ser mais complicadas quando a pessoa que está a investigar é uma personagem defeituosa, que carrega um enorme fardo sobre os seus ombros e uma atitude desleixada e negligente perante a lei. O melhor disso é que Kidman encarna uma personagem com um espírito quebrado numa transformação única com o cabelo escangalhado e olhos pesados.

Tudo toma proporções pessoais e sérias quando investimos em conhecer o mundo destas personagens e como é que elas estão interligadas com a missão de Erin, algo que vamos acompanhando pelas várias cenas de flashback, onde conhecemos Chris (Sebastian Stan), alguém muito próximo dela que nos ajuda a compreender a narrativa.


Kusama cria uma relação hipnotizante com o espectador, com uma realização onde tudo parece ser delicado, numa cidade com muita beleza suja escondida, podendo fazer a comparação com a forma que Michael Mann mostrou Los Angeles em Heat - Cidade Sob Pressão, em 1995. Por consequência, a realizadora utiliza novamente o poder do suspense, deixando-nos constantemente atentos ao seguimento da narrativa, que passo a passo mostra uma realidade dura e fria que se sente na pele.

Destroyer: Ajuste de Contas põe-nos no lugar do passageiro enquanto o mundo cruel vai passando ao lado e as peças se juntam para uma conclusão que certamente irá deixar muitos de boca aberta. No fim, ficamos com duas coisas em mente: Nicole Kidman é brilhante e Karyn Kusama tem um lugar muito especial no cinema moderno.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)




Originalmente publicado em Central Comics a 31 de Janeiro de 2019.

30 de janeiro de 2019

The Lobster | A Lagosta (2015)


O amor, outra vez o amor. Claro que Yorgos Lanthimos teria que estar metido em mostrar a sua visão do amor, com A Lagosta, onde Colin Farrell é David, um homem branco genérico, com uma vida monótona. Após da sua mulher lhe ter deixado, este é levado para um hotel onde tem 45 dias para encontrar uma parceira, senão será transformado num animal.

Este futuro distópico é um que inicialmente se estranha, mas que rapidamente entrenha, encarando esta realidade alternativa onde existe uma ordem para aqueles que são forçados a procurar o amor. Os castigos por não seguir as regras tendem ser brutais, desde meter a mão numa torradeira como consequência de masturbação, ao outros castigos igualmente violentos, por motivos aparentemente inofensivos e normais.


Do outro lado estão os solitários, que como quem diz, são aqueles que escaparam este hotel demoníaco em troca duma vida onde a luta pela sobrevivência é preferível a seguir regras estúpidas e mesmo assim tornarem-se em animais. Eles também são caçados, pelo que cada um vale um dia extra no hotel para procurar a cara metade, adiando assim o destino em troca duma esperança mórbida.

David é um homem que não sabe exactamente como lidar com a sua vida nova com um prazo, algo que não lhe faz sentido, onde as pessoas se comportam de forma demasiado bizarra nos seus olhos. Mas esta estranheza abre caminho para mostrar o quão simples este universo é, por mais que as regras ao qual ele se dirige são diferentes; podendo ser comparável às pressões modernas de termos que encontrar um parceiro para a vida.


Yorgos Lanthimos faz a sua estreia em língua inglesa com um filme que faz por deixar boas impressões, demonstrando um talento para nos trazer ao centro do lado mais invulgar duma narrativa que poderia facilmente cair no cliché, onde o foco pousa sobre um mundo de atributos binários, fazendo uma sátira da construção das relações interpessoais que temos, que são mais directas que aparentam, com situações chocantes que aqui são encaradas com toda a normalidade.

É assim que A Lagosta nos apanha desprevenidos, com uma cinematografia calma e concentrada, onde Yorgos Lanthimos prova que tem uma grande carreira pela frente, algo que mostrou mais tarde em O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, num registo muito mais psicótico e violento. Neste caso, a levidade da comédia ridícula já vai mais além que muitos, de forma tão original que é.

Nota Final: 4/5

28 de janeiro de 2019

The Killing of a Sacred Deer | O Sacrifício de Um Cervo Sagrado (2017)


Se há algo no cinema que vale a pena, é a possibilidade de passarmos uma experiência que nos transtorne a níveis mais além que um filme é suposto, quebrando a barreira invisível e impede-nos de dizer que é "só um filme". O escritor e realizador grego Yorgos Lanthimos tornou esse talento numa arma com O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, inspirado na tragédia grega de Ifigénia em Áulide por Eurípides.

Steven (Colin Farrell) é um cirurgião cardiotorácico altamente respeitado, que nos últimos seis meses tem estado com o jovem Martin (Barry Keoghan), um rapaz que perdeu o pai numa cirurgia pela mão de Steven. Ambos têm uma relação amigável, onde Steven tenta reconfortar Martin com prendas e companhia, inclusive apresentado-o à sua família. Entretanto, algo muda e Martin ameaça Steven que tem que equilibrar as contas da morte do seu pai, tendo que matar um membro da sua família. Caso não faça uma escolha, os seus filhos, Bob (Sunny Suljic) e Kim (Raffey Cassidy), mais a sua mulher Anna (Nicole Kidman), irão morrer todos.


