28 de novembro de 2018

Vox Lux (2018)


Muitos foram os filmes que retrataram da sua própria forma a ideia do que se passa nos bastidores dos nossos artistas favoritos, sem estarem directamente relacionados, desde o clássico Quase Famosos de Cameron Crowe, inspirados nos seus textos para a Rolling Stone a biopics como Control, sobre Ian Curtis, cantor dos Joy Division; ou até a paródia de Andy Samberg, Popstar: Sem Parar, Sem Limites, que, apesar do seu tom cómico, reflecte algo muito real.

É por isso que a mais recente obra escrita e realizada por Brady Corbet, Vox Lux, abre um caminho relativamente novo no que toca a mostrar a vida duma super estrela. Excepto que não é de forma absolutamente nenhuma um filme para toda a família.


A abrir com uma narração por Willem Dafoe, seguimos a vida de Celeste (Raffey Cassidy), uma jovem cuja história começa em 1999, com um tiroteio escolar semelhante ao de Colombine no mesmo ano, onde um jovem abriu fogo aos seus colegas. Celeste sobreviveu com estilhaços na coluna, tendo depois composto com a sua irmã, Eleanor (Stacy Martin), um música que acabaria por ser o hino duma nação em luto. Vemos as irmãs a iniciarem a sua carreira no mundo do entretenimento, passando pelas mãos dum manager sem nome (Jude Law), mas muito presente, onde Celeste passa a ser o centro das atenções.

Agora com 31 anos, Celeste (Natalie Portman) é uma mega-estrela mundial a lidar com as pressões de ser aquilo que o mundo quer que ela seja: uma inspiração permanente para a vida dos seus eternos fãs. Celeste também tem agora uma filha adolescente e muitas situações a pesarem nos seus ombros.


Desde o primeiro segundo apercebemos-nos que isto não é um filme que vai ser contado de forma tradicional, muito menos uma realidade polida ou politicamente correcta para agradar aqueles que têm uma ideia glamorosa da vida de uma estrela de pop. Enquanto que a história esteja segmentada para destacar os pontos-chave de Celeste, vamos conhecendo aos poucos a vida de alguém destinado para ficar na história – mesmo que isso signifique cantar em playback tal como as cantoras de pop.

O facto de termos um elenco limitado a essencialmente quatro actores, em momento nenhum perdemos o foco da importância de Celeste, que afinal, é o centro do mundo, tanto nosso, como de toda a gente; onde Natalie Portman faz o que é capaz para ser outro papel da sua vida, ao lado de Perto Demais, mostrando uma faceta imprudente repleta de drogas e drama. Por outro lado, Jude Law aparenta ser mais velho do que parece, sendo inicialmente uma figura paternal para no fim ser um facilitador para os maus caminhos de Celeste.


Atrás da câmara, Brady Corbet oferece um mundo paralelo, onde a tragédia e o seu contra-balanço para atenuar e distrair da dor dos actos cruéis, perpetrados por pessoas sem escrúpulos, numa visão fria e muito objectiva dentro de uma narrativa sobre uma pessoa que só quis mudar o mundo. Quando não estamos a viver os dramas pessoais das personagens, estamos a apreciar a arquitectura de Nova Iorque ou a performance em palco de Natalie Portman, com uma produção de alto nível.

No fim, Vox Lux revela ser uma obra sobre o retrato do século XXI, onde veneramos pessoas que nunca conhecemos num mundo virtual, onde as aparências escondem uma vida muito diferente da realidade. Sempre me disseram que podem tirar uma pessoa de Staten Island, mas nunca podem tirar Staten Island duma pessoa. Nunca acreditei nisso até agora.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 28 de Novembro de 2018

27 de novembro de 2018

American Satan (2017)


O diabo e o rock 'n roll vão de mão em mão desde há muito, quando se ainda acreditava que Elvis estava possuído e era uma encarnação do mal. Engraçado como a história não muda...

O estado do rock e do metal moderno deu asas à imaginação a Ash Avildsen, que não só é argumentista e realizador, também fundou uma das companhias discográficas mais relevantes do género, a Sumerian Records, onde artistas como Asking Alexandria, The Dillinger Escape Plan e o grupo sensação Palaye Royale tiverem grande sucesso. 

Também bem sucedido é Andy Biersack, vocalista dos Black Veil Brides, que faz aqui a sua verdadeira estreia como actor, ao lado doutro músico que está a enveredar como actor, Ben Bruce, guitarrista dos Asking Alexandria. A eles ainda se junta um dos reis do cinema de terror, Malcom McDowell, no papel de facilitador diabólico no meio disto tudo.


Conhecemos The Relentless, uma banda cujo sonho é serem as novas estrelas do rock e estão dispostos a trabalhar para isso. Mas após de um inicio atribulado na sua carreira, estes fazem um negócio com o diabo, que lhes dá tudo aquilo que querem. Claro que esse excesso de poder traz novos problemas, em forma de sexo, drogas e sangue.

Acompanhamos Johnny (Andy Biersack), Leo (Ben Bruce), Vic (Booboo Stewart), Lily (Jessie Sullivan) e Ricky (John Bradley) durante um período de 2 anos, onde vemos-los crescerem de uma banda local a mártires com seguidores que não deixam nada se meta à frente da sua admiração por eles.

