31 de outubro de 2018

The Endless | O Interminável (2017)


Quando Aaron Moorhead e Justin Benson se apresentaram ao mundo em 2012 com Resolução Macabra, pouco saibamos que estávamos perante o que seria uma das pérolas mais bem conseguidas do cinema moderno e o inicio de algo grandioso. Após uma pausa em 2014, com Spring, eis que vemos o duo expandir o universo do seu primeiro filme em O Interminável.

Desta vez, Moorhead e Benson não só escrevem, produzem e realizam, como também são os protagonistas deste filme, encarando  personagens com o mesmo primeiro nome que o deles, certamente uma decisão criativa propositada ainda que não se estejam a retratar a si mesmos.


Aaron e Justin são dois irmãos que há 10 anos atrás escaparam ao que chamam um "culto de morte OVNI", perseguindo uma vida normal, tendo sessões frequentes de desprogramação ainda após uma década. Um dia, recebem uma cassete com uma gravação de um dos membros do culto e ao que tudo parece é uma mensagem de despedida. Aaron, que não tem grandes memórias do seu tempo em Camp Arcadia, implora ao seu irmão para os visitarem antes de ascenderem, seja o que for que isso significa.

Como esperado, há algo de pesado na atmosfera tal como é habitual nos filmes da dupla. É algo que não conseguimos bem pôr o dedo sobre o que é, mas sabemos que existe algures nos planos que vemos. Daí ficarmos cada vez mais intrigados por cada nova personagem do culto que conhecemos, como por exemplo Anna (Callie Hernandez), uma rapariga que sempre teve um fraco por Aaron ou Hal (Tate Ellington), o líder que não acredita ser perante as pessoas que o seguem. Há uma história por detrás cada um deles e uma motivação persistente que os faz acreditar que têm um propósito maior, sendo isso uma parte importante das suas crenças.


A isto junta-se a reintrodução da mitologia, que faz mover esta narrativa de forma coesa, enquanto vamos descobrindo o quão profunda é esta toca de coelho que tanto puxa por nós e nos deixa curiosos em descobrir. À medida que as pistas vão sendo deixadas discretamente, vamos compreendendo um pouco do grande puzzle no qual as personagens estão inseridas e que não imaginam o quão grande ele é. Estas pistas são variadas indo desde pequenas estátuas de pedra a cassetes de video e fotos mostrando que algo maior os está a ver, sendo impossível não ficar atraído pela forma como somos consumidos por este universo e as suas regras.

A aparição de Mike (Peter Cilella) e Chris (Vinny Curran) de Resolução Macabra não só nos deixa felizes em ver os dois melhores amigos novamente juntos, como sabendo o que lhes aconteceu depois do seu fim inesperado, demonstrado no final do primeiro filme.

Assim, O Interminável é apenas mais uma prova o quão longe vai o talento de Aaron Moorhead e Justin Benson em frente e atrás da câmara, com um filme que deixa no ar perguntas sobre a humanidade e as suas crenças numa entidade maior.

Nota Final: 5/5



Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 30 de Outubro de 2018

28 de outubro de 2018

Resolution | Resolução Macabra (2012)


Poucos são os cineastas que causam um impacto durador na cultura cinematográfica logo desde do seu primeiro momento, da mesma forma que Justin Benson e Aaron Moorhead escreveram e realizarem em 2012 com Resolução Macabra.

Quando Mike (Peter Cilella) recebe um email com um vídeo do seu melhor amigo Chris (Vinny Curran), este arrisca a vida para lhe fazer uma intervenção, pois Chris é um viciado em anfetaminas. Mike encontra-o à deriva numa cabana perto de uma reserva indígena, onde os dois vêem-se num conflito um com o outro que rapidamente se torna bizarra quando Mike descobre fita de filme que faz parecer que estão a ser vigiados.

Há um elemento amador no primeiro filme de Benson e Moorhead, onde a câmara à mão é usada e abusada em várias medidas, dando assim uma visão documental por trás da ficção, que põe em questão até que ponto estes acontecimentos são verídicos.


Apesar de vermos estes dois amigos a discutirem constantemente, sobretudo quando Mike vem dum lugar de preocupação, há algo a pesar no ar que não se consegue perceber bem o que é, até mais tarde no filme, quando tudo começa a fazer sentido. A tensão criada junta-se à curiosidade mórbida enquanto o mistério do local e dos seus habitantes vizinhos contribuem para o grande puzzle que esta narrativa faz.

Desde membros dum culto religioso (mais tarde revisto na sequela espiritual O Interminável), a uma caverna que esconde segredos obscuros, passando por um estábulo cheio de material, tudo vai em função ao derradeiro objectivo que fará com que Mike e Chris considerem seriamente as suas decisões futuras.

Enquanto que existe uma divisão de enredos, a forma que o duo entrelaça as histórias, através do uso de gravações espontâneas que separam os vários capítulos desta aventura. As pistas são largadas e tudo o que parece por acaso, é na verdade intencional e necessário para se perceber o que a película quer de nós.


A grande revelação é guardada para o último terço do filme, onde vemos uma evolução do tom, não só de forma visual, como também na relação entre as personagens e as suas acções. Com tudo isto, não há forma de o espectador não ser puxado para o meio duma narrativa que, durante grande parte do tempo, esconde as suas verdadeiras intenções, prosseguindo por um caminho menos usual no que toca ao género de terror.

Assim, Resolução Macabra prova não só a capacidade incrível de Justin Benson e Aaron Moorhead de contarem uma história diferente, como também criar uma obra capaz de deixar perguntas no ar sem receio de deixar as verdadeiras perguntas no ar, enquanto nós, espectadores, só nos resta reflectir e decifrar aquilo que acabámos de ver, questionando a realidade à nossa volta.

