11 de março de 2020

The Way Back | O Caminho de Volta (2020)


Ben Affleck é um bom actor muitas vezes ignorado. Ao longo da carreira protagonizou uma grande diversidade de filmes, desde comédias a thrillers e uma breve presença no mundo dos superheróis. É fácil esquecermos-nos o quão humano uma pessoa pode ser. É por isso que O Caminho de Volta, o mais recente filme de Gavin O’Conner, que tem na sua segunda colaboração com Affleck um dos filmes mais pessoais vistos em cinema. Neste caso a ficção imita a realidade após uma altura recente em que o actor esteve na reabilitação, devido a vários problemas relacionados com o alcoolismo.

Jack Cunningham (Affleck) é um homem simples, que de dia trabalha na construção civil e passa a noite num bar a beber, criando um ciclo vicioso entre a bebida e o seu trabalho. Um dia, Jack recebe uma chamada do director do seu antigo liceu, onde fora outrora considerado um campeão de basquetebol, tendo este lhe oferecido uma oportunidade de treinar a equipa actual e uma chance de redimir-se das suas escolhas de vida.


Existe uma grande empatia por Jack, ao descobrirmos as razões que motivam o seu ser miserável e as decisões em como lida com a sua vida, como também a sua percepção do mundo em geral, sendo este negativo. Enquanto que a sua reputação de bêbado local é vista por alguns como motivo de chacota, estamos claramente perante um homem disposto a mudar o rumo da sua vida, não só para algo melhor para ele, mas também como alguém capaz de ser um bom exemplo para os miúdos que treina. Tudo isto está envolto numa narrativa, daquelas que se assemelham a outras dentro do mundo do desporto, vistas nos anos ’90 e ’00, com um tom muito diferente ao que estamos habituados.


Após o tão ecléctico thriller The Accountant – Acerto de Contas, Gavin O’Conner prova novamente a sua versatilidade na cadeira de realizador, contando uma história repleta de emoção, deixando que as suas personagens carreguem e utilizem esse peso na jornada de descoberta, podendo nós ver a olhos vistos um crescimento pessoal. Neste filme em especial, apercebemos que estamos a ver Ben Affleck no seu estado mais vulnerável, com breves segundos a considerar se de repente o drama não virou documentário.


Na verdade, independentemente do que possam pensar de O Caminho de Volta, há que reconhecer o seu valor catártico, não apenas para um actor, cujos demónios da vida real se espalharam para a ficção. Também percebermos que todos cometemos erros e esses têm consequências, onde o que importa é assumirmos e aprendermos a sermos melhores depois disso. Se houver um filme que nos obrigue a uma introspecção, O Caminho de Volta é definitivamente um deles.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 11 de Março de 2020.

10 de março de 2020

Guns Akimbo (2020)


Em Maio de 2018 tornou-se viral uma fotografia de Daniel Radcliffe, vestido com um robe, boxers e uma t-shirt branca, duas armas na mãos e olhos de louco. A fotografia deu origem a um meme acarinhado pelos fãs do actor. Na altura a fotografia não foi de imediato associada a Guns Akimbo, o novo filme do neozelandês Jason Lei Howden (Deathgasm). Se esta fosse a única razão da qual o filme tem estado no centro das atenções, tudo estaria bem, mas eventos recentes envolveram Howden e algumas outras pessoas no Twitter, acabando por gerar alguma controvérsia à volta do filme.


Conhecemos Miles (Radcliffe), um jovem que odeia o seu emprego, a trabalhar num jogo mobile designado para que gastem dinheiro nas micro-transacções. Ele passa a sua vida a reportar todo o tipo de conteúdos criados pelos trolls da internet. Um dia, as coisas correm mal quando se envolve com uma organização criminal chamada Skizm, tendo estes atingindo a sua popularidade ao fazerem eventos de vida e morte em forma de entretenimento ao vivo com milhares de pessoas em todo o mundo. Para sobreviver, Miles tem que matar o seu oponente, na forma de Nix (Samara Weaving), uma rapariga forçada a jogar este jogo macabro e disposta a fazer de tudo para sair, mesmo que isso implique a morte de terceiros.