Ainda que frequentemente o filme pareça demasiado forçado nas suas acções, desde da criação de conflicto entre uma banda rival, ao acordo com uma entidade que lhes promete tudo que imaginam, existe aqui um paralelismo claro perante as inúmeras histórias de bandas que foram prometidas o mundo e que estão agora na bancarrota e com uma grande lista de arrependimentos.


Mesmo assim, existe um esforço notável para criar algo que seja mais um filme para a televisão, onde todos os ingredientes típicos para um filme do género estão presentes. Apenas funciona duma forma diferente daquilo que possam esperar, com conotações bíblicas reinterpretadas para um novo público.

Se o filme é medíocre, a banda sonora por outro lado ganha fãs, entre temas originais compostos para o filme e que são incrivelmente actuadas, a temas de bandas como Deftones e The Pretty Reckless, que frequentemente definem bem o ambiente em seu redor

Com isto, American Satan é um filme que começa duma forma descontraída para rapidamente se levar demasiado a sério, com o cheiro a sexo com groupies, cocaína, heroína, demónios e mais panóplia e meia de actividades ilícitas porque é assim que a reputação do rock 'n roll tem que ser mantida. A ideia tem algo de brilhante, mas o produto final deixa muito a desejar. Infelizmente.

Nota Final: 2/5

23 de novembro de 2018

Suspiria (2018)


Em 1977, o mestre do terror Dario Argento mostrou ao mundo o que seria uma das suas obras mais amadas, Suspiria. Com cores vivas e uma banda sonora composta pela banda de prog-rock Goblin, esta acabaria por ser um filme de culto que inspirou centenas de filmes desde da sua estreia. Para melhor ou pior, estamos numa altura em que rebootsremakes ou re-whatever motivam a indústria cinematográfica, sendo que desta vez foi Luca Guadagnino e o seu parceiro criativo David Kajganich que ficaram responsáveis por fazer uma homenagem ao clássico filme de Argento, homenagem essa que, apesar de tudo, cria um certo tipo de expectativa à volta dele.

Dakota Johnson é Susie Bannion, uma rapariga de Ohio que se muda para um Berlim num estado caótico durante o chamado Outono Alemão. Susie faz uma audição na Markos Dance Academy, onde é aceite e faz furor junto às professoras da escola, que ficam impressionadas com o seu talento inato, sobretudo de Madame Blanc (Tilda Swinton) que a mantém próxima. Enquanto isto, as estudantes da escola estão a lidar com o desaparecimento de Patricia Hingle (Chloë Grace Moretz), uma bailarina paranóica que admite ao seu psiquiatra que acredita que a escola é controlada por um coven de bruxas, As Três Mães.


Antes de tudo, é preciso se dizer que esta nova versão de Suspiria está a algumas milhas do filme original, ao ponto de que todas e quaisquer comparações não seriam inteiramente justas. São filmes muito diferentes entre si, que começa nos visuais e estende-se até à mensagem que passa, sendo que a única semelhança que têm é a base da narrativa, que mesmo esta, é adaptada livremente neste novo filme. Dito isto, Suspiria é um filme complicado de se falar.

Começando pelo elenco, esse é fantástico, desde Johnson a encarar o protagonismo, cheia de movimento e um esplendor discreto, a mesma consegue de facto ser muito mais para além daquilo que vimos a actriz fazer até hoje; a Swinton, encarando três personagens distintas, mas focando-se em ser a directora criativa e preocupada com Susie e o que ela poderá trazer para o coven. Por outro lado, Swinton também é o psiquiatra alemão Dr. Josef Klemperer, mostrando o quão disposta está a ir na sua representação.

Do lado da narrativa, um dos pontos principais é o foco nas coreografias de dança, algo que o filme de Argento não tinha. Em várias instâncias damos por nós a ver um espectáculo de dança, com toques de terror, o que deixa uma impressão muito diferente do que esperada. Da mesma forma que Suspiria não tem qualquer receio em se mostrar como um filme bizarro, onde as cores esbatidas e os planos de câmara criam um ambiente obscuro, num crescendo de detalhes, que por fim culminam na derradeira cena final do filme.

Suspiria é tão visualmente brilhante e pensado ao pormenor criando uma abordagem orgânica, como se o espectador fosse um ser espiritual dentro do próprio filme testemunhando toda a acção. Sentirmos-nos como passivos no meio desta história deixando-nos sentir cada uma das suas armadilhas emocionais de forma mais forte e algo relativamente memorável.


Ele infelizmente mostra-se ser ligeiramente pretensioso nas suas intenções, muitas vezes passando a ideia de superioridade perante o filme original. Mas essa pretensão vem da ousadia de criar um mundo quasi-novo ao invés de uma modernização tradicional, onde as mensagens de maternidade e abuso de poder são aumentadas criando certamente algo que será centro de vários debates nos próximos tempos. 

Assim, Suspiria vem numa fase onde por mais que estejamos fartos de ver novas versões de filmes passados, criamos uma expectativa muito específica daquilo que queremos ver. Neste caso, temos um filme que utiliza uma base comum mas que o eleva para outros tipos de alturas, concentrado em exibir outros ideais na sua própria forma. Desde da forma que vemos, interagimos e ouvimos esta obra de Luca Guadagnino, ao qual se junta uma interessante banda sonora de Thom Yorke dos Radiohead, no fim há um sentimento de realização em se experienciar Suspiria mas que acaba com um sabor agridoce na mente.