Nota Final: 5/5

27 de outubro de 2018

Amar (2017)


María Pedraza é neste momento uma das jovens actrizes a mudar o mundo. Com apenas 22 anos, a actriz já tem no seu currículo duas séries das séries mais vistas internacionalmente na Netflix, com La Casa de Papel e o recentemente lançado Élite, como também faz a sua estreia no cinema, em Amar de Esteban Crespo, que também estreia-se nas longas-metragens.

Baseada na curta-metragem homónima de 2005, também de Crespo, Amar conta-nos a história de Laura (María Pedraza) e Carlos (Pol Monen), dois jovens que estão perdidos no amor um pelo outro, não deixando que nada nem ninguém impeça-lhes de prosseguirem com os seus sonhos de eterna felicidade.

É com amor que vemos Laura e Carlos a explorarem a influência que está em torno deles, sobretudo amigos e família, como também a sua sexualidade como casal. Estamos de facto perante duas pessoas que parece que se amam incondicionalmente, mas claro que como podem calcular também têm os seus altos e baixos. Nem tudo é fácil; ambos têm objectivos de vida algo diferentes muito por causa da família de onde vêm: Laura é filha de uma divorciada de classe-média, enquanto que Carlos vem de uma família rica, ainda que o seu objectivo de vida seja de se afastar de tudo isso.


Enquanto que Pedraza e Monen são o típico casal de escola moderno, constantemente a trocarem mensagens e a sonhar com um futuro brilhante, os obstáculos que testam o seu relacionamento são das mais normais possível, havendo aqui uma naturalidade em como o filme encara a vida destes dois. É com a mesma mentalidade de A Vida de Adele que Amar faz o seu percurso em mostrar as variáveis do amor jovem, onde notamos realmente que María Pedraza tem, por mero acaso, algumas semelhanças que a  francesa Adèle Exarchopoulos.

São vários as vezes em que o amor dos dois é contagiante, sendo estas personagens construídas de uma forma incrível. A isto se junta uma cinematografia perfeitamente inconsistente, acompanhando os momentos bons e maus da sua relação, feita de forma quase poética e um sentimento familiar por detrás das suas intenções.


Com isto, Esteban Crespo expande para além da recriação da sua curta-metragem original, sendo Amar um coming-of-age romântico, que retrata de forma relativamente fiel como o amor entre a juventude é vista, onde os problemas comuns das relações são resolvidos à medida que a experiência de vida é criada. Só assim se poderá ser verdadeiramente feliz.

Nota Final: 3.5/5


Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 26 de Outubro de 2018

26 de outubro de 2018

Bajo La Rosa (2017)


Lidar com o desaparecimento da própria filha nunca poderia ser algo fácil, sobretudo se o sequestrador aparecer à nossa porta à procura da resposta de uma pergunta vaga. É com base nessa premissa que o realizador Josué Ramos cria a tensão por detrás do seu mais recente filme, Bajo La Rosa.

Quando Julia (Elisabet Gelabert) e Oliver (Pedro Casablanc) sabem que a sua filha, Sara (Patrícia Olmedo), foi raptada por um homem que quer aparecer em casa deles, a família entra num jogo psicológico, onde a única coisa que o homem de negro (Ramiro Blas) quer é que eles admitam um erro que cometeram, revelando vários segredos que irão mudar estas pessoas para sempre.

Em busca deste segredo, o homem de negro nunca revela o seu nome, apenas as suas intenções de se fazer descobrir a verdade que o motivaram às suas acções, deixando nós espectadores a perceber tudo ao mesmo tempo que família sequestrada. Todos são culpados de alguma coisa má, sendo esta a oportunidade de se redimirem de um erro que nem eles próprios sabem se é aquilo que o homem de negro procura.


Claro que as quase duas horas de filme garantem que não acertam à primeira a razão deste homem ter cometido um crime de rapto, mas não deixa de ser intrigante descobrirmos pouco a pouco o porquê das motivações. Aliás, só muito mais perto do final do filme é todas as decisões tomadas fazem sentido, dando assim espaço para uma análise sobre quem é realmente o vilão desta história.

Por outro lado, o ritmo do filme é onde se descai mais, dando muitas vezes voltas desnecessárias em torno do homem de negro, que, apesar de trazer muita tensão, acaba por cair na repetição dos seus erros. Um exemplo é este agir como mero espectador, deixando que os membros da família confessem vários acontecimentos que acham que seja a verdade que ele procura, pressionando na culpa. Nem sempre resulta, quase sempre faz com que se volte à estaca zero com apenas uma consequência que, apesar de ser levada com seriedade, não avança tão bem a narrativa tanto quanto se gostava.


Com isto, Bajo La Rosa é um thriller intenso, com uma narrativa de deixar qualquer com um ataque de ansiedade. No entanto, poderia ter beneficiado uma duração mais curta e momentos em que sentimos que o risco é verdadeiramente real antes do clímax, que esse sim merece toda a nossa atenção.

Nota Final: 2.5/5


Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 25 de Outubro de 2018

25 de outubro de 2018

The First Purge | A Primeira Purga (2018)


O sucesso de The Purge vem principalmente da sua temática e a facilidade em como ele se relaciona com o clima político actual, onde pouco a pouco, a ideia de haver uma noite onde todo o crime é legal parece cada vez mais real. Após três filmes, um deles focado numa família específica a proteger a sua casa e os outros dois a retratarem o lado mais selvagem do evento, esta quarta entrada volta atrás no tempo para explicar exactamente como tudo começou, com The First Purge.

