27 de julho de 2020

The Shed (2019)


Por vezes os filmes de baixo orçamento tendem passar ao lado de até os cinéfilos mais atentos, frequentemente devido ao pouco destaque que recebem, acabando por se tornarem em incríveis gemas escondidas à espera de serem descobertas. Este é o caso de The Shed, um filme de terror realizado por Frank Sabatella.

Quando um caçador é mordido por um vampiro, este refugia-se dentro de um barracão, tornando-se num dos maiores problemas de Stan (Jay Jay Warren), um jovem órfão que vive com o seu avô abusador, tentando apenas ultrapassar a morte desconhecida dos seus pais. O seu melhor amigo, Dommer (Cody Kostro) é constantemente assediado por Marble (Chris Petrovski), ao qual sai com frequência à sua defesa, e a crush dele, Roxy (Sofia Happonen), é já uma pessoa desconhecida para ele, devido às suas companhias. Mas com um monstro escondido dentro do barracão, a  vida de Stan dá uma reviravolta que jamais estivesse preparado.


O que poderá parecer ao inicio como uma história clássica de monstro vs. humanos, rapidamente se torna num drama jovial em como estas personagens quebradas lidam com o facto que têm um perigo escondido a uma curta distância, que sempre que tenha oportunidade, causa cada vez mais o caos, pondo em questão a sanidade mental e a lealdade entre Stan e Dommer, numa narrativa complexa o suficiente para causar grandes momentos de tensão inesperada, deixando-nos várias vezes com as mãos na cabeça em desespero.

É ao vermos tudo pelos olhos de Stan que também conhecemos a sua psíquica, não só em forma de pesadelos confusos, como na forma que ele tenta lidar com esta situação e não quer que as suas decisões de vida tenham consequências nos outros. É com este peso que carrega às costas que causam fricção com o mundo em seu redor e criam os conflitos necessários para que The Shed seja aterrorizador a um nível emocional.


Enquanto que a primeira metade do filme dedica-se à introdução das personagens e dos seus lutas internas, os pequenos eventos de terror vão escalando até que tudo desabe de uma forma intensa, existindo mesmo um sentimento de vida ou morte, forçando as quatro personagens principais a lidarem com as suas decisões de vida e arcar com o seu desfecho; algo que o seu elenco retrata genuinamente, onde cada interacção tende ter uma grande importância na vida de cada um, em direcção do grande finale. Entretanto, os poucos momentos com gore podem por vezes parecer excessivos, mas que contribuem mais um bocadinho para o seu charme de baixo orçamento.

Assim, The Shed é um dos melhores filmes de terror do ano que quase ninguém vai ouvir falar, possivelmente criando um status de culto em sua volta, onde o choque de personagens bem desenvolvidas e uma narrativa maioritariamente bem escrita colidam numa obra verdadeiramente intensa.

Nota Final: 4/5

16 de julho de 2020

Becky (2020)


Por vezes existem elencos que nos surpreendem, não só por quem está incluído no ensemble, como as personagens que retratam. Este é o caso de Becky, realizado pela dupla de Jonathan Milott e Cary Murnion, que nos mostra uma faceta muito, muito, diferente de Kevin James.

Conhecemos Becky (Lulu Wilson), uma adolescente ainda a tentar lidar com a morte da sua mãe, que perdeu uma luta contra o cancro. Quando o seu pai, Jeff (Joel McHale) decide levá-la para um fim-de-semana no campo, as coisas tomam outro rumo quando a casa é invadida por um grupo de prisioneiros fugitivos, incluindo Dominick (James), um neo-nazi em busca de uma chave perdida.


O que ao inicio aparenta ser apenas mais um filme de terror de invasão de casas, rapidamente muda de tom quando percebemos que Becky é uma psicopata nata, com muita raiva no coração. Poderia ser um exagero, mas quando a sua primeira reacção frente-a-frente com um dos maus da fita é furar-lhe o olho, percebemos que estamos perante um outro tipo de filme. Na verdade, é de absoluta estranheza mas não surpreendente esta abordagem menos tradicional aos clichés subscritos, marcando pela diferença em estarmos a lidar com uma pequena assassina em série em criação, ou uma espécie de história derivada de Hanna. No entanto, toda a violência, quase gratuita, vem de um lugar muito escuro dentro da jovem Becky, proporcionando momentos, muitos deles desnecessariamente, sangrentos e sem nexo.

Poderíamos debater as razões do rumo seguido por Milott e Murnion, mas pondo de lado o que está a acontecer, é importante vermos a quem está a acontecer, e é aí que vemos Kevin James, um actor mais conhecido pelos seus trunfos cómicos, desde Paul Blart em O Segurança do Shopping e as suas frequentes colaborações com Adam Sandler, é de ficar boquiaberto ver o actor a encarar uma personagem tão má, sem escrúpulos, sendo definitivamente a melhor coisa deste filme, enquanto que Lulu Wilson claramente se está a divertir no seu papel de destruição.


Infelizmente é das únicas coisas positivas que poderemos dizer sobre Becky, uma obra que vê os seus truques a serem repetidos demasiadas vezes para ser levado com o mínimo de seriedade requerida, tornando-se num festival de violência e sangue, onde aqueles com sensibilidades maiores, como animais mortos ou um gore extra, podem-se tornar numa péssima experiência de cinema. O porquê é uma pergunta que continua a pairar no ar, é preferível focar no quem, já que o elenco tende ser um pouquinho mais interessante a viverem a história criada.

Nota Final: 1.5/5 (originalmente 3/10)

Originalmente publicado em Central Comics a 16 de Julho de 2020.