A esta altura ouvem-se rumores de novas adaptações dos restantes filmes da trilogia d'As Três Mães, neste caso Inferno (1980) e Mãe das Lágrimas: A Terceira Mãe (2007), o que não é surpreendente. Agora se é algo com que se possa concordar... É uma pergunta difícil que vai em conta ao seguinte: quantas vezes a mesma pessoa pode homenagear as obras de um mestre sem nunca cair na repetição?

Nota Final: 3.5/5

Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 22 de Novembro de 2018

17 de novembro de 2018

Shoplifters | Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões (2018)


Hirokazu Kore-eda é daqueles realizadores cuja filmografia está cheia de grandes pérolas cinematográficas ligadas ao valor da família, como Tal Pai, Tal Filho e After The Storm. É algo que o realizador japonês se tornou especialista e regressa novamente aos ecrãs com Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões.

Vivendo na pobreza local algures em Tóquio, conhecemos Osamu Shibata (Lily Franky) e o seu filho, Shota (Jyo Kairi), dois ladrões que roubam por necessidade. Os dois vivem com outros membros da família, Nobuyo (Sakura Andô), Aki (Mayu Matsuoka) e a avó Hatsue (Kirin Kiki), os quais dependem da sua pensão.

Certa noite, Osamu e Shota encontram a pequena Yuri (Miyu Sasaki), uma menina deixada na rua ao frio e faminta, vítima de maus tratos dos pais. Estes levam-na para casa e tomam conta dela como se fosse parte da família, dando-lhe uma segunda oportunidade de ter uma vida onde é querida e amada.


Kore-eda não perde tempo em firmar uma relação muito pessoal entre as personagens e o espectador, criando uma empatia pelas suas motivações onde a ligação familiar fomenta um sentimento muito próprio. Há também uma importância em não sobre-dramatizar a vida destas pessoas que, apesar das suas dificuldades financeiras, são totalmente capazes de fazer o melhor com o que têm, ainda que esse peso sobre os seus ombros vai em função de contar a história.

Nisto, vemos cada um a viver a sua vida, tanto de forma individual, como em família, há uma clara mostra de união, onde, face às adversidades, tudo se resolve; agora mais, com Yuri a mudar a dinâmica entre eles, fazendo todos os possíveis para para que as coisas funcionem para ter algo melhor.


Há aqui, sobretudo, uma delicadeza na forma que Kore-eda conta a sua história, dando a conhecer as várias personagens que criam o seu mundo, algo que faz e muito bem. Repleto de detalhes interessantes, o que parece ser uma simples história sobre a vida rapidamente se torna num conto próximo do coração, deixando-nos permanentemente atentos a tudo em nosso redor e reforçando diversos valores familiares.

Enquanto existe um cinema, cujo objectivo são as emoções imediatas e descartáveis, Shoplifters toma um rumo completamente oposto, frisando a importância de sentir e mais tarde reflectir uma história que cresce aos olhos do espectador. É por isso que Kore-eda é um dos grande cinematógrafos actuais, mostrando uma perspectiva que certamente mais ninguém seria capaz de fazer da mesma forma e tão bem.

Nota Final: 5/5 (originalmente 9.5/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 17 de Novembro de 2018

13 de novembro de 2018

Starry Eyes | Starry Eyes - Amaldiçoada (2014)


A fama e fortuna em Hollywood tem sempre um preço a pagar, pelo menos é a ideia que fica quando ouvimos as inúmeras histórias de pessoas que se mudam para Los Angeles em busca do sonho. O duo de escritores e realizadores Dennis Widmyer e Kevin Kölsch pegam nessa temática e elevam a outro nível a mesma ideia em Starry Eyes - Amaldiçoada.

Sarah (Alexandra Essoe) é uma rapariga que procura ser actriz em Hollywood, trabalhando como empregada de mesa num restaurante enquanto vai às diversas audições. Isto até que um dia vai a uma audição duma das mais antigas produtoras de cinema de terror, a Astraeus Pictures, que após demonstrar os seus talentos, é chamada para conhecer o produtor principal.


Starry Eyes - Amaldiçoada entra no campo distinto que é o cinema de terror de série-B, onde todos os limites deixam de existir para contar uma narrativa de nuances grotescas, enquanto que acompanhamos Sarah no momento mais importante da sua vida, acabando por cair no que se pode chamar de um culto satânico, onde o sacrifício é usado como moeda de troca para se ter aquilo que se sonha.

Nisto, há uma obscuridade constante em todos os acontecimentos do filme, sobretudo nas duas cenas fundamentais que dão inicio à mudança de Sarah: as entrevistas com o produtor. Ainda em 2014, o movimento #MeToo nem era sequer um pensamento, mas as semelhanças entre o que sabemos agora sobre Harvey Weinstein e o que é retratado no filme, apenas mostram o quão podre está o seio do entretenimento, deixando no ar quantas pessoas passaram a mesma situação de estar na mesma sala com um predador.


Enquanto que, de certa forma, o filme remonta para algo nas linhas do Suspiria original de Dario Argento, existe aqui um paralelismo interessante na exploração do oculto, sobretudo no último terço do filme, onde após uma construção narrativa que por vezes descaia numa banalidade que passa completamente ao lado, para no fim ressaltar a sua própria loucura numa visão surpreendentemente assustadora. Pensava que a fama era ter uma vida cor-de-rosa!