É deveras estranho a curva que este filme dá, a um momento tão delicado como vermos os pais a passarem pelo sofrimento dum filho em dores, neste caso, incapaz de sentir as suas pernas. É um sentimento que vai ficando cada vez mais constante, como se algo terrível se está a passar, sem nunca darmos bem conta visivelmente, fiando na nossa intuição.

Isto é possível pela cinematografia incrivelmente diversa, arriscando com vários enquadramentos que pintam uma imagem repleta de sublimidade, num estado altamente caótico. São as mesmas cenas que incomodam o espectador, que sente na pele que algo está muito de errado, algo que a banda sonora ecléctica contribui fortemente, deixando algo estranho na mente.


O Sacrifício de Um Cervo Sagrado também está cheio de pequenas alterações que parecem ser um mal comum neste universo, desde do tom mono-tónico que as personagens falam, quase duma forma clínica; como também uma atmosfera de desconfiança que estamos perante algo que se assemelhe a um culto, onde tudo tem uma ordem natural de ser. A isto se junta um peso permanente nos nossos ombros, que provavelmente nos quer afogar nas suas mágoas.

Não é de todo um filme fácil de ser ver. Não foi à primeira e certamente que não será à segunda ou à terceira, já que encontramos aqui a derradeira tragédia capaz de nos questionar das nossas decisões de vida, duma forma única que só Yorgos Lanthimos sabe fazer, querendo provar o quão longe vamos para proteger os nossos filhos e o verdadeiro significado da palavra "sacrifício".


Não existe nada como O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, isso vos garanto, da mesma forma que jamais olharão para certas pessoas da mesma forma. Será que as conhecemos tão bem quanto achámos? Não me vá parecer que sim...

Nota Final: 4.5/5

27 de janeiro de 2019

Eighth Grade (2018)


A vida de ser um pré-adolescente nunca parece ter sido a mais fácil para qualquer um de nós. Puberdade, borbulhas, mudanças no corpo... Sem aviso acabamos por ser uma mistura ridícula de hormonas, sem saber exactamente como lidar com isso. Bo Burnham mostra-nos o que é ser um pré-adolescente de hoje em Eighth Grade.

Kayla (Eisly Fisher) é uma jovem introvertida prestes a concluir o oitavo ano na escola. Ela não é a rapariga mais popular, pelo contrário, é frequentemente ignorada e tem problemas a interagir com outras pessoas da sua idade, enquanto que tudo o que se passa nas redes sociais torna-se super importante. Kayla é no fundo uma reflexão de nós se tivéssemos nos seus sapatos hoje.


Há um desenvolvimento muito humano e natural que vemos enquanto acompanhamos Kayla, criando uma ligação de empatia que nos deixa de coração aberto para conhecermos o que esta jovem tem para oferecer ao mundo, e acreditem, tem muito. Desde da necessidade em ser reparada, ou sequer reconhecida, faz parte dos traços de personalidade que todos queríamos ter na altura.

Bo Burnham mostra-nos o que poderia facilmente ter sido um documentário sobre como são os alunos de hoje em dia, rodeados com redes sociais, tornando-se num concurso de popularidade permanente no dia-a-dia, enquanto vemos Kayla numa diversidade de situações perfeitamente normais. Mas mais curioso que isso, é ver como a ideologia do stand-up que Burnham tem em palco se traduz com pequenos detalhes pelo filme, onde as referências à cultura pop, como também muitos dos diálogos, frequentemente cringy, faz lembrar como Judd Apatow construiu o seu império cómico na década passada.


É com esse sentimento quase nostálgico de filmes dos anos '00 que Eighth Grade apela ao nosso lado mais compreensível, um lado que nos leva de volta à nossa própria juventude, tivéssemos passado por ela há muito ou pouco tempo. Aliás, vermos o filme com alguém com a mesma idade que os miúdos deste filme, certamente dará uma conversa interessante pós-filme, com uma perspectiva de alguém que esteja a passar por esta fase na sua vida.

Assim, Eighth Grade é um retrato fiel e autêntico de o que é ser um pré-adolescente hoje em dia, onde os problemas são tão importantes quanto as dos adultos, mesmo que esse problema esteja a ser altamente dramatizado dez vezes mais nas suas cabeças. Precisamos de ver mais Bo Burnham a realizar, porque garantidamente que logo depois, teremos a confiança para lidar com o mundo.

Nota Final: 3.5/5

The Upside | Novos Amigos Improváveis (2019)


Após ter andado em diversos festivais norte-americanos em 2017 e 2018, o remake de Amigos Improváveis chega pela mão de Neil Burger, com Kevin Hart e Bryan Cranston a protagonizarem.

Em Novos Amigos Improváveis, conhecemos Dell Scott (Hart), um homem cuja vida após a prisão não tem sido fácil, tendo vastas dificuldades em encontrar um emprego e conciliar as visitas com o seu filho, Anthony. Dell é preguiçoso, sempre à procura dum atalho que acabe com dinheiro fácil na mão. Isto até conhecer Phillip Lacasse (Cranston), um autor e conselheiro de negócios tetraplégico, que necessita dum cuidador a tempo inteiro.


Os caminhos de ambos cruzam-se e eventualmente Phillip dá uma oportunidade a Dell de mostrar o que consegue fazer quando se esforça, criando uma amizade que muitos olham de lado. Mas esta amizade abre muitas portas para a bondade de um e outro.