Utilizado como uma experiência social em Staten Island, durante 12 horas todo o crime é legal. Pelo estudo da Dra. Updale (Marisa Tomei), esta quer perceber até que ponto é viável haver um dia onde toda a gente pode libertar a raiva sem consequências. Claro que o novo governo, liderado pelos New Founding Fathers of America (NFFA), acaba por utilizar o evento como uma forma de eliminar as pessoas mais pobres e fazer descer o número de desempregados e que necessitem de carências do estado.


Entretanto, conhecemos Nya (Lex Scott Daniels), activista contra o evento a acontecer no seu bairro e Dmitri (Y'lan Noel), gangster local que apenas quer que a noite passe para voltar às suas actividades ilegais. Sob a forma de incentivo monetário, os residentes da ilha acabam por arriscar a vida por dinheiro que pode mudar a vida, com recompensas maiores se participarem directamente na Purga.

Existem vários momentos em que o filme leva para aquele universos situações actuais, que reflectem em Donald Trump e a sua campanha, desde de "p*ssy-grabbing" a ouvirmos que estamos a viver uma "realidade alternativa". O intromissão dos NFFA também mostra o quão longe um governo está disposto a ir para defender os seus próprios interesses, mesmo que isso custe a vida de centenas de pessoas.

Considerando que, sendo esta a primeira vez que a Purga está a acontecer e a mesma está a ser feita numa escala pequena, rapidamente descobrimos os planos futuros em levar o evento para ser uma coisa nacional, ao qual já vimos as consequências nos filmes anteriores. 


Pelos vistos este quarto filme aprendeu com alguns erros do seu passado, já que desta vez James DeMonaco deixou Gerard McMurry na realização. A narrativa voltou a focar-se num grupo de pessoas específico, ao mesmo tempo mostrar a reacção geral de como os habitantes encaram o evento, que no fundo está do lado oposto da violência instaurada. Aliás, a única pessoa que parece ser feita à medida para o evento é Skeletor (Rotimi Paul), um homem que faz bom proveito das circunstâncias ao criar terror e morte em seu redor.

Com isto, há que se dizer que The First Purge, apesar de tudo, continua a conter-se em vários aspectos, insistindo em dar prioridade ao entretenimento do criar uma história mais pensada e num sentido inovador. Fãs da saga não encontrarão grandes defeitos, com uma dose decente de entretenimento. Os restantes, ficam à espera que as notícias de que o alegado último filme seja algo que vá de encontro às expectativas.

Nota Final: 3/5

Diana (2018)


Num mundo em que o movimento #MeToo tomou as rédeas do poder para as mulheres, eis que o Alejo Moreno mostra-nos Diana, uma obra que tem toda a intenção em denunciar os abusos de poder por parte do sexo masculino.

Conhecemos Sofia (Ana Rujas), uma acompanhante de luxo que tem gosto no seu trabalho e não tem vergonha em o admitir. O nosso primeiro contacto com Sofia é através de uma entrevista para a televisão onde tenta desviar-se das perguntas-armadilha da entrevistadora, tentando fazer com que Sofia dissesse algo de errado.


Sofia conta então uma história sobre um cliente que teve, onde conhecemos Jano (Jorge Rolden), um empreendedor cujo todos o vêem como um exemplo a seguir. Jano apenas quer uma pausa da sua vida, que embora seja bem sucedido, também é igualmente monótono. Nesta procura de companhia, Jano descobre uma tatuagem com o nome Diana no corpo de Sofia. Assim, surge o mistério em descobrir quem é esta terceira pessoa.

É incrível como Moreno faz dum simples apartamento o palco principal desta história, onde as emoções estão sempre em alta. Não só é o argumento um contando de uma forma mais peculiar, como visualmente é atordoante como vemos a vida destas duas pessoas em confronto; este último culpa de Irene Cruz, conhecida fotógrafa e videografa, que faz a sua estreia neste filme na direcção de fotografia.

O sentimento perturbador ao qual se desenrola durante o filme, onde o retrato de algo mais próximo da vida real se sobrepõe o romantismo criado pelos filmes do género fazem com que Diana seja um filme que combate as ideias criadas por Hollywood. Isto parece ser reforçado por todos os envolvidos no projecto, já que a existe uma liberdade de expressão a nível visual e artístico, onde Ana Rujas incorpora a sua personagem de forma perfeita.


Por outro lado, conhecemos dois protagonistas que mostram a naturalidade do erotismo e do poder da sedução, como a dualidade do homem que apenas está feliz se tiver o que quer. Existem também várias cenas que são exploradas com algum experimentalismo cinematográfico, seja nos diálogos das personagens, que muitas vezes criam conflito; seja em como a diferença entre a realidade é retratada ao longo da película.

No fim, estamos perante um filme que pouco a pouco faz de si um caos organizado, que por vezes se perde no seu próprio universo, nunca revelando todas as cartas no seu baralho. Ainda assim Diana é uma obra aberta a múltiplas interpretações e disposição de ideias, subvertendo a narrativa tradicional e oferecendo algo memorável.

Nota Final: 4/5


Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 24 de Outubro de 2018

24 de outubro de 2018

Perfectos desconocidos (2017)


Álex de la Iglesia é uma referência no cinema espanhol,« com uma abordagem bastante criativa dando uma vida entusiasmante aos seus filmes. É por isso que a adptação do filme italiano Perfetti Sconosciuti traz um outro sabor na língua dos nuestros hermanos, em Perfectos desconocidos.