Tirando partido dos seus pontos fortes, Starry Eyes - Amaldiçoada é naturalmente uma obra que hoje é mais importante que nunca, onde a futilidade em sermos estrelas é mais forte que as relações que temos e as supostas amizades que criamos. Nem que isso custe uma morte espiritual e um renascimento num corpo novo, garantindo o nosso lugar no céu, e no passeio algures em Hollywood Boulevard.

Nota Final: 4/5

Capharnaüm | Cafarnaum (2018)


O tema sobre migrantes refugiados nunca esteve tanto em foco como nos dias de hoje, causando um debate entre tolerantes e intolerantes sobre aqueles que procuram uma vida melhor noutro sítio. É por isso que a mais recente obra de Nadine Labaki, Cafarnaum, merece uma atenção acrescida.

Acompanhamos a jornada de Zain (Zain Al Rafeea), um rapaz de 12 anos, sentenciado 5 anos por um esfaqueamento, e que mais tarde acaba por decidir processar os seus pais por negligência. É assim que o filme se introduz, com uma injustiça social que nos deixa intrigados para saber o que realmente aconteceu, com as restantes duas horas de filme mostrarem todo o caminho que fez chegar a este ponto.


Zain e a sua família tentam diariamente sobreviver nas melhores condições possíveis num bairro libanês, com o rapaz a trabalhar numa mercearia ao fundo da rua de onde vive, fazendo o seu melhor para trazer para casa bens essenciais, como água e comida para si o os seus irmãos. Mas após os pais de Zain casarem a sua filha de 11 anos com um homem mais velho, este foge de casa em busca de um novo começo, onde conhece a etiópia Rahil (Yordanos Shiferaw) e o seu filho bebé, Yonas (Boluwatife Treasure Bankole), também eles passando por várias dificuldades.

Cafarnaum revela-se ser um melodrama que nunca é demasiado pesado, retratando uma realidade social que nunca se devia ter tornado normal. Enquanto que Zain, como actor, aparenta ser mais adulto e com uma maturidade emocional que os modelos que devia seguir, sempre disposto a tomar as decisões mais difíceis e muitas vezes altruístas. É impossível não nos querermos sentir próximos do jovem, que cria uma ligação inquebrável com o espectador, pelo menos durante as duas horas de filme.


Ao ritmo natural, vamos percebendo tudo o que ele passou, culminando com o julgamento final, onde o juiz questiona todas as acções tomadas e as intenções por detrás da sua decisão legal, e nós em lágrimas por termos testemunhado algo de tão incrível, puxando pelo lado emocional do público.

Com isto, Nadine Labaki faz questão em criar um filme numa visão documental, com um excelente balanço de carga dramática, mostrando que por mais que a vida nos deite abaixo, cabe a nós levantarmos-nos mais forte. É por isso que Cafarnaum já é o filme que irá representar a Libânia na consideração para Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares da Academia do próximo ano.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Novembro de 2018

7 de novembro de 2018

Overlord | Operação Overlord (2018)


Existe de momento um fenómeno estranho no cinema, onde a necessidade de revisitar e, de alguma forma, actualizar certos conceitos é algo que frequentemente nos deixa confusos. Operação Overlord, é o mais recente filme de Julius Avery, produzido nem mais nem menos pelo grande J.J. Abrams e vai buscar a velha história dos americanos contra os Nazis, com um twist um bocadinho diferente.

Em plena Segunda Guerra Mundial, um grupo de militares norte-americanos tem a tarefa árdua de destruir uma torre de rádio numa pequena cidade fora de Normandia. O problema? Os Nazis estão secretamente a realizar experiências científicas nos residentes locais, para criar um serum com efeitos devastadores.


Conhecemos Boyce (Jovan Adepo), um jovem militar que apenas há três meses era um civil e que agora, provavelmente, se encontra na situação mais complicada da vida dele. Juntamente com Ford (Wyatt Russell), especialista em explosivos, Tibbit (John Magaro) e Chase (Iain De Caestecker), conhecem Chloe (Mathilde Ollivier), uma francesa disposta a ajudar a cumprir a missão.

Logo desde o primeiro momento, sentimos-nos no meio do próximo grande first-person shooter, algo do qual esta narrativa parece ter como maior inspiração, principalmente a série Wolfenstein, que também tem uma história semelhante, sobretudo no que toca a nazis a fazerem experiências científicas do mesmo género.


Com isto, é mais do que claro que estamos perante um filme que todo ele age como se dum let’s play tratasse, onde o jogador invisível toma as decisões heróicas nos momentos de acção e as cut-scenes pelo meio contextualizam o enredo para o próximo festival de tiroteios e explosões.

Ainda que por vezes o filme puxe pelo lado do entretenimento, o mesmo tende extender a boa vontade da atenção do espectador, com algumas cenas longas demais com uma fluidez inconsistente, o que se torna rapidamente aborrecido. Vindo duma história uni-dimensional, Operação Overlord perde muitas oportunidades em explorar as intenções de ambos lados, podendo talvez criar uma dúvida razoável sobre as motivações dos bons e dos maus, preferindo antes focar-se em uma coisa e uma coisa apenas: não ser o filme de guerra que os vossos papás iriam gostar.


Mas como nem tudo é mau, podem contar com vários efeitos visuais interessantes e muito gore com detalhes esperados neste tipo de filme, limitando-se a ser das poucas coisas apelativas e que tinha mais potencial. Uma adição não muito entusiasmante ao sci-fi e terror, mas um excelente complemento daquele shooter que vocês tanto gostam.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 7 de Novembro de 2018.