Tendo como base um filme francês, adorado pelo mundo, a premissa não muda muito entre ambos filmes, sendo cada um adaptado ás suas necessidades culturais, sobretudo no retrato da imigração, um ponto muito importante na obra original. É nessa adaptação que as coisas acabam por se descair, tendo o filme uma sensibilidade francesa numa fórmula de Hollywood.

O dito star-power de Hart e Cranston, à qual se junta Nicole Kidman, deveria ser mais que suficiente para que este remake tivesse mais originalidade na narrativa, algo que neste caso prefere focar na quantidade de momentos cómicos, que por sua vez nem sempre são bons. É na busca constante de ter piada que o verdadeiro potencial de Novos Amigos Improváveis que fica muito àquem aquilo que poderia ser: uma extensão do filme de Olivier Nakache e Éric Toledano.


É difícil levar com alguma seriedade um filme cuja acessibilidade não constrói uma experiência mais cativante, tendo uma obra que reconhece a sua inspiração, mas que oferece algo de novo e único, acabado por recriar demasiadas cenas do filme original, eliminando por completo qualquer curiosidade que poderiam ter, caso não tivessem visto antes. Assim, esta cópia não serve muito mais do que mudar a língua e pouco mais sobre uma narrativa que, num panorama norte-americano, não apresenta nada de novo.

Novos Amigos Improváveis falha deste modo em ser algo diferente, mesmo respeitando o seu source material, agarrando no melhor da versão francesa e americanizar algo, enquanto mantém uma sensibilidade europeia. Suportado pelo elenco, este filme é passível, mas não perdem nada se vos passar ao lado.

Nota Final: 2.5/5

25 de janeiro de 2019

Polar (2019)


No inicio de 2012, o espanhol Víctor Santos lançou ao mundo o que seria o primeiro passo na sua mais recente obra: Polar, um webcomic inspirado no estilo noir e focado nos visuais, e no pouco ou mesmo ausência de texto. O grande sucesso entre os internautas levou a que a Dark Horse Comics lançasse em livros, as colectâneas das histórias, e com a Netflix a fazer uma adaptação cinematográfica em imagem real, realizado por Jonas Åkerlund.

Em Polar, acompanhamos a vida de Duncan “The Black Kaiser” Vizla (Mads Mikkelsen), um dos últimos grandes assassinos a contrato, que por acordo com a organização com que trabalha, é forçado a reformar-se aos 50 anos de idade. Vizla esperava viver uma vida pacata, mas é perseguido numa acção de ganância por Blut (Matt Luca), o líder da organização, que caso seja morto antes da sua reforma, os mesmos recebem a sua pensão no valor de 8 milhões de dólares. Uma ideia rebuscada, sobretudo quando consideramos todos os recursos envolvidos em fazer algo do género.


Neste filme, altamente estilizado, existe uma relativa concordância entre o material original e a adaptação, onde todas as personagens tendem ser eclécticas. O humor negro tem uma presença algo bizarra, sobretudo na forma que Åkerlund mostra as personagens, sendo elas talentosas o suficiente para matar a sangue frio, mas não ao ponto de pensarem um pouco num plano para encontrar Duncan ou como vão matar um dos melhores assassinos existentes. É este ligeiro abuso da caricatura que deixa grande parte de Polar cair por terra, falhando constantemente no alvo.

As comparações com o filme-sensação John Wick, ou Atomic Blonde – Agente Especial, este último também uma adaptação de uma novela gráfica; não são de todo descabidas, já que as diversas cenas de acção remetem para tiros certeiros e lutas altamente bem coreografadas. No entanto, todo este estilo não assenta tão bem quando remetem para obras mais selvagens, como Crank – Veneno no Sangue ou Jogo, do duo Neveldine/Taylor, automaticamente metendo-o na categoria de filme de série-B.


Pelo meio, Vanessa Hudgens tem um sub-plot discreto, no papel de Camille, vizinha de Duncan. A mesma acompanha uma boa parte do filme, mas nunca se esforça para se manter relevante, o que faz parecer que esta linha da narrativa seja forçada, sendo apenas uma razão pouco convicente para motivar o protagonista. Não adicionando muito à narrativa, é fácil perdê-mo-la de vista e questionar o que realmente está ali a fazer.

A divisão dos vários actos são claramente tracejados pela duração deste filme, podendo prever o caminho que acaba por tomar, apenas perdendo pela demora nas várias cenas de lutas e tiroteios, que apesar de tudo, são mais entusiasmantes do que o esperado.


Assim, podemos adicionar Polar à relativa curta lista de filmes baseados em banda desenhada, fora do universo dos super-heróis, onde existem tantas consequências como leis da física aplicadas e nem sequer as autoridades fazem parte deste faroeste moderno.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 25 de Janeiro de 2019.

22 de janeiro de 2019

Instant Family | Família Instantânea (2018)


A comédia tem sido um género estranho, pelo menos nos últimos dois anos, onde o star-power parece ter prioridade acima de qualidade, que nem sempre vão de mão em mão. Felizmente Sean Anders, um escritor e realizador que não é estranho às comédias familiares, conta uma história inspirada na sua vida em Família Instantânea.