Os jantares de amigos jamais serão os mesmos quanto sete amigos se juntam e são desafiados a meterem os telemóveis em cima da mesa. Todas as mensagens terão que ser lidas em voz alta e as chamadas atendidas em alta voz para todos ouvirem. Claro que estamos perante sete pessoas com as vidas mais interessantes de sempre.


Durante um eclipse lunar, coisas estranhas acontecem tal como todos os segredos serem relevados porque, como seria de esperar, todos têm uma vida privada que não revelam tanto. Mas é com base nesse conceito que la Inglesia faz o que faz melhor: oferecer entretenimento do mais alto nível, onde nunca sabemos o que vai acontecer a seguir. Sendo este a 14ª longa-metragem do realizador espanhol, este consegue sempre sair por cima de todos os desafios que vêm atrás da criação de novas histórias.

Apresento-vos um dos melhores elencos deste ano, que mais fazem andar para a frente nesta narrativa, desde da psiquiatra Eva (Belen Rueda), ao seu marido cirurgião plástico Alfonso (Eduard Fernandez), mostram ser o mais maturos da mesa, enquanto que Antonio (Ernesto Alterio) e Ana (Juana Costa) têm um casamento complicado e passam a noite a falarem mal um com o outro. Noutra ponta da mesa está Eduardo (Eduardo Noriega) e Blanca (Dafne Fernández), a mostrarem o que é o amor jovem, onde nenhum obstáculo é tão grande. Finalmente, a ovelha negra desta família de amigos está Pepe (Pepón Nieto), um homem desempregado mas com uma reputação de ter sempre a namorada mais gira.


Em conjunto, há uma permanente dança entre as personagens, jogando sempre com o suspense no ar. A qualquer momento algo revelador poderá surgir e ficamos nós sentados à ponta da cadeira, nervosos em saber como é que a história se irá desenrolar e eventualmente as suas consequências, já que ninguém é inocente nesta trama. Pouco a pouco, as teias da conspiração entrelaçam entre a verdade e a mentira, provocando muitas vezes ataques de riso que não podemos simplesmente conter e também algumas lágrimas.

Assim, Perfectos desconocidos, apesar de não ser uma ideia original, é certamente uma adaptação divertida que agarra-nos pelo colarinho e mostra-nos como a tecnologia será um dia o nosso fim. A começar pelas nossas mentiras.


Nota Final: 4/5


Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 23 de Outubro de 2018

23 de outubro de 2018

El intercambio (2017)


Fazer uma troca de casais envolve uma certa mentalidade para que as coisas corram da melhor forma, onde no fim a relação deverá ser mais forte. É com essa intenção que Eva (Natalia Roig) e Jaime (Pepón Nieto) vão, a caminho de conhecerem um outro casal disposto a oferecer uma experiência fora-da-caixa. Jaime está muito confiante que a noite será esplêndida, enquanto que Eva pensa que o homem com quem vai estar tem "cara de hamster".

Ao chegarem ao apartamento, estes descobrem que as pessoas que contactaram não são iguais a do site, ao conhecerem Máximo (Hugo Silva) e Dómina (Rossy de Palma), duas pessoas com uma mentalidade aberta, onde o sexo e o amor são predominantes. Inseguro que Eva irá deixar de gostar dele, Jaime decide sabotar a noite através de uma série de ideias meio descabidas e que não parecem que vá resultar de todo.


Certamente criado a partir de uma ideia de "os nossos pais" não saberem lidar com experiências mais liberais, El intercambio decide assim ser um filme inteiramente passado na casa do garanhão Máximo, um homem que apesar de tudo tem a cabeça e a alma no lugar certo, sendo o dito homem perfeito. Do outro lado, Dómina é uma prostituta que adora o seu trabalho e destrói todas as noções que as trabalhadoras do sexo fazem-no apenas por necessidade. 

É esta mistura de personalidades, da mais conservadora à mais liberal, que Ignacio Nacho apoia-se nesta película que é mais conversa que acção. Concedido, uma boa parte da conversa é engraçada, pelo menos durante grande parte do filme.

O maior problema de El intercambio é como é feita o desenvolvimento da narrativa e das decisões tomadas pelas personagens, que vão imediatamente parar ao caminho da paródia nas situações relativamente séries que eles próprios criam.  


Naturalmente, seria de esperar algum cepticismo, sobretudo na abordagem mais extrovertida do casal que vistam, mas fica difícil gostarmos de personagens que estão em todos extremos opostos sem que haja um diálogo mais calmo e colectado a modos para que a experiência à qual se estão a sujeitar seja, no mínimo, divertida  No fim, não parecem ter saído da situação mudados pelos acontecimentos o que se torna extremamente frustrante de se ver.

Não fosse por essa conclusão, El intercambio talvez tivesse sido uma peça de teatro tornado filme muito melhor, deixando assim os seus defeitos levarem a melhor dele, num filme que tinha algum potencial dentro de si.

Nota Final: 2/5


Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 22 de Outubro de 2018

21 de outubro de 2018

Unfriended: Dark Web (2018)


Quando em 2014 o primeiro Unfriended fez furor como o "filme de terror em full-screen", o mesmo deu o que acabaria por ser o primeiro passo de muitos para um novo sub-género de terror. Quatro anos depois, o produtor russo Timur Bekmambetov, juntamente com o já reconhecido Jason Blum, exploram mais além o conceito de causar medo através dum ecrã de computador em Unfriended: Dark Web.

Nesta sequela, acompanhamos a vida de Matias O'Brien (Colin Woodell), um jovem que tem um MacBook novo, que parece ter sido usado antes por outra pessoa. Matias descobre que grande parte do disco rígido está ocupado com ficheiros escondidos, neste caso vídeos de vigilância ilegais, que rapidamente desencadeiam uma série de consequências não só para ele mas também para os seus amigos na video-chamada.