Alimentado pela narrativa e visuais inspirados em videojogos e gratificação imediata, Guns Akimbo é um filme criado à base de adrenalina, contribuindo para a necessidade de sobrevivência, custe o que custar. No fundo, é uma mistura de Crank – Veneno no Sangue (2006) e Jogo (2009) ambos de Mark Neveldine e Brain Taylor, tendo a dupla sido pioneiros num estilo cinematográfico moderno, ao qual podemos fazer algumas comparações, com excepção da banda sonora deste ser muito pior.

Seja na sua narrativa maioritariamente fútil, onde o sentimento de risco é zero, as muitas cenas de tiroteios são minimamente toleráveis, não fossem elas tão frequentes ou repetitivas entre elas. Do outro lado, as personagens que compõem este mundo sem lei, também não convencem tanto quanto certamente gostariam, sobretudo Riktor (Ned Dennehy), o líder de Skizm, que é um vilão que aparenta ser mais assustador do que realmente é.


No entanto, importa destacar esta entrada como mais uma na carreira de Samara Weaving, que nos últimos anos tem feito um nome por si no circuito de filmes independentes, e que a seu tempo devido, será um dos nomes mais importantes do cinema actual.

No fim, Guns Akimbo é um filme com um valor cinematográfico reduzido, com uma hora e meia passável, equivalente a uma trip de metanfetaminas com uma dose de cocaína, disfarçada num filme satírico e repleto de violência gratuita em quantidades exageradas.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 10 de Março de 2020.

9 de março de 2020

Birds of Prey (And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn) | Birds of Prey (e a Fantabulástica Emancipação De Uma Harley Quinn) (2020)



Quando Esquadrão Suicida saiu em 2016, todo o furor à volta do grupo de anti-heróis da DC Comics, o mundo ficou, em grande parte, rendido perante o estilo das suas personagens. Entre histórias bizarras dentro e fora do set, e a qualidade do próprio filme ser menor que antecipado, houve uma personagem que se destacou no meio de tantas outras e começou um movimento inteiro de feminismo: Harley Quinn. Houve algo sobre a forma que Margot Robbie encarou uma das personagens mais populares da banda desenhada, que mereceu que fosse dada uma atenção extra nos anos seguintes.

No inicio deste ano, tivemos direito à adaptação da série animada da personagem, onde o tom cartoonesco é fiel às suas origens, com um grupo de personagens conhecido e com Harley a aspirar pertencer ao Leigon of Doom, o grupo mais maquiavélico do universo. Era apenas o principio da invasão de Harley, com Robbie a regressar ao papel em Birds of Prey (e a Fantabulástica Emancipação De Uma Harley Quinn), realizado por Cathy Yan.



Neste filme, Harley decide cortar de vez qualquer relação que tinha com o seu ex-namorado, Joker, perseguindo uma vida a solo, em busca da sua redenção perante um mundo cada vez mais cruel. Quando ouve que uma jovem rapariga, Cassandra Cain (Ella Jay Basco) está em perigo, esta junta-se à detective Renne Montoya (Rosie Perez), Black Canary (Jurnee Smollett-Bell) e The Huntress (Mary Elizabeth Winstead) para a proteger o odiador de mulheres Black Mask (Ewan McGregor).

É com alguma felicidade que vemos que todo o processo mental de Harley Quinn em primeira-mão, onde a sua personalidade transparece em todos os momentos. Desde do seu charme anárquico, à sua ingenuidade carinhosa, ficamos a conhecer a fundo quem ela realmente é, numa fase de renascimento da sua vida. Esta, tendo ao seu lado mais raparigas, todas elas em situações da vida difíceis de lidar, abre uma oportunidade bem aproveitada, repleta de girl-power.



Por outro lado, o único grande defeito de Black Mask, para além de ser uma pessoa cruel, é o facto de odiar mulheres, quase sendo esse o seu super-poder. Entre as suas características, esta não é propriamente a mais forte, sendo que ela vai em função do objectivo provar aquilo que quer, e mostrar que as personagens oponentes uma razão para o querer derrotar. Mais que isso, é um vilão que serve como exemplo dos princípios morais da nova Harley Quinn. É igualmente importante referir a The Huntress como uma das surpresas mais agradáveis neste filme, considerando toda a sua história macabra, que aqui tem oportunidade de levar as coisas com alguma leveza, ao lado das suas parceiras novas.