Pete (Mark Wahlberg) e Ellie (Rose Byrne) têm uma vida repleta de sucesso como renovadores de casas antigas, faltando sempre alguma coisa na vida deles. Assim, decidem construir uma família, tomando o rumo da adopção, onde conhecem a adolescente Lizzy (Isabela Moner), a pequena Lita (Julianna Gamiz) e o jovem Juan (Gustavo Quiroz). O que eles não esperavam era o quão difícil tudo ia ser.


Há um grande sentimento familiar que puxa o nosso lado mais empático perante os dois grupos de personagens, os pais, que tentam completar a sua vida com esta responsabilidade extra, e o trio jovem, que se veem num estado de transição complicado, sobretudo por parte de Lizzy, a mais velha do grupo, que ainda tem alguma esperança que voltará a ver a mãe biológica.

A casualidade em como tudo acontece deixa-nos bastante à vontade, com um bom balanço entre a comédia e o drama, algo que não é tão bem sentido há anos no género. Mesmo não apresentando nada de absolutamente novo, Sean Anders faz o que faz o melhor ao contar uma narrativa que nos recebe de braços abertos e deixa-nos ficar para a viagem. Isto é ampliado por ser um filme inspirado na sua experiência no mundo real, tornando a obra num feito genuíno.


Ver todo o processo de adopção, mostra-nos um lado da vida que certamente não nos apercebemos no dia-a-dia, aqui ligeiramente exagerado com um pequeno espaço de manobra para efeitos cómicos, não integrasse um elenco que já tem bastante experiência na comédia, como o caso de Tig Notaro, comediante nata, e Octavia Spencer, com Wahlberg e Byrne também experientes no género. Algumas piadas podem não ter acertado no alvo, mas rapidamente nos esquecemos disso com uma situação mais engraçada.

Assim, Família Instantânea é uma adição mais que bem-vinda ao género das comédias dramáticas, numa altura em que um narrativa semelhante seria empurrada, e subsequentemente esticada, para uma série de televisão, onde garantidamente não teria o mesmo impacto sincero e acolhedor que este filme. Sean Anders pode não ter tido uma vida fácil quando fez a escolha de adoptar três crianças, mas deram uma boa história para partilhar. No fim, família é isso, a partilha entre as pessoas que gostamos mais, sejam elas de sangue ou não.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 22 de Janeiro de 2019.

20 de janeiro de 2019

Close (2019)


Quando Bodyguard, uma série da BBC lançada em Outubro do ano passado, da qual a Netflix tem os direitos de distribuição fora do Reino Unido, foi um tremendo sucesso entre os subscritores, não é surpresa que a plataforma quisesse capitalizar esse feito com um novo filme dentro do mesmo género. Desta vez com Noomi Rapace no centro, em Close.

Neste filme realizado por Vicky Jewson, acompanhamos a vida de Sam (Rapace), uma guarda-costas dura e feroz, especialista em contra-terrorismo. O seu talento é reconhecido quando é chamada para proteger Zoe (Sophie Nélisse), uma jovem herdeira duma fortuna vida da exploração de minas. Nenhuma das duas está propriamente contente com a presença uma da outra, até que uma tentativa de rapto de Zoe as une, enquanto andam fugidas.


Se em alguma altura tínhamos dúvidas de o quão intimidante Noomi Rapace pode ser, já com uma filmografia recheada de papéis que provam ser uma grande protagonista, vindo de filmes como a versão sueca da trilogia Millennium ou Prometeus; do outro lado Sophie Nélisse insiste em ser uma vítima altamente irritante, não largando a teimosia mesmo em situações entre a vida e a morte, arriscando levar um tiro sempre que pode.

Ao fim de meia hora, Close, rapidamente se torna aborrecido, apenas voltando a ganhar a atenção nas várias cenas de acção onde Sam anda à tareia com meia dúzia de polícias, mercenários ou assassinos que lhe perseguem, com o resto do filme a ser focado nas fracas políticas da herdade de Zoe e a sua madrasta. As ruas perigosas de Marrocos, mostram serem difíceis de se passarem despercebidas, com o duo em modo de sobrevivência permanente.


As várias tentativas que o filme faz para puxar algum interesse neste thriller acabam por ser rapidamente desmanchadas com confrontos previsíveis e uma linha narrativa que já vimos ser feita melhor em dezenas de outras películas semelhantes, sendo este exemplo do mais medíocre que já se viu ultimamente. É bom suficiente para vermos alguma violência duma benfeitora, mas não tão bom quando esperamos que a história se desenvolva em algo mais interessante.

No fim, Close não oferece nada demais além de uma narrativa básica que se limita a ser uma demonstração do quão incrível são os dotes marciais de Rapace, sendo a grande heroína desta história previsível. Tentando salvar-se da sua própria desgraça tarde demais, o final parece ter sido apressado a modo de atar o máximo de pontas soltas em menos tempo possível, acabado por se tornar inteiramente esquecível.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 20 de Janeiro de 2019.

Green Book | Green Book - Um Guia Para a Vida (2018)


Olhando para o currículo de Peter Farrelly, deparamos-nos com clássicos da comédia dos anos ’90 e ’00, como Doidos à Solta ou O Amor é Cego. Assim, é com alguma surpresa que damos com Green Book – Um Guia Para a Vida como o biopic de Frank “Tony Lip” Vallelonga e Dr. Don Shirley.