A primeira coisa que reparamos é que o filme regressa novamente ao mesmo setup do filme anterior. Tanto o Skype, o Facebook e o Spotify, tornam-se assim em programas fundamentais para causarem terror, desta vez com uma abordagem temática mais realista que o filme anterior.

Ao irmos mais fundo do conceito da narrativa, neste caso o grande bicho de sete cabeças que é a Dark Web, tirando grande parte da sua inspiração do antigo site de vendas no mercado negro, Silk Road, onde se poderia comprar de tudo, desde drogas, armas, assassinatos, entre outros. O que significa que os vilões desta história são hackers talentosos em fazer o mal e que não irão parar até terem o computador e os seus conteúdos de volta.

Stephen Susco estreia-se na realização neste filme que também escreveu, priorizando o medo real das decisões das várias personagens, como também mostrando a forma que os hackers são capazes, através do uso da tecnologia, manipular tudo para provar um ponto.


Enquanto que o primeiro filme fiava-se nos jump scares tradicionais e uma história ligada ao sobrenatural, a sequela é capaz de quebrar alguns dos limites impostos pelo seu formato, tendo menos receio em correr riscos, sendo que maioritariamente deles acabam por resultar em benefício do medo que quer causar. Ainda que alguns visuais podem causar uma má impressão, sobretudo quando as coisas ficam mais tensas, o restante acaba por ser compensado por uma narrativa que quer causar um terror verdadeiro no espectador-

No fim, Unfriended: Dark Web é a evolução que emendou alguns dos problemas do filme anterior, conseguindo proporcionar mais momentos de terror, suscitando igualmente uma curiosidade sobre o que o lado negro da Internet esconde.

Nota Final: 3.5/5

19 de outubro de 2018

Unfriended | Desprotegido (2015)


O cinema de terror de baixo orçamento nunca prosperou tão bem quanto a primeira metade da década de '10, nas costas do sucesso de Actividade Paranormal, surgiram outras variantes pelo meio que tiveram graus de sucesso muito diferentes. Hoje falo-vos de Desprotegido, um dos primeiros filmes que utilizou a técnica de contar a narrativa focada no ecrã dum computador.

No aniversário do suicídio de Laura Barns, uma estudante do secundário vítima de bullying, um grupo de amigos reúne-se numa chamada de Skype, onde vêem uma pessoa a mais no grupo. Não sabendo quem é, os jovens, convencidos que é tudo uma grande partida, acabam por entrar num jogo mortal onde ninguém é inocente e jamais serão os mesmos.

Vendo o filme pelo computador de Blaire Lily (Shelley Hennig), fica assim estabelecido que ela é a personagem mais central desta história, já que parece ser a motivação mais forte atrás do suicídio de Laura.

À medida que os segredos das várias personagens são reveladas através dos jogos que este desconhecido propõe, a as relações entre eles são postas em causa e há um medo real com consequências igualmente reais.


Pela altura do lançamento do filme, o conceito ainda era relativamente novo, tendo sido introduzido em 2013 no slasher The Den de Zachary Donohue, sobre uma mulher que testemunha um homicídio através dum serviço ao estilo do Chatroulette. Mas onde The Den é imperfeito, Desprotegido aproveita ao máximo as suas limitações, desde de utilizar serviços reais, como o Facebook, o Skype ou o Spotify, todos eles com as suas interfaces datadas; à distância criada entre todos os intervenientes numa situação criada especificamente para que nenhum deles possa estar fisicamente presente enquanto que o inimigo comum é praticamente virtual.

É de admirar igualmente que a forma que Blaire interage com o computador é feita com uma naturalidade muito acima a outros filmes que utilizam a mesma técnica, mesmo por breves instâncias. Seja a mudar de janela, o que vemos ela a escrever e, por vezes, apagar nas janelas de chat, tudo parece e soa como se fosse à velocidade real.

A edição do filme é inteligente na forma que utiliza prioritariamente o seu visual para contar a história, poupando as personagens de fazer uma exposição vocal que não seria de todo normal. Mais, o filme utiliza a "desculpa" do lag para provavelmente cobrir os cortes dos takes, mas que o espectador nem repara.

Finalmente, também percebemos que Jason Blum gosta de usar jogos adolescentes nas produções da sua casa Blumhouse, com o jogo de "Eu Nunca" a ser um dos plot points importantes de Desprotegido e anos mais tarde vermos um filme dedicado ao jogo "Verdade ou Consequência" em... Verdade ou Consequência.


Apesar destes primeiros passos terem sido feitos à base do experimentalismo, o filme é capaz de seguir até ao fim a sua premissa, nunca recorrendo demais ao seu elemento sobrenatural. É aqui onde Desprotegido ganha e eventualmente perde, quando por meros momentos abandona o seu conceito original para dar um susto extra, que não parece ter valido muito a pena. Mas não é o suficiente para se dizer que a obra do ainda desconhecido realizador georgiano Leo Gabriadze, e o produtor russo Timur Bekmambetov, tenha sido inteiramente arruinada. 

Pelo contrário, a ousadia de ir por um caminho nunca antes explorado para contar uma história foi aplaudida tanto pela crítica como o público, clarificando que existe coisas a melhorar. Foi assim que em 2018 Bekmambetov tomou outro rumo com o mesmo conceito em Pesquisa Obsessiva, desta vez um thriller repleto de mistério.

Assim, Desprotegido pode ser considerado o verdadeiro pioneiro no sub-género, sendo capaz de dar alguns bons sustos pelo meio, mantendo-se fiel a si mesmo até ao último segundo.