6 de novembro de 2018

Crazy Rich Asians | Asiáticos Doidos e Ricos (2018)


A história da produção de Asiáticos Doidos e Ricos começou com uma pequena guerra. Quando no inicio de Agosto o escritor Kevin Kwan e o realizador Jon. M. Chu foram confrontados com uma oferta milionária, com direito a liberdade criativa, uma trilogia garantida na plataforma e muito dinheiro pelo meio, o duo viu-se confrontado com outra oferta, desta vez do estúdio Warner Bros., que garantia uma distribuição nas salas de cinema, sendo o primeiro filme a estrear no cinema com um elenco todo ele composto por actores asiáticos. Após uma deliberação, escolheram correr o risco com a segunda opção, preferindo fazer história do que fazer muito dinheiro.


Era importante mostrar que independentemente da etnia do seu elenco, o filme poderia era acessível a toda a gente com a sua narrativa de comédia romântica, onde Rachel Chu (Constance Wu) namora inconscientemente com um homem rico, Nick Young (Henry Golding). Os dois são muito felizes juntos com a sua vida em Nova Iorque, mas as coisas rapidamente mudam de figura quando Nick quer que Rachel vá com ele ao casamento do seu melhor amigo Colin (Chris Pang) em Singapura. É então revelado que Nick é filho de ouro, duma família que desenvolveu várias partes do país, tornando-os muito, muito, ricos.

Asiáticos Doidos e Ricos faz a intenção de não ser apenas mais uma daquelas comédias românticas esquecíveis, reforçado não apenas um elenco muito competente e personalidades diferentes entre si, como também não caiem nos clichés habituais esperados, o que faz com que acabemos com um filme que tem tanto de divertido como de querido em quantidades q.b..

Ainda que muitos dos estereótipos sejam reforçados, os mesmos são também explicados numa vertente cultural e como são encarados nos dias de hoje, onde sobretudo as mulheres mostram a sua capacidade de estar em lugares de alto poder e riqueza, independentes dum homem. 


Do lado visual, Jon M. Chu pode ter uma experiência mista entre vídeos musicais e filmes como G.I. Joe: Retaliação e Mestres da Ilusão 2, mostrando aqui o seu talento em dar o ritmo certo à história, onde nenhum momento é excessivamente longo. Enquanto que as maravilhosas cores de Singapura exibem uma cidade em crescimento constante, onde o desenvolvimento económico criou uma supremacia permanente.

No fim, Asiáticos Doidos e Ricos é a mistura perfeita entre comédia, romance, drama, num filme onde toda a gente se veste bem, os ricos são doidos e o amor... Esse ultrapassa qualquer barreira. Agora resta esperar pelas inevitáveis sequelas, que tudo correndo bem, serão tão divertidas quanto este filme.

Nota Final: 3.5/5

5 de novembro de 2018

Fahrenheit 11/9 (2018)


O mundo está virado do avesso. Países a elegerem presidentes cujos interesses não favorecem o povo, conflitos mundiais a mudarem o curso da história e outras coisas afins que só questiona a nossa fé na humanidade. Mas Michael Moore regressa, mais uma vez e com boa razão, com Fahrenheit 11/9, um documentário sobre como Trump se tornou no homem mais poderoso do mundo.

A culpa disto, como Moore faz questão em começar esta história, aparentemente cai sob Gwen Stefani, num chamariz onde Trump quis se mostrar ser mais popular que a cantora e apresentadora do The Voice. Por outras palavras, Nunca a frase “This sh*t is bananas…” fez tanto sentido, porque as coisas acabaram mesmo por ficar bem abanandas e Trump é assim o 45º presidente dos Estados Unidos da América. A pior parte é que ele nem queria correr a sério.


Moore mostra uma série de situações da vida real, entre as quais a crise social do tratamento de água em Flint, no estado de Michigan, que terminaram com sérias consequências, muitas delas mortais, ainda na administração de Obama e como as decisões dum governante capitalista fizeram sofrer milhares de pessoas. Mais, o tiroteio na escola de Parkland no inicio do ano e a greve de professores em West Virginia, também são tema abordados com o objectivo de mostrar o que aconteceu e como a instabilidade política quase invisível no Estados Unidos causa problemas praticamente irreversíveis.

Com isto, Moore passa a mensagem que acredita que a culpa não seja inteiramente de Trump, mas sim de um mal muito maior que envolve a população, com situações a acontecerem noutras administrações de presidentes anteriores, sendo elas a serem amplificadas com um espécie de bully no cargo político mais alto.


Fahrenheit 11/9 faz o seu melhor para não tratar o seu espectador de forma condescendente, mas sim informar de um ponto de vista mais pessoal e através de intervenientes directos, a realidade que vai mais para além daquilo retratado nos media. A comparação com Hitler também não é feita de forma descabida. Afinal, se se contar a história sem nomear nomes, existe um paralelismo indistinguível entre os dois homens e para onde caminhamos, pouco a pouco.

Mas uma coisa é certa: As Coreias irão, esperamos nós, dar por fechado o capítulo de 65 anos da divisão dos dois países e é provável que Trump tenha sido quem ajudou isto a acontecer. Ah, e Dennis Rodman, o ex-jogador da NBA auto-denominado melhor amigo de Kim Jong-un.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 5 de Novembro de 2018

4 de novembro de 2018

The Night Comes For Us (2018)


Com a Netflix a ser cada vez mais uma plataforma onde a mistura entre ter distribuição directa ao consumidor e uma liberdade criativa sem grandes limites, eis que um dos reis do cinema ultra-violento asiático, Timo Tjahjanto, lança The Night Comes For Us.