Vindo de mundos diferentes, Tony (Viggo Mortensen) é um segurança num bar, que acaba por ficar fechado durante dois meses para obras, onde entretanto conhece Don (Mahershala Ali), um músico incrível prestes a ir em tournée pelo sul dos Estados Unidos cujo necessita de um motorista/guarda-costas, ao qual promete um bom salário no fim da viagem. O que nenhum dos dois homens esperava era que tinham algo a aprender um com o outro.


Farrelly, com um argumento que contou com a colaboração de Nick Vallelonga, filho de Tony, traz para a mesa todos os ingredientes que fazem parte duma receita quase perfeita, abordando sobretudo a temática do racismo e como ele foi encarado durante 1962, altura que ainda exista o Green Book, uma publicação com informações onde negros poderão se sentir seguros, com vários hotéis e restaurantes onde são bem-vindos. Mas este guia é apenas uma nuance para o resto que vem daí.

Estamos perante dois homens muito distintos. Enquanto Tony vem de descendência italiana, o mesmo sempre viveu no Bronx com a sua família e os seus amigos, mantendo uma relação local com o mundo em seu redor; do outro lado vemos Don, um músico culto, um génio ao piano, com uma educação que lhe forneceu uma vida mais estrita que o usual. Naturalmente, ao início, estas duas personalidades não se dão bem, mas a beleza vem da noção que ambos podem ganhar perspectiva na troca de experiências, enquanto passam por uma que certamente não se irão esquecer.


O racismo abordado é parecido com o lote que vimos em BlacKKKlansman: O Infiltrado, de Spike Lee, também um filme que tenta dar um ar cómico ao racismo, estando mais próximo da ideia de ser nervosamente engraçado porque a arte está a imitar a vida real, Green Book ganha em ser um filme mais focado na construção da amizade destes homens que não tinham escolha senão aturarem-se um ao outro durante a digressão e criarem uma relação forte entre eles, mantendo um nível de seriedade consistente, enquanto que o filme de Spike Lee explorou a veracidade duma situação ridícula.

O dito bromance entre Mortensen e Ali é algo bonito de se ver, sobretudo porque vemos a olhos vistos uma mudança em como se veem nas suas comunidades, respeitando as diferenças duma forma humana, ao qual se junta uma boa desculpa para chamar deste filme um road movie, conhecendo muitos dos locais do profundo Sul, longe das grandes metrópoles.


Existindo um bom balanço entre comédia e drama, Green Book – Um Guia Para a Vida prova que não devemos julgar alguém pela sua aparência e aprender a apreciar a troca de experiências, pois a jornada de cada um é única, dando-nos a oportunidade de abrir os horizontes sobre o mundo que nos rodeia. Estes senhores certamente o fizeram, a bem ou a mal, mas são ambos melhores pessoas por isso.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 20 de Janeiro de 2019.

17 de janeiro de 2019

The Guilty (Den skyldige) | O Culpado (2018)


O que fazer quando há uma pessoa em perigo do outro lado e a única arma que tens é um telefone? Essa é a questão que Gustav Möller responde na sua mais recente obra, O Culpado, o filme escolhido para representar a Dinamarca na consideração para Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares.

Asger (Jakob Cedergren) é um agente da polícia que foi atribuído o trabalho de ser um operador de emergências na central do “112”. No que parece ser o seu último dia no trabalho, recebe uma chamada de Iben (Jessica Dinnage), uma mulher em perigo, raptada pelo seu marido, Michael (Johan Olsen). Dispondo apenas de meios telefónicos, Asger tem que coordenar a melhor forma para que a polícia encontre o casal, antes que o pior aconteça.


De inicio percebemos que Asger é uma pessoa que os seus colegas não respeitam inteiramente, por motivos que mais tarde são revelados, como também é alguém que faz muito para além do requerimento do trabalho, fazendo o seguimento de algumas das situações que atende; ao ponto de, por vezes, ser um incómodo para as pessoas com quem trabalha. Nesta situação de alto risco, Asger não consegue conter-se, dedicando a sua atenção ao caso.

O que mais fascina em O Culpado, é como Möller, na sua estreia nas longas-metragens, é capaz de utilizar o mínimo de recursos possíveis e oferecer durante hora e meia um filme que nos deixa muito nervosos, ao acompanhar em tempo real o desenrolar da narrativa, havendo, naturalmente, reviravoltas que puxam pelo suspense.


Quando digo o mínimo de recursos, falo deste filme ser literalmente à base de uma personagem principal, um telefone, um escritório, meia dúzia de figurante e algumas vozes fora pela cidade, limitando-nos a este espaço físico. Por outro lado, somos forçados a imaginar a situação, com apenas aquilo que ouvimos, o que utiliza de forma inteligente a percepção individual e como cada um de nós vê o que está a acontecer, sem o filme mostrar.

Sendo a imaginação algo com um potencial perigoso, são frequentes os momentos onde a tensão está alta e, sem nenhuma referência visual para nos assegurar de algo, somos deixados à mercê duma narrativa que sabe exactamente o impacto que quer causar, e onde a nossa própria suposição é posta em causa.


Assim, O Culpado, é um ensaio em como fazer muito com pouco, e fazê-lo de forma onde o espectador não se sinta do lado de fora, formando uma relação de proximidade com a encarnação da história; sendo certamente um dos thrillers mais interessantes a sair da Dinamarca nos últimos tempos.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 17 de Janeiro de 2019.