Nota Final: 3.5/5

17 de outubro de 2018

Apostle | Apóstolo (2018)


Gareth Evans. Um nome que para muitos é associado a vários dos melhores filmes de acção e artes marciais made in Indonesia, com Merentau e The Raid – Redenção, ao qual agora faz algo um bocadinho diferente que esperado em Apóstolo, um filme da Netflix lançado a 12 de Outubro.

Com ele está o igualmente charmoso Dan Stevens, mais conhecido pelos seus papéis em Downton Abbey ou em Legion, tendo também colaborado anteriormente com outro dos grandes realizadores de terror, Adam Wingard, em The Guest.


O ano é 1905 e Stevens é Thomas Richardson, um homem cuja missão é infiltrar um culto religioso isolado numa ilha para salvar a sua irmã, Jennifer (Elen Rhys), onde está refém pelo carismático Prophet Malcom (Michael Sheen). À medida que Thomas conhece a comunidade na ilha, este é confrontado com a situações de corrupção one até a hierarquia é rejeitada por alguns membros mais ambiciosos.

Longe, mas não muito, dos grande thrillers repletas de cenas de lutas coreografadas, Apóstolo prioriza a carga dramática com consequências emocionais. Felizmente, a violência extrema esperada ainda está no mesmo sítio, sendo várias as cenas onde damos conta que nem Evans é capaz de se afastar muito daquilo que faz perfeitamente: acção bem pensada ao ínfimo pormenor onde a parada é alta. Tudo isto é acompanhado com o estilo assinatura de shaky cam do realizador e um banda sonora folclórica intrigante, garantido que seja uma experiência genuína que vale a pena viver.


Ainda que alguns dos seus elementos mais sobrenaturais demorem a sobressair, há muito para nos sentirmos inquietos, ao percebermos o quão volátil algumas das pessoas na ilha são. Se dum lado existe o Prophet Malcom, um homem que apesar de ser loco pelas suas crenças,é também tão firme quanto justo na sua jornada, enquanto do outro há quem procure torcer essa fonte de fé apenas para abusarem o poder que lhes traz.

Isto vai ao ponto de uma das cenas vermos um jovem a ser torturado e morto por um dispositivo semelhante a um saca-rolhas primitivo, só por ter impregnado a filha dum dos homens, revelando também todo um universo de patriarcado, onde as mulheres apenas existem para tarefas e necessidades básicas.


No fim, resta-nos apreciar é um filme que começa de uma forma e discretamente transforma-se no seu próprio monstro, onde ninguém está a salvo. É por isso que Apóstolo, ao oferecer uma abordagem diferente dos cultos cujas histórias passam muitas vezes por mitos, consegue fazer o que poucos filmes são capazes: deixar o espectador na ponta da cadeira com o coração aos saltos. E Gareth Evans sabe exactamente como fazer isso.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 17 de Outubro de 2018

16 de outubro de 2018

The Wife | A Mulher (2018)


Há actores que passam uma carreira inteira a dar o seu melhor e a serem constantemente louvados por isso. Glenn Close já interpretou papéis memoráveis em Atracção Fatal, a versão live-action de 101 Dálmatas e a série de televisão premiada Sem Escrúpulos, só para dar alguns exemplos. Mas suspeita-se que o seu protagonismo no mais recente filme do realizador sueco Björn Runge, em A Mulher, consiga superar esses todos.

Ao fim de quase quarenta anos de casados, Joan (Glenn Close) e Joe Castleman (Jonathan Pryce) veem o seu casamento na linha, após Joe ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. O casal, mais o seu filho David (Max Irons), viajam até à capital europeia de Estocolmo, onde a vida de cada um jamais será a mesma.


Através de vários flashbacks, acompanhamos a vida de Joan quando conheceu Joe em 1956, altura em que ele era seu professor na faculdade. Joan era uma aspirante autora, com os seus textos a serem apenas reconhecidos localmente. Entretanto, Joe também era um homem casado, que trocou a sua mulher pela jovem na esperança de melhores dias.
Passadas quatro décadas, vemos que Joe é um homem narcisista e aparentemente, impulsivo, já que é revelado que teve casos com outras mulheres.

À medida que conhecemos a dinâmica familiar, percebemos que eles são tão humanos quanto nós: têm defeitos, passam por momentos tanto bons como maus, mas sobretudo, sofrem com as decisões de um do outro. É na reflexão da relação como um “nós” que o espectador empatiza com as personagens, com Glenn Close humanizar de forma perfeita a vida de Joan e toda a experiência acumulada durante o seu casamento.


Se, por outro lado, vemos influências externas a causarem turbulência, como o autor Nathaniel Bone (Christian Slater) insistindo em querer ser o biógrafo de Joe mas que bate sempre com o nariz na porta, apercebemos-nos que a vida nunca é tão simples quanto a fantasia de ter a vida perfeita retratada nos filmes de romance.

É por isso que Björn Runge, apostando em mostrar o lado mais genuíno duma relação com problemas comuns, prova que a realidade será sempre mais intrigante que a imaginação e que de facto, todas as acções têm uma reacção oposta e em momento nenhum o filme altera o seu ritmo para ser mais fácil de encarar.

Com um argumento quase perfeito, uma realização focada e um elenco que traz para fora o que serão certamente actuações duma vida, A Mulher é um filme para olharmos e percebermos que mesmo quando tudo está a cair à nossa volta, há sempre algo para termos esperança em nós mesmos, custe o que custar.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 16 de Outubro de 2018

14 de outubro de 2018

Bad Times at the El Royale | Sete Estranhos no El Royale (2018)


Drew Goddard, para quem não conhece, é um homem com uma capacidade imensurável de subverter todas as expectativas do cinema que escreve e realiza, tomando quase sempre a decisão de virar à esquerda quando achamos que as coisas estavam encaminhadas para a direita.