Originalmente pensada para ser uma novela gráfica, o filme introduz Ito (Joe Taslim), um ex-membro da tríada em fuga, poupa a vida de uma criança, este vê-se no meio de uma batalha violenta nas ruas de Jakarta durante o seu regresso à cidade.


Tal como seria esperado, o actor e coreografo de artes marciais Iko Uwais também protagoniza o filme, no papel de Arian, um homem que joga em ambos lado das cerca, não sabendo bem para que lado confiar mais. Naturalmente, com ele, está todo um elenco secundário já conhecido destas andanças, como Zack Lee, Sunny Pang, Shareefa Daanish e Julie Estelle, todos eles com papéis em filmes do mesmo género, como The Raid 2: Berandal de Gareth Evans e Headshot do próprio Tjahjanto. 

Existe um enorme poço de criatividade por detrás do planeamento das cenas de acção, sobretudo se tiver um elemento de luta coreografada. Um exemplo claro é durante uma cena passada num talho, onde não só o uso do ambiente em redor é feito duma forma extraordinária, como o uso de todos os recursos existente à volta são fair play. Mais tarde, o espaço apertado duma carrinha de transporte da polícia de repente se torna num autêntico massacre. Por cada pancada, corte, tiro ou soco, é fácil sentirmos na pele toda a violência a ser feita, que se repete várias vezes nas duas horas de filme, sendo elas genuinamente excitantes cada vez que acontecem.


Enquanto que há uma dramatização excessiva quando são os homens à porrada, do outro lado, as lutas com o sexo feminino tendem ser mais elegantes e discretas, mantendo no entanto todo o nível de sangue esperado do uso de um fio garrote a atravessar um pescoço.

Mas não é apenas de cenas destas que vive o filme, enquanto Ito faz o máximo possível para que a rapariga sobreviva, vemos como a relação entre os dois vai crescendo e como uma simples decisão de redenção pesa emocionalmente na personagem principal e que consegue fazer estes momentos mais calmos a serem levados mais a sério.

Atrás da câmara, Timo Tjahjanto põe-nos no meio de toda a acção, com uma cinematografia feita à mão, onde planos rápidos, mudanças súbitas e ângulos arriscados acabam por oferecer uma experiência como mais ninguém é capaz de oferecer, com excepção de Gareth Evans, ao qual ambos de juntaram no V/H/S 2 no segmento “Safe Haven”.


Assim, The Night Comes For Us pode por vezes não fazer grande sentido – priorizando toda a parte das actuações e das inúmeras cenas exaustivamente coreografadas do que ter uma narrativa inteiramente sólida – mas nunca deixando que por um segundo o espectador não fique com o coração aos saltos e a respiração cortada.

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 9/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 4 de Novembro de 2018

Bel Canto (2018)


Adaptado do galardoado romance de Ann Patchett, Bel Canto traz de volta ao ecrã Julianne Moore e Ken Watanabe, num filme escrito e realizado por Paul Weitz. descrito como um drama de reféns, mas que esconde um pouco mais debaixo desse véu.

Roxanne Coss (Moore) é uma cantora de ópera de renome mundial, que foi convidada a actuar na festa de aniversário do industrialista japonês Katsumi Hosokawa (Watanabe), festa essa organizada na América do Sul pelo governo local que querem muito que ele invista o seu dinheiro na abertura das suas novas fábricas. As coisas correm mal quando a festa é interrompida por um grupo de revolucionários à procura do presidente do país, que não estava presente, começando assim uma tomada de reféns.


Enquanto que este não é o filme de acção tradicional de reféns, onde o foco está em arranjar uma solução em libertar reféns sem identidade, Bel Canto vai na direcção oposta, cingindo-se quase todo ele dentro da casa onde estão, dando uma oportunidade de nos podermos relacionar com as diversas personagens que reagem de forma diferente perante à situação de risco.

Pouco a pouco, o filme acaba por mostrar todas as motivações por detrás das acções dos revolucionários, mostrando uma realidade bem diferente daquela que os políticos locais querem dar a conhecer. Estes a quem chamam de terroristas no lado de fora, são na verdade soldados do povo que sabem que a única forma de serem ouvidos é apenas através de alguma violência para captar a sua atenção, sem intencionalmente matar alguém que não seja pela sua causa. É essa a principal preocupação do general Benjamin (Tenoch Huerta), enquanto que tenta resolver as coisas pacificamente com a polícia, com Messner (Sebastian Koch), o intermediário da Cruz Vermelha.


Entretanto, Hosokawa tem oportunidade de conviver proximamente com a sua cantora favorita, ao qual ambos chegam ao ponto de se relacionarem, apesar de algumas barreiras linguísticas. Mas pelos vistos, o amor também não tem idioma.
Da mesma forma que Gen (Ryo Kase), o tradutor de Hosokawa, este também se apaixona por Carmen (María Mercedes Coroy), após de ela lhe pedir para ensinar a falar e escrever inglês e espanhol. Estas relações criam uma dinâmica repleta de esperança numa situação que normalmente seria baseada no terror.