16 de janeiro de 2019

After Everything | Depois de Tudo (2018)


O amor é uma coisa muito estranha. Visto de modo clínico, é apenas o resultado de algumas reacções químicas no cérebro. Para outros, é um sentimento indescritível, capaz de mover montanhas. Fora dos clichés habituais que o cinema romântico nos insiste em fazer uma lavagem cerebral, onde o amor realmente move montanhas, está Hannah Marks e Joey Power, o duo de escritores e realizadores de Depois de Tudo.

Elliot (Jeremy Allen White), um rapaz que descobre que tem um tumor na zona pélvica, que poderá se desenvolver para um cancro. Na mesma semana que recebe este diagnóstico, Elliot conhece Mia (Maika Monroe), uma rapariga normal, que muda a vida dele para sempre, enquanto que o amor entre ambos cresce.


Não é fácil abrir a alma a alguém que mal nos conhece, pondo logo em cima da mesa todas as cartas, sobretudo uma tão pesada quanto uma doença que pode definir a vida e a morte. Mas duma forma pouco dramática, Elliot e Mia juntam-se para apoiar um ao outro durante este tempo difícil, sem qual quer contenção.

A vulnerabilidade que a dor traz, e a possibilidade de uma relação ter de imediato uma data de expiração, por causas naturais, permitem que os pontos fortes e fracos deste casal se revelam. É assim que Hannah Marks e Joey Power transpõem um mundo que não parece fictício, onde pessoas normais, com problemas perfeitamente plausíveis, mostram como lidam com essas dificuldades. Há dias bons e dias maus, como qualquer outra situação real, onde cabe aos dois encararem as mesmas com a força que têm, que nem sempre resulta.

Mostrando uma grande parte da vida destas duas pessoas, desde do seu humilde ínicio, passando pelas situações normais de conhecerem os pais e os amigos, não há nada propriamente espectacular, mas esta genuinidade agarra a nossa atenção, como se este retrato duma vida fosse algo fascinante.


Apagados estão todas as ideias pré-concebidas dos livros, e subsequentemente, das adaptações de romances de Nicholas Sparks, onde tudo é perfeito e o final é garantidamente feliz. Em Depois de Tudo, há uma chance muito real de as coisas correrem mal, tal como há esperança que as coisas são capazes de se resolverem, podendo este filme servir como um manual de relações. Ninguém espera a perfeição, tendo toda a gente a noção que tudo pode acabar num estado menos indesejado.

Claro que a vida continua, e temos que lidar com ela a melhor forma possível, com a experiência a servir de algo para crescermos e seremos melhores pessoas por isso; algo demonstrado pela sensibilidade que Monroe e White, explorando a sua sensibilidade individual, sendo personagens facilmente relacionáveis, onde podemos ver um reflexo da nossa própria pessoa algures ali, podendo aprender uma lição valiosa.


Depois de Tudo mostra um talento natural por parte de Hannah Marks e Joey Power, um talento que seria uma pena não ver explorado futuramente noutras obras, tendo nós que consolar com Marks na realização de Turtles All The Way Down (Mil Vezes Adeus), adaptado a partir do livro de John Green, autor de A Culpa é das Estrelas e Cidades de Papel

Nota Final: 4/5

13 de janeiro de 2019

The Blackcoat's Daughter (2015)


O cinema de terror por vezes dispõe-se a algumas regras dum sub-género, sobretudo quando se inspira em obras mais antigas, que foram os que definiram tais regras. Neste caso, a estreia de Oz Perkins, The Blackcoat's Daughter, procura jogar o mesmo jogo, com regras diferentes.

Quando duas estudantes num colégio católico se conhecem, Kat (Kiernan Shipka) e Rose (Lucy Boynton), terão que sobreviver sozinhas durante as férias de Inverno no campus, em Bramford. Enquanto Kat e Rose sentem com frequência algo obscuro a observá-las, conhecemos noutro local Joan (Emma Roberts), uma rapariga problemática que apanha boleia dum casal mais velho, que também vão em direcção de Bramform, começando assim um mistério.


A narrativa, contada duma forma pouco linear, dá-nos várias peças que parecem construir um puzzle com um segredo muito bem escondido. O que mais intriga, é a forma que o faz, sendo o filme dividido frequentemente em pequenas cenas isoladas, passando de personagem em personagem, garantido que vemos exactamente o que cada uma está a fazer e o que cada uma sofre no tempo gélido.

Estas três personagens, também elas, são muito interessantes de acompanhar entre si, com Kat a ser uma rapariga sossegada e introvertida, enquanto que Rose é mais rebelde e Joan parece ter dificuldade em recomeçar a sua vida normal. Mas também existe uma quarta personagem, esta praticamente invisível mas muito presente em toda a película, em forma dum sentimento demoníaco constante, deixando-nos muito nervosos no que poderá acontecer a seguir.


Oz Perkins faz um belo trabalho em agarrar em filmes como O Exorcista e O Exorcismo de Emily Rose e moldar os conceitos que cada um defende, onde as personagens femininas têm algum tipo de poder sobre aquilo que lhes atormenta. Kat, em toda a sua inocência, não tem amigos e parece não conseguir integrar-se na comunidade escolar, algo que lhe torna perfeita para uma entidade espiritual mal intencionada, ainda mais quando Rose revela que duas freiras foram apanhadas no subsolo a venerar o diabo. 