Com um currículo vasto em diversos cargos, foi em 2012, com A Casa na Floresta, que Goddard se estreou no lugar da realização, definindo alguns dos pontos mais discretos do cinema de terror de hoje.


Desta vez Goddard aborda o género de neo-noir, ao bom estilo das revistas de pulp-fiction, em Sete Estranhos no El Royale, um filme que junta várias personagens de pontos muito distintos num só local, desde de um padre (Jeff Bridges), uma cantora (Cynthia Erivo) e um vendedor de aspiradores (Jon Hamm), a uma femme fatale (Dakota Johnson), que traz consigo uma rapariga que raptou (Cailee Spaeny) e eventualmente, um líder dum culto carismático (Chris Hemsworth). A eles se juntam o único funcionário do El Royale (Lewis Pullman)

O próprio El Royale é também ele um local de charme. Separado por uma linha que divide o estado de Califórnia com o de Nevada, esta dualidade transpõe-se no tom do filme de uma forma discreta o suficiente para pôr em causa o destino do universo. Até o próprio El Royale contém um lado escondido, já que todos os quartos têm um espelho bilateral, podendo-se tirar partido da oportunidade de fazer maldade.


Mas é no edifício principal onde o verdadeiro El Royale sobressai, transbordando de retro-classicismo de 1969, com um jukebox contendo vários singles de The Isley Brothers e o icónico tema “Hush” dos Deep Purple, uma decoração inconfundível com máquinas de slots dum lado e um bar recheado do outro, já que as respectivas licenças de álcool e de jogo estão legais apenas em cada um dos estados.

O filme começa com um homem a esconder um saco de dinheiro debaixo do chão dum dos quartos do El Royale. Não há nenhuma informação adicional fora o plano fixo onde somos meramente testemunhas. 10 anos depois, conhecemos as várias personagens que se encontram no dia presente.


A premissa vai sendo construída aos poucos, que após a sua introdução, divide em blocos o que cada hóspede está a fazer, revivendo o conceito de como vários estranhos acabam ligados uns aos outros indevidamente. Mas também faz parte do sentimento que existe algo para além daquilo que vemos, algo que Drew Goddard é especialista em criar no espectador, incorporado pelas actuações sólidas dum elenco cujo reportório não desilude.

Assim, existe uma sensação genuína em acompanharmos este grupo de pessoas, numa noite chuvosa num hotel semi-abandonado, onde literalmente tudo pode acontecer neste épico de 140 minutos, que só Drew Goddard sabe bem fazer.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 14 de Outubro de 2018

Heavy Trip (2018)


Longe, nas terras nórdicas, ali para os lados da Finlândia e da Noruega, existem centenas de grupos de bandas, praticamente elas todas baseadas em algum sub-sub-género de metal que normalmente reflecte a vida e a ideologia daquela área do norte da Europa. É aqui onde conhecemos os Impaled Rektum, banda fictícia que lidera o filme Heavy Trip, realizado por Juuso Laatio e Jukka Vidgren.


Turo (Johannes Holopainen) e os seus amigos têm uma banda de metal, com o seu sub-género rotulado como "symphonic post-apocalyptic reindeer-grinding Christ-abusing extreme war pagan Fennoscandian metal" (não me peçam para traduzir isto). No fundo metal pesado com uma forte ligação a renas.

Ao fim de 12 anos a praticarem várias músicas e covers, o grupo decide que está na hora de tocarem ao vivo, motivados por uma visita de um promotor dum festival de metal da Noruega, os rapazes farão de tudo para poderem lá estar.

Logo desde do primeiro momento, percebemos que o filme vai fazer todas as paragens estereotípicas das nossas personagens metaleiras: cabelos compridos, guarda-roupa preto e um gosto musical que para muitos seria um gosto adquirido. Também existe um interesse amoroso entre Turo e Mila (Minka Kuustonen), uma rapariga loira de olhos claros. Finalmente e porque a fórmula exige, também temos Jouni (Ville Tiihonen), um artista de pimba local que despreza Turo e tenta impressionar Mila.


À primeira semelhança, vermos o grupo unido remete para a memória da série de animação clássica da Adult Swim, Metalocalypse, sobre um grupo de metal a viajar pelo mundo em concertos, com todo o tipo de situações absurdas e cómicas pelo meio. Heavy Trip até poderia ser uma espécie de sequela espiritual, pelo menos tem tudo para o ser.

A forma como a cidade muda a percepção sobre eles, a partir do momento em que se espalha a notícia que vão ser famosos ao actuarem no festival, mostra o lado interesseiro humano que só presta atenção quando de repente passam a ser relevantes e que possam dar algum tipo de benefício.

Mas Heavy Trip mantém o seu espírito erguido. Afinal, estamos a acompanhar um grupo de jovens talentos em busca do derradeiro sonho de tocarem em palco e em todos os momentos, não podemos deixar de torcer por eles.


No fim, Heavy Trip preenche todos os requisitos de ser a típica narrativa inspiradora, com uma pitada de loucura pelo meio, garantido o seu lugar como filme de culto. Agora é cruzar dedos para um dia vermos o regresso dos Impaled Rektum no grande ecrã!