11 de julho de 2020

The Old Guard | A Nova Guarda (2020)


A imortalidade é um conceito já intensamente explorado em vários meios, de múltiplas formas, ao ponto de ser necessário recorrer a outras ideias que justifiquem uma variante de viver para sempre, como é o caso dos universos paralelos. No entanto, a banda-desenhada da Image Comics, criada por Greg Rucka e Leandro Fernández mereceu agora uma adaptação para cinema, na forma de A Velha Guarda, realizada por Gina Prince-Bythewood.

Andromache of Scythia ou Andy (Charlize Theron) é a guerreira líder de um pequeno grupo de imortais que durante séculos fazem tudo para o bem do mundo vêem-se numa posição desmotivadora ao perceberem que as suas acções tiveram o mínimo de impacto. Prestes a desistir das suas missões eternas, o grupo aceita uma missão de salvamento onde são encurralados, levando-os num caminho de vingança, ao qual se junta a novata Nile (KiKi Layne), uma soldado que descobriu recentemente que é incapaz de morrer.


O que se segue é um filme que aparenta ser um grande episódio piloto para algo muito maior e mais profundo, ficando aquém das expectativas. Enquanto que a primeira metade do filme introduz as personagens e a narrativa principal, contando com o tradicional antagonista vindo do mundo maquiavélico das grandes farmacêuticas, buscando capturar o grupo para extrair o DNA deles, e depois criar produtos que prolonguem a vida de meros mortais; a segunda já mostra alguma acção perante as consequências da perseguição, que são frequentemente paradas pelo seu antagonista básico e aborrecido.

Ver Charlize Theron a retomar papéis de acção é sempre um autêntico prazer, como temos visto nos últimos anos em filmes como Mad Max: Estrada da Fúria e Atomic Blonde - Agente Especial, podemos igualmente remeter ao ano de 2005 e Aeon Flux, provando que Theron tem uma queda quase secreta por adaptações de banda desenhada.


No entanto, o restante elenco parece estar presente para suportar a actriz, tendo um raro momento de destaque, como a relação homossexual de séculos entre Joe (Marwan Kenzari) e Nicky (Luca Marinelli), que mantêm uma cumplicidade de valor, mas que de de um modo geral são desprezadas por uma narrativa quebrada, e um inimigo que não passa para além de uma figura corporativa à procura de mais lucro, custe o que custar, mais que um vilão a sério. Entretanto, a realização de Gina Prince-Bythewood é incapaz de acompanhar o ritmo da acção, principalmente durante os vários combates à-lá-John Wick, que vêem a suas qualidades quase todas elas desperdiçadas por uma realização pouco preparada para o estilo.

Dito isto, A Velha Guarda mostra um potencial interessante em reviver um conceito clássico, escolhendo não ser melhor do que sabe que consegue ser. Com a possibilidade de uma sequela a caminho, será com certeza interessante ir mais a fundo a este universo e conhecer as personagens que integram, com uma melhor tradução para cinema. Se alguma coisa, este filme apenas fez-nos ter saudades de Christopher Lambert e a série Duelo Imortal.

Nota Final: 3/5

1 de julho de 2020

Freaks (2019)


O cinema independente por vezes tem receio em arriscar por territórios que são, normalmente, mais vistos nos blockbusters de Hollywood. Mas as suas ideias nem sempre resultam tão bem num grande espectáculo, optando antes percorrer um caminho mais aterrado. Este é o caso de Freaks, um thriller de ficção científica escrita e realizada pela dupla Zach Lipovsky e Adam B. Stein. (Kim Possible)

Em Freaks, conhecemos a história de Chloe (Lexy Kolker), uma criança fechada dentro de uma casa com o seu pai paranóico Henry (Emile Hirsch), que a protege dos males à espreita pelo mundo. Mas Chloe é impaciente e consegue escapar, para descobrir que o está para além do portão poderá decidir a sua vida e a sua morte.


Atirando-nos logo para o meio de uma narrativa, o desenrolar da história é feito gradualmente, forçando a nossa atenção em apanhar várias peças do puzzle e perceber o que realmente está a acontecer e quem são estas pessoas. O mundo lá fora está diferente, cheia de ameaças, que não é local para uma pequena criança vaguear. Infelizmente, contando mais do que isto poderia ser considerado spoiler, já que o fiz é construído à volta do elemento surpresa e apelando à descoberta, algo que funciona bem, pelo menos em sua grande parte.

Zach Lipovsky e Adam B. Stein criam um pequeno mundo cativante, de baixo orçamente e com muito coração, dado principalmente pela actuação semi-improvisada da jovem Lexy Kolker, que acompanhamos todo o filme pelos seus olhos. É de longe uma das melhores prestações vistas nos últimos tempos, que, ao lado de Emile Hirsch, regressa com um papel assustadoramente bem interpretado.


Toda a componente ficção científica interliga-se com um thriller emocionante, quando descobrimos o papel da Agent Ray (Grace Park) no meio disto tudo, em muitos momentos de cortar a respiração. Aliás, o facto de Freaks não se conter na demonstração gráfica de alguns actos de violência é um bem-dado que só beneficia a credibilidade de um filme cuja ambição de mostrar um lado diferente resulta em algo de grande valor.

Assim, Freaks contém todos os ingredientes para uma boa película de género, oferecendo uma experiência mais enigmática do que um grandioso fogo-de-artifício, providenciando todas as sensações, num inicio interessante da dupla de realizadores, que após uma boa recepção da sua adaptação de imagem real de Kim Possible, mostram que têm um talento inato para criarem histórias cativantes.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 1 de Julho de 2020.