Este é um dos slow-burns mais intrigantes já vistos, utilizando o tempo para definir os caminhos de cada uma, tocando em temas que darão que pensar que vão muito mais além do que apenas um demónio com intenções maliciosas. É acima de tudo um filme com um enorme foco nas personagens e onde elas se encaixam no meio de tudo.


Assim, The Blackcoat's Daughter é um exercício brilhante em saber subverter as regras do jogo, dando-as um propósito capaz de agarrar a atenção e deixar-nos a pensar no que está a acontecer, revelando as suas cartas nas alturas certas, criando assim uma obra que deveria ser de referência; onde Oz Perkins não podia ter feito melhor na sua estreia nas longas-metragens.

Nota Final: 4.5/5

12 de janeiro de 2019

Monsters and Men (2018)


Os tiroteios policiais são uma notícia frequente nos Estados Unidos, numa altura em que existe um presidente capaz de justificar o uso de força excessiva ao que ele chama de minorias no país. Mas o tema não é nada de novo e já vem muito antes de Trump, já que durante a administração de Obama, os discursos eram praticamente semanais, com o ex-presidente num constante estado de choque e desilusão. É por isso que a estreia de Reinaldo Marcus Green nas longas-metragens é uma que será o mais marcante no seu inicio de carreira, com Monsters and Men.

Numa noite tranquila, em frente dum supermercado, Manny (Anthony Ramos) testemunha a morte ilegítima de um homem negro por parte dum polícia caucasiano, tendo gravado tudo no seu smartphone. Vivendo num dilema entre publicar ou não o vídeo, Manny vive a sua vida à mercê das consequências da sua decisão.


Não é a primeira vez que um drama deste género abordou os tiroteios policiais de uma forma tão frontal, vindo à mente Fruitvale Station: A Última Paragem de Ryan Coogler, sobre a morte de Oscar Grant III. Onde Monsters and Men se diferencia é no poder da mudança de perspectiva, já que Manny não é a única personagem principal, contando com uma intervenção por parte de Dennis (John David Washington), um polícia negro com a sua opinião dividida sobre o assunto e, mais tarde, Zyrick (Kelvin Harrison Jr.) a representação da juventude que quer fazer tudo para criar uma consciência sobre como as comunidades são afectadas quando polícias abusam do seu poder.

Green prova que tem um talento inato a contar uma história onde a empatia que temos pelas diversas personagens, cada uma delas que poderiam perfeitamente ser nossos vizinhos, num mundo em que ter medo das autoridades ainda é uma realidade dura de engolir. A dúvida que se sobrepõe no raciocínio atrás de cada um, é uma mera reacção aos acontecimentos que estão em seu redor, sendo que as suas decisões de vida afectam o mundo à sua volta.


John David Washington mostra novamente o seu talento no ecrã, seguindo o seu próprio caminho com uma carreira que será sempre comparada com a do seu pai, desta vez encarando um papel dum polícia local que acaba por adaptar os seus pensamentos num meio termo entre ser negro e ser polícia, sendo ele um dos pontos altos da obra.

Monsters and Men tem boas ideias no que toca em mostrar uma realidade que poucos querem assumir, dando-nos o privilégio de assistir na primeira fila, como um acontecimento recorrente afecta a comunidade que se integra e como essa comunidade reage perante a violência e o assédio policial. Pode não ser o pico do entretenimento, mas é um bom abre-olhos. Vale a pena ficar atento para ver o que Reinaldo Marcus Green faz a seguir.

Nota: 3/5

10 de janeiro de 2019

Glass (2019)


Quando M. Night Shyamalan lançou O Protegido em 2000, muitos viram o filme como um conto alternativo às adaptações de banda desenhadas, escassas na altura, o mesmo teria ganho um pequeno culto que admirava a abordagem mais dramática e humana dos super-heróis. Já na altura, havia rumores que Shyamalan teria pensado neste universo como uma trilogia, à qual negou, até que em 2016 vimos James McAvoy a encarar as suas múltiplas personalidades em Split, e um final que indicava que algo mudou na mente do escritor e realizador. Assim, eis que Glass fecha um triângulo que demorou 19 anos a concluir.

Agora com Kevin Wendell Crumb (James McAvoy) e a sua persona The Beast no radar de David Dunn (Bruce Willis), os dois são capturados por Dr. Ellie Staple (Sarah Paulson) uma psiquiatra especialista em desilusões de grandeza, pois acredita que estes homens não são todos-poderosos, mas que são pessoas normais com os seus momentos hábeis. Para completar o trio está Elijah Price (Samuel L. Jackson), mais conhecido como Mister Glass, que regressa com a sua inteligência apurada.


O desenvolvimento do filme deve-se muito à contextualização de cada uma das personagens, desde Dunn que se juntou ao seu filho Joseph (Spencer Treat Clark), para combaterem o crime local, a Kevin e as suas personas, que continuam a instalar o caos, a Elijah, o primeiro a ser confinado no hospital. Todos eles terão que lidar com os métodos de desprogramação, onde convencer tem a difícil tarefa de os convencer que não são quem realmente pensam.