No fim, Birds of Prey (e a Fantabulástica Emancipação De Uma Harley Quinn) é um filme bastante divisório no seu formato de entretenimento. Enquanto contém um conjunto de personagens algo interessantes, umas mais que outras, a sua narrativa mostra-se frequentemente frágil quando analisada a fundo, sendo esta distraída por caos divertidíssimo que disfarça as suas falhas. Já vimos o grupo Birds of Prey melhor retratado no universo televisivo da DC, com esse conjunto a ser levado mais a sério do que aqui, com muito mais valor que aqui visto. Ao lado da brilhante série de animação, as comparações são ainda mais desgastantes, tendo ambos por base praticamente a mesma história.


Levando tudo em conta, é difícil gostar totalmente deste filme, repleto de momentos muito altos, como Margot Robbie e Mary Elizabeth Winstead nos seus papéis, e momentos extremamente baixos, que entre tudo o resto, focamos no misógino Black Mask. Fica em aberto a possibilidade de as coisas darem uma reviravolta interessante, corrigindo o equilibro natural que este universo tanto merece. Até lá, teremos que nos contentarmos que não estamos perante um Esquadrão Suicida, mas uma pequena evolução positiva.

Nota Final: 3/5

5 de março de 2020

The Invisible Man | O Homem Invisível (2020)


Desde 1933 que o popular conto de H.G. Wells é adaptado para cinema e televisão, tendo tido várias formas ao longo das últimas décadas. No entanto, a Universal Pictures, perante o sucesso do universo cinematográfico da Marvel, quis experimentar um pouco desse elixir do sucesso ao trazer para os tempos modernos o tão icónico grupo de personagens clássicas do terror, com a chamada Dark Universe. A intenção da Universal Pictures praticamente ficou arruinada quando o reboot de A Múmia não impressionou ninguém. Apesar disso, o plano de reintroduzir a história d’O Homem Invisível manteve-se, e Leigh Whannell com o produtor Jason Blum oferecem uma proposta mais interessante do que aparenta.

Cecilia Kass (Elisabeth Moss) é uma mulher que após fugir do seu ex-marido abusivo, Adrian (Oliver Jackson-Cohen), é submetida a uma vida de tortura. Após saber que este cometeu suicídio, e tudo poderá ser uma farsa, ela sente-se constantemente observada mas sem ver ninguém. O que segue é uma série de eventos que irão pôr à prova a sua sanidade mental e a sua vida, que poderá acabar a qualquer momento.


Até agora, sempre vimos esta história na perspectiva do homem em si, alguém inteligente que ofereceu o corpo em nome da ciência, arcando a consequência grave de uma alteração biológica que ofereceu os seus poderes, enquanto vemos a sua luta ao tentar lidar com as suas decisões. Desta vez, estamos perante uma história nos olhos da vítima, esta que tenta ter uma vida renovada sem o elemento abusivo, cuja situação é o pior cenário possível. Isto contribui positivamente para um filme mais focado, onde nos sentimos mais investidos em Cecilia, no seu bem-estar e, sobretudo, como é que vai resolver este problema invisível, se conseguir sobreviver!

Elisabeth Moss, vinda da experiência na popular série The Handmaid’s Tale, mostra ser a actriz perfeita para o papel, com muitos momentos altos: desde do inicio, como uma mulher despedaçada, como ao longo do filme a ver como a loucura desta situação a afecta, até ao momento da sua resolução final. O Homem Invisível é igualmente, um filme que nunca desrespeita, na sua grande parte, a inteligência do espectador, dando pistas subtis mas concisas daquilo que nos espera; juntamente com um enorme controlo de não sobre-expor a base da sua narrativa com diálogos.