Nota Final: 4/5

12 de outubro de 2018

Sorry To Bother You (2018)


Vivemos num mundo muito estranho de momento. Pessoas que não deviam ter cargos importantes estão agora sentados neles, o aquecimento global está próximo de ser o fim da civilização e as únicas pessoas que não parecem estar a ser afectadas são as que ganham biliões de dólares. As coisas andam complicadas para o resto do povo, pelos vistos.

É com essa mentalidade que o multi-talentoso Boots Riley, mais conhecido no mundo do hip-hop e do seu trabalho como activista, decidiu escrever e realizar o seu primeiro filme: Sorry To Bother You. Baseada na célere frase usada por operadores de telemarketing, é onde conhecemos Cassius Green (Lakeith Stanfield), um homem sem dinheiro que consegue um emprego a vender produtos via telefone.


Mas Cassius só consegue ter sucesso nas vendas usando a sua "voz caucasiana", sendo que estatisticamente, o ouvinte terá mais confiança num branco que num negro. Pouco a pouco, este vai tendo cada vez mais sucesso, num caminho em direcção de ser um Power Caller, um telemarketer que vende produtos de alto valor, o que significa comissões maiores. E quando digo "voz caucasiana", digo mesmo com uma dobragem voz feita por David Cross, actor conhecido pelo seu talento em filmes de animação.

Assim que lá chega, Cassius é confrontado com uma decisão moral, vendendo contractos de trabalho em troca de comida e casa gratuita. Para quem não chegou lá: A escravidão tem um preço.

Esta é a história incrivelmente ridícula de Sorry To Bother You, onde o retrato duma realidade alternativa de Oakland é feita duma forma onde o absurdismo reina na reflexão da questões que vivemos verdadeiramente hoje, onde o capitalismo é o centro de todo o poder.


Boots Riley traz ao público uma narrativa intrigante, um verdadeiro conto onde o homem pequeno consegue ter sucesso num mundo de tubarões, podendo nós ter a confiança que estamos perante um individuo com integridade, onde terá que fazer escolhas difíceis só para poder tirar um salário. Acompanhando Cassius, facilmente criamos uma relação pessoal, onde torcemos por ele em cada passo que dá na sua vida, que rapidamente fica complicada.

Mas o surrealismo impera, cena após cena, onde a vida implacável da América corporativa apenas se preocupa em ser bem sucedida a todo o custo. Incluindo explorar a pobreza e do desespero daqueles que viram tudo a ser-lhes tirado, deixando-os sem opção nenhuma senão permitir que a escravidão faça um regresso com estilo.


Stanfield também não está sozinho, contando com um elenco secundário bastante sólido, incluindo Tessa Thompson, Steven Yeun, Danny Glover, Terry Crews e Armie Hammer como o CEO maquiavélico.

Com isto, Sorry To Bother You mostra-nos duma forma que tem tanto de divertido como de ser assustadoramente alarmante um universo que nos deveria parecer como exagerado, com uma grave ressonância do caminho para o qual nos estamos a aproximar como seres humanos. Isto se entretanto não pormos de lado a mentalidade da ovelha.

Nota Final: 4.5/5

10 de outubro de 2018

Hell Fest | Hell Fest - Parque dos Horrores (2018)


Com o aproximar do Halloween, eis que se inicia a temporada de filmes de terror a aparecer nas salas, a começar com Hell Fest – Parque dos Horrores.

Apostando num elenco mais conhecido na televisão, Hell Fest conta a história de seis amigos que decidem ir para um parque de diversões temático, repleto de diversões assustadoras, algumas delas bastante realistas. É quando Natalie (Amy Forsyth) e a sua melhor amiga, Brooke (Reign Edwards), se juntam ao seu grupo de amigos com entradas VIP, onde irão passar um serão que ficará para sempre na memória e com um homem obcecado em perseguir Natalie.


Ao acompanharmos o grupo enquanto visitam os diversos cantos do parque de diversões, há uma grande sensação que estamos perante um vlog de grande orçamento de um YouTuber qualquer, já que a acção demora um bom bocado a acontecer. Ainda que não seja inteiramente aborrecido – praticamente um quarto do filme é focado na exploração – a única intenção é de situar o local e criar algum clima de terror.

Quando as coisas começam a acontecer a sério, Hell Fest entra em modo homage, com quase todos os clichés tradicionais esperados dum slasher, sem nunca esquecer o sangue, os gritos e os grunhidos. No entanto, o local acaba por se revelar como o ideal para coisas más acontecerem sem ninguém dar por isso, já que existem áreas dedicadas a fãs à procura dum medo mais real.


Assim, durante praticamente o resto do filme, vemos os jovens a fugir do homem, o homem a perseguir os jovens e ninguém pelo meio a acreditar que há alguém para os matar. São também várias as vezes que o filme dá a impressão que irá fazer algo diferente e surpreendente, para depois acabar por jogar pelo seguro, inclusive quando mais perto do fim todos os momentos do filme tinham tudo para um derradeiro momento clássico à-lá-scream queen dos anos ’80, que tanto merecia.

Um dos grandes culpados desta pequena confusão é Gregory Plotkin, um realizador que tem mais trabalho em edição de vários filmes de terror da Blumhouse do que na realização. Todavia, está certamente ciente de todos os ingredientes necessários para fazer um bom filme de terror, mas com mais experiência na cadeira de realizador acredito que consiga fazer algo de qualidade superior com a oportunidade certa.


No fim, Hell Fest – Parque dos Horrores tem algumas boas ideias, todas elas que funcionariam bem no contexto do cenário apresentado, não fosse por um argumento quebrado e de más tomadas de decisão por parte das suas personagens. Fora isto, dou como aberta a temporada do terror. Bons sustos!

Nota Final: 2.5/5 (originalmente 5/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 10 de Outubro de 2018