Com um elenco capaz, constituído tanto por actores mais conhecidos, como também talentos locais, muitos deles a terem a sua primeira experiência num filme norte-americano, Bel Canto utiliza bem os recursos para criar uma história romântica, com uma pitada de thriller dramático, dando uma nova vida ao livro original. Por outro lado, por vezes cai em alguns clichés irrelevantes que não o consegue diferenciar da emoção de outros filmes do género, jogando demasiado pelo seguro.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 4 de Novembro de 2018

Spring (2014)


O amor acontece, ou assim parece ser no segundo filme do duo Aaron Moorhead e Justin Benson, que após uma estreia em grande com Resolução Macabra, decidem agora tomar outro rumo nesta história de amor, em Spring.

Evan (Lou Taylor Pucci) é um rapaz com uma vida que ficou mais complicada após a morte da sua mãe, que lhe leva a embarcar numa viagem até Itália, onde conhece a bela Louise (Nadia Hilker), uma rapariga encantadora com um segredo bastante obscuro. 

Considerando o que sabemos sobre o duo criativo, sabemos imediatamente que vem daí algo muito diferente do que é esperado na tradicional história amorosa, daquelas que conquistam corações no Dia dos Namorados. Mas mesmo com os elementos bizarros, Spring é uma aventura que quer muito abrir o coração e pôr à vista as suas vulnerabilidades.


Enquanto que Resolução Macabra cingiu-se a um perímetro restrito, Spring explora o mundo, neste caso através de uma pequena cidade italiana muito tradicional, onde Moorhead e Benson fazem bom uso de vários recursos visuais. Rapidamente também percebemos que desta vez existe uma sensibilidade de cinema Europeu, daquelas em que as nuances vêm ao de cima, trocando frontalidade por algo mais discreto.

É dessa discrição que Spring é capaz de surpreender mais à frente, quando as grande revelações mudam os parâmetros do filme: de repente a rapariga de sonho tem um grande defeito. Esta revelação é feita de uma forma extraordinária com um one-shot pelas típicas ruas italianas, muitas delas estreitas, onde a textura das paredes sobressaem à decoração clássica da zona. Em apenas dois minutos, tanto Evan, como o espectador ficam a par da situação que terão que enfrentar. É neste último terço que faz com que os outros dois tenham valido a pena ver crescer.


Ainda que começamos com uma tragédia, existe a sensação que algo sombrio poderá acontecer a qualquer momento. Mas quando acontece, o desfecho tende ser mais positivo que esperado, o que faz com que Spring agarre em todos os clichés do género e os adapte um bocadinho para aderir à sua estranheza inerente. É por isto que amamos contos Lovecraftianos.

Com isto Spring é um romance fora do normal que não quer ser apenas mais um filme apaixonante, com personagens que nos pedem uma preocupação genuína e uma história que vem mudar as dinâmicas previsíveis de uma forma que poderá chocar quem estiver à espera de algo contado linearmente. Para os restantes, têm aqui um filme para descobrir o verdadeiro significado de amor incondicional.

Nota Final: 5/5

3 de novembro de 2018

Raiva (2018)


Foi em Maio deste ano que o realizador Sérgio Tréfaut encerrou o IndieLisboa com a sua mais recente obra, Raiva, adaptada do romance “Seara de vento” de Manuel da Fonseca, publicado em 1958. A sua nova película regressa agora aos cinemas, preparado para não deixar o seu público indiferente.

Inspirada por um episódio violento ocorrido em 1933. que ficou conhecido como a “tragédia de Beja”, o filme, passado no ano de 1950, conta a história de Palma (Hugo Bentes), um homem duma família que vive na pobreza local alentejana, tentando arranjar trabalho quando possível para os conseguir alimentar. Palma eventualmente é oferecido a oportunidade perigosa de ser contrabandista, ao qual culmina na sua retaliação contra os ricos daquela terra.


O inicio do filme começa pelo fim, ao vermos Palma no seu estado mais negro, cheio de raiva, enquanto dispara a sua caçadeira contra os militares que tentam meter o povo na ordem, enquanto protegem aqueles com dinheiro. Depois disto, vemos todas as acções que levaram a tomar decisões violentas.

Este é um filme de aplaudir o elenco, este composto por grandes nomes como Catarina Wallenstein, Adriano Luz e Isabel Ruth, que encaram de uma forma realista às suas respectivas personagens, onde a crueldade dos tempos reflecte sem dó nem piedade a vida de ser pobre em Portugal.

Do outro lado, Sérgio Tréfaut juntamente com o director de fotografia Acácio de Almeida, criam o ambiente tão pesado como de clássico do cinema a preto e branco, perfeitamente executado, com enquadramentos arrepiantes de se ver e sentir.  Considerando a natureza crua que o filme aborda, aqui a estética funciona como um contra-balanço da miséria retratada na obra, onde o vazio tem um significado que vale mais que mil gritos.


No fim, Raiva vai na direcção oposta do cinema português comercial, não tendo receio ser directo, confrontador e com a capacidade de deixar o espectador a pensar no passado dum país que parece ter esquecido alguns dos seus problemas sociais, feita duma forma tão ressonante que incomoda.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 3 de Novembro de 2018

The Cell | A Cela (2000)


2000 foi um ano relativamente estranho. O virar do milénio prometia uma evolução tecnológica com consequências irreversíveis, algo que de certa forma aconteceu gradualmente nos últimos 18 anos. Pensarmos neste ano que quase duas décadas depois iríamos andar com computadores no bolso e o mundo é praticamente à base de redes sociais, ninguém acreditaria.