É frustrante ver um filme com uma personagem que reprime constantemente algo que já viu a olhos vistos as capacidades de cada um destes heróis, com provas consistentes, e ainda assim convencida que tem razão. É igualmente frustrante como Glass passa praticamente o filme inteiro neste registo, falhando nas suas constantes tentativas de dizer contrário.


Tanto David como Kevin, como Elijah sabem exactamente o que cada um traz à mesa, acreditando até ao fim nas suas capacidades físicas e psicológicas, o que faz mover o filme para a frente num ritmo demasiado desalinhada, onde a narrativa tende frequentemente focar-se em coisas irrelevantes numa tentativa - novamente falhada - em nos distrair para os tais plot twists que Shyamalan já nos habituou.

Tendo em conta a boa recepção dos dois filmes prévios nesta trilogia, Glass tenta solucionar os problemas que nunca teve, onde a ambição de Shyamalan terá feito mais mal que bem para contar uma história que quis ser maior do que na verdade é. James McAvoy, ainda que continua brilhante a encarar as diversas personalidades dentro dele, já não apresentam nada de surpreendentemente novo, tendo que partilhar o tempo de antena com Bruce Willis, o herói cuja fraqueza é a água e Samuel L. Jackson, que não está nem de perto da personagem maléfica ao qual nos foi introduzida há quase duas décadas.


Não sabendo exactamente o porquê do novo rumo desta conclusão, existe um enorme sentimento de desapontamento perante o legado que será deixado para trás, um que se acreditava que fosse o regresso do Shyamalan que todos gostávamos no seu inicio de carreira. Infelizmente, não foi o caso, com o fecho da trilogia a ser bastante tremida, havendo um enorme desequilibro entre o bom e o mau. Que seja uma lembrança que nem sempre devemos arranjar algo que não está partido e Glass, estilhaçou completamente qualquer expectativa que se poderia ter.

Nota Final: 2.5/5

9 de janeiro de 2019

On The Basis of Sex | Uma Luta Desigual (2018)


A Justiça Suprema Ruth Bader Gingsburg tem sido alvo de muita atenção este ano, seja pelos vários vídeos dela a fazer exercício físico, que aos 85 anos é uma inspiração para visitarmos o ginásio, como pelos dois filmes que retratam a sua vida, um deles o documentário RBG e a mais recente biopic Uma Luta Desigual.

Neste filme, realizado por Mimi Leder, acompanhamos a vida de Ruth Bader Gingsburg (Felicity Jones) desde da sua entrada na Universidade de Harvard em 1956, onde ela foi uma das nove mulheres escolhidas no curso de advocacia. Com ela está o seu amor eterno, Martin Gingsburg (Armie Hammer), estudante no segundo ano do curso.

A vida não vai sendo fácil para Ruth, já que o seu maior obstáculo é estar num mundo dominado por homens, onde o papel da mulher é um de apenas servir de dona de casa e pouco mais. Insistente em mudar mentalidades, Ruth envereda por uma batalha árdua e o início do seu legado.


Uma Luta Desigual poderá se dividir em duas partes. A fase de crescimento de RBG, onde a mesma se transferiu para a Universidade de Colombia em Nova Iorque, estando sempre entre os melhores alunos. Ainda assim, nenhuma firma de advocacia é capaz de a aceitar, acabando por se tornar professora da cadeira ‘A Lei e a Discriminação Sexual’, na Rutgers Law School. A outra parte leva-nos até 1970, quando Martin mostra a Ruth um caso relativo a um homem que toma conta da sua mãe idosa e que sofre discriminação por parte do governo, pois recusam-se a dar-lhe um apoio social com base no seu género.

Cabe a Ruth, com ajuda de Martin, provar o caso perante o Décimo Circuito da justiça suprema norte-americana, onde uma mulher terá que provar que aquela lei é inconstitucional, levando de assalto todo o sistema judicial e, com ele, definir novos precedentes.


É certamente de interesse acompanhar a vida de uma das figuras mais importantes para a justiça, já que Ruth Bader Gingsburg fez da sua vida corrigir todas as leis possíveis que de alguma forma discriminaram pessoas na base de género. Felicity Jones encara bem esse papel, dando a oportunidade de vermos desde jovem como tudo começou.

O grande problema reside na falta de entusiasmo que este tipo de biopics normalmente apelam. Enquanto que a primeira metade revela grandes intenções de ser algo revolucionário durante o inicio da vida de Ruth, é quando o foco se mantém no caso que as coisas mudam drasticamente de ritmo. Tendo a noção que estamos perante o que é o primeiro de muitos casos que irá mudar as vidas de muitas pessoas, Uma Luta Desigual vai, pouco a pouco, limitando-se a ser um retrato monótono da história, podendo-se confundir com um episódio de Lei e Ordem fora de cronologia.


Uma Luta Desigual, apesar de todas as suas qualidades históricas que valem como uma excelente introdução a uma das pessoas mais incríveis com um lugar no Tribunal Supremo dos Estados Unidos, acaba por sofrer pela sua perda de entusiasmo a meio do filme, que não deixa de ser interessante de ver num contexto histórico-social. No fim, apenas podemos admirar a sua capacidade em mudar o mundo, algo que ainda hoje faz com muito gosto.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 9 de Janeiro de 2019.