É aqui que Leigh Whannell faz aquilo que sabe muito bem fazer: contar uma história com todos os pontos certos e um crescendo de nos deixar de boca aberta. Apesar de ser mais conhecido como o argumentista de muitos dos filmes que contribuíram para o sucesso do terror nos últimos 20 anos, começando com SAW – Enigma Mortal, realizado pelo seu melhor amigo James Wan, o mais recente e subvalorizado Upgrade, provou que tinha imensas capacidades na cadeira de realizador, oferecendo um excelente exemplo de como o terror moderno ainda tem muito para oferecer, mesmo que este seja em regime de reboot.

Um desses tais exemplos é na sua componente visual, onde existem diversos enquadramentos que mostram uma parte da casa sem ninguém, deixando o sentimento tenso de que possa estar alguém realmente naquele lugar. O mesmo acontece com enquadramentos desconfortáveis, onde apenas vemos Cecilia, ainda que a imagem esteja direccionada para que duas personagens aparecessem no ecrã. São momentos destes, cuja alta tensão, pode causar problemas cardíacos.


Apesar do falhanço inicial do Dark Universe, é importante dar o crédito à Universal por manter os planos na criação dos filmes, ainda que estes não tenham nada demais a partilhar um com o outro, pois O Homem Invisível é um thriller incrível, que nos irá deixar a pensar duas vezes se estamos sozinhos em casa. Provavelmente sim, mas as correntes de ar apenas podem fechar as portas sozinhas umas tantas vezes…

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 8.5/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 5 de Março de 2020.

4 de março de 2020

Onward | 'Bora Lá (2020)


Nos últimos dois anos, a Pixar e a Disney apresentaram no grande ecrã duas sequelas altamente antecipadas, na forma de The Incredibles 2: Os Super-Heróis e Toy Story 4. A última vez que introduziram um novo conjunto de personagens foi no tão badalado Coco, mostrando que o estúdio de animação ainda consegue correr alguns riscos, que intercala com sucessos garantidos. Este ano a  Pixar aposta em dois filmes originais, sendo que o primeiro a estrear é ‘Bora Lá, de Dan Scanlon (Monstros: A Universidade).

O mundo como o conhecemos é habitado por criaturas místicas, onde a magia é substituída por avanços tecnológicos, até chegar a um tempo equivalente aos dias de hoje. Aqui, a magia é um elemento de histórias antigas, cuja credibilidade é considerada nada mais que contos de fadas.


Acabamos por conhecer Ian (Tom Holland), um rapaz que no seu 16º aniversário tem a oportunidade de ver o seu pai falecido, mas apenas se ele conseguir dominar o bastão mágico e dizer o feitiço correctamente. Ian consegue mais ou menos concretizar a tarefa, ao convocar uma parte do seu pai: as pernas! Com um missão a cumprir, Ian e o seu irmão mais velho Barley (Chris Pratt), embarcam numa aventura inesquecível, onde  vão aprender o valor da família.

De todos os género que já vimos numa  em animação, jamais pensaríamos que um road movie, género  popularizado nos anos ’70, merecesse hoje uma atenção especial para este filme. Conseguimos completamente apreciar na íntegra, sendo o road movie o ponto fulcral de ‘Bora Lá. Deste modo, podemos contar com uma narrativa que nos leva a explorar um mundo novo, com personagens que têm um objectivo de grande importância e uma carrinha fenomenal, que os levará ao destino!


Também podemos contar com a Pixar a puxar os cordelinhos do costume, no que toca a uma relação parental, que cria uma grande empatia à volta de Ian e o seu sentido de cumprir o dever, tudo para que possa ter uma oportunidade de rever o seu pai. Os habituais momentos de grande emoção e muitas lágrimas à mistura estão garantidos! Felizmente, existem também muitos momentos de risos e gargalhadas, todas elas contribuem para uma construção sólida das personagens.

Assim, ‘Bora Lá mostra que a Pixar continua em boa forma e ainda é capaz de entregar um filme completamente novo sem qualquer tipo de problema. Todo o possível fanatismo que estará em volta do filme, e subsequente merchandising, será algo que vale a pena celebrar, tal como aconteceu com Coco, Up! – Altamente ou até mesmo com À Procura de Nemo, há pouco menos de duas décadas. Resta esperar se iremos voltar a ver o mundo mágico de New Mushroomton.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 4 de Março de 2020.