É por isso que o filme de estreia de Tarsem Singh, A Cela, foi um primeiro passo assustador no cinema pós-Y2K, com um thriller que mistura elementos de sci-fi onde Singh levou o género para o lado mais artístico.


Catherine Deane (Jennifer Lopez) é uma psicoterapeuta especializada em interacção cognitiva e neurológica, com um sistema inovador e futurista onde ela é capaz de explorar os cantos mais obscuros dos seus pacientes. Do outro lado está Carl Stargher (Vincent D'Onofrio), um sequestrador em série que gosta de torturar as suas vítimas, pondo-as dentro dum tanque que após algumas horas, enche de água, afogando-as. Mas Carl sofre de uma patologia rara e cai em coma, deixando à responsabilidade do agente do FBI Peter Novak (Vince Vaughn) de pedir ajuda a Catherine.

Desde do primeiro momento Singh dá-nos uma ideia de o quão diferente o caminho que o realizador Indiano tomou em contar uma história que já naquela altura era reciclada vezes sem conta durante as décadas de '80 e '90. Ao vermos Jennifer Lopez num mundo imaginário, com uma composição fotográfica incrível e muito pensada, também pela mão do director de fotografia Paul Laufer, que transpõe a sua experiência em vídeos musicais de grande escala nas várias sequências fora do mundo real.


O que faz A Cela funcionar melhor do que expectável é como nas cenas do mundo real, existe uma sensação constante que algo se está a passar, deixando uma impressão de risco em todos os momentos. As cores são predominantemente cinzentas e tudo é aborrecido. Já dentro da mente, o mundo torna-se colorido repleto de simbolismo, este inspirado por obras de arte de artistas do século XX, mostrando uma influência que funciona na perfeição e que é simplesmente belo de se ver. A isto junta-se uma banda sonora que acompanha os batimentos cardíacos cena após cena.

Sem medos em fazer algo novo e respeitando as obras, tanto artísticas como cinematográficas, A Cela é um filme que não tem receio em abraçar os seus elementos bizarros e imaginativos, em função de oferecer uma experiência muito diferente do usual com visuais deslumbrantes, um guarda-roupa pensado ao pormenor e uma narrativa tradicional com um twist inovador dentro do género, mais tarde explorado de outras formas por Christopher Nolan em A Origem. Mal sabíamos nós que era apenas o inicio de uma nova era no cinema.

Nota Final: 4/5

1 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody (2018)


Quando Freddie Mercury faleceu em 1991, devido a complicações de saúde causados pelo VIH, perdeu-se um verdadeiro ícone que, apesar de tudo, nunca teve receio em mostrar a personalidade a toda a gente. Deixou para trás o que é o legado dos Queen e, ao fim de praticamente 8 anos em desenvolvimento, Bohemian Rhapsody chega até nós para nos deixar levar pela história de um dos maiores grupos do planeta.

Começamos ainda quando Mercury (Rami Malek) era funcionário no aeroporto de Heathrow, onde era responsável pelas malas dos passageiros, onde pouco depois conheceu Brian May (Gwilym Lee) e Roger Taylor (Ben Hardy), ao qual John Deacon (Joseph Mazzello) se juntoU para a formação dos Queen.

Vemos vários momentos-chave da carreira da banda, desde dos seus primeiros concertos em pubs e o seu crescimento em popularidade. É aqui que as coisas se tornam um pouco mais categorizadas, já que o filme prefere ir abordando temas específicos do que propriamente álbuns, pois na altura dos seus lançamentos, os Queen nunca foram populares junto aos críticos, tendo antes atraído as massas e enchendo os vários locais com espectáculos inesquecíveis.


Tendo Sasha Baron Cohen saído a meio da produção, devido a diferenças criativas com Brian May e Roger Taylor, coube a Rami Malek ser e respirar Freddie Mercury, algo que ele faz e muito, muito bem. Naturalmente a captação dE um artista com uma excentricidade específica é impossível recriar a 100%, mas Malek faz para ser o mais perfeito possível, mostrando o que provavelmente será um papel que irá ficar marcado para a vida.

Entretanto, Gwilym Lee é provavelmente um clone de Brian May, enquanto que Ben Hardy e Joseph Mazzello estão suficientemente próximos para serem a melhor banda de tributo dos Queen alguma vez constituída.

No entanto, o filme não é perfeito em vários aspectos. Primeiramente, iremos pôr de lado a precisão dos anos dos acontecimentos, visto que a produção supervisionada por May e Taylor autorizou essas ligeiras mudanças que em nada contribuem para a história do filme (que não é um documentário, diga-se). Em várias instâncias do filme, o próprio não sabe se se há de focar nos Queen como um grupo, ou apenas em Mercury e nas suas decisões de vida, mostrando alguma desfoco. 

Mas tudo acaba por fechar o círculo no fim do filme com uma recriação parcial do concerto de 1985 do Live Aid, um concerto marcado pela banda saber do estado de saúde de Mercury, enquanto que esse foi um segredo guardado ao público durante vários anos. Sendo o que me parece a melhor parte do filme, não há forma de não ficar indiferente à actuação.


Assim, Bohemian Rhapsody traz finalmente ao grande ecrã o tão esperado biopic de um grupo que sempre foi contra a maré, inovando disco após disco e conquistando o mundo com os seus temas icónicos e o seu vocalista capaz de entusiasmar qualquer multidão. Precisamos de mais filmes assim!


Nota Final: 3.5/5




Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 31 de Outubro de 2018