30 de agosto de 2019

Blinded by the Light | Blinded by the Light – O Poder da Música (2019)


Quantos de nós, ao ouvirmos certas bandas ou temas, lembramos-nos de uma vida passada, definida pela música que de alguma forma nos marcou? Ao contrário dos The Beatles que foram esquecidos em Yesterday, em Blinded by the Light – O Poder da Música, faz questão em contar a verdadeira história inspiradora de Javed Khan (Viveik Kalra), que descobriu a música do artista de New Jersey numa altura complicada da sua vida…

Passado em 1987, quando Margaret Thatcher impunha dias difíceis no Reino Unido, ser-se um imigrante paquistanês em Luton, nos arredores de Londres ainda complica mais as coisas. Javed e o seu amigo Matt (Dean-Charles Chapman) sonhavam em algo melhor quando mudassem para a metrópole. Mas nem tudo corre como esperam, quando Javed é praticamente forçado pelos pais a seguir uma vida tradicional e prosseguir os estudos em algo mais útil do que a escrita criativa.


Gurinder Chadha realiza assim um coming-of-age repleto de esperança, onde existe vontade de vestir a nossa verdadeira pele, sem nunca nos esquecermos das nossas origens. É um tópico que é abordado de uma forma fiel, sobretudo no que toca à forma que os jovens imigrantes procuram criar a sua própria vida, divididos pelas tradições dos seus parentes e a nova cultura que vai integrando a sua nova vida.

Ainda assim, Chadha, apesar de não mudar as regras cinematográficas, faz para que toda a sua banda sonora seja ouvida com atenção, sobretudo as músicas de Springsteen, cujas passagens líricas aparecem no ecrã ao lado de Javed, traduzindo em palavras aquilo que o jovem está a sentir na alma. Por vezes aparenta ser uma técnica usada em demasia, mas que funciona bem em dar a entender o contexto emocional da cena, aumentando assim a exposição da personagem.


Acompanhamos toda a luta interna de Javed durante uma altura atribulada, mas que conta com a amizade de Roops (Aaron Phagura), à qual é eternamente grato por lhe introduzir a este novo mundo musical; e da paixoneta que tem por Eliza (Nell Williams), uma activista liberal, cujos pais conservadores alimentam a sua rebeldia. Juntando ao ensemble, está a família de Javed: o pai Malik (Kulvinder Ghir), a mãe Noor (Meera Ganatra) e a sua irmã Shazia (Nikita Mehta), que garantem uma variedade de sentimentos, com muitos risos e lágrimas.

Durante duas horas, vemos o crescimento de alguém que tinha tudo para se sentir revoltado com a sua vida, para alguém cujo sonho em ser escritor e ter uma influência nas pessoas tão grande quanto Bruce Springsteen. É um crescimento que, de alguma forma, conseguimos relacionar à nossa vida pessoal, deixando-nos a torcer por Javed em concretizar os seus objectivos. Essa é a magia de Blinded by the Light – O Poder da Música, que nos leva, com prazer, numa viagem que nos enche o coração, com fãs do The Boss a cantarolarem as várias músicas e os restantes a sorrirem ao terem uma nova perspectiva da sua música.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 30 de Agosto de 2019.

28 de agosto de 2019

The Devil's Rejects | Os Renegados do Diabo (2005)


Depois do pesadelo do último filme, A Casa dos 1000 Cadáveres, o trio constituído por Captain Spaulding (Sid Haig), Otis (Bill Moseley) e Baby (Sheri Moon Zombie) prosseguem pelo deserto em Os Renegados do Diabo.

Sete meses depois do pesadelo do filme anterior, desta vez os três notórios criminosos estão em fuga após serem descobertos pela polícia, pondo em risco a sua liberdade. Durante a sua viagem, encontram refúgio num motel, onde encontram uma banda local para aterrorizar.


Se A Casa dos 1000 Cadáveres era a homenagem aos filmes grotescos dos anos '70, Rob Zombie decidiu desta vez que Os Renegados do Diabo fosse a sua versão dos clássicos road-movies da mesma era, onde a viagem delirante é mais importante do que o destino, ainda que esse não seja propriamente definido. A diferença de tom é admirável, com Zombie ainda a fomentar a sua identidade cinematográfica.

O que se destaca mais neste filme é o foco narrativo nas personagens, que apresentam mais profundeza de carácter, deixando conhecer as suas maneiras repulsivas de viver a vida. Não se enganem, estes protagonistas continuam a ser os maus da fita, mas são os nossos maus, que apesar de merecerem sofrer com as consequências, as outras opções são mais divertidas, onde os supostos bons são ainda piores.


Mas esta família depravada, responsável por mais de 75 homicídios e outros tantos crimes hediondos, vai de encontro ao que Rob Zombie quer explorar, podendo contar calmamente uma história onde a sátira comum está ao centro, mais a loucura daqueles que são capazes de matar a sangue frio sem necessitar de uma razão. É também mostrada a humanidade destes protagonistas, ainda que muito pouca, mas que ajuda a compreender todas as suas facetas.

Surpreendentemente, Os Renegados do Diabo é um filme que não se estica durante as várias cenas, enquanto toleramos as acções do trio que adoramos odiar, impossível de desviar o olhar, por mais grotesco que seja. É frequente ele eliminar a linha imaginária de bom gosto, apenas para causar uma impressão, nunca cedendo a sua visão, por mais terrível que sejam os seus métodos, que apenas fazem o trabalho do Diabo.


Tal como o final de A Casa dos 1000 Cadáveres, este também tem uma conclusão que aparenta ser fechada, terminando o ciclo de violência causado pelo trio, mas que, 15 anos depois, irá ver o regresso de Captain Spaulding, Otis e Baby em 3 From Hell, possivelmente a última vez que veremos as três personagens juntas.

Nota Final: 4/5

25 de agosto de 2019

The Peanut Butter Falcon | O Falcão Manteiga de Amendoim (2019)


Numa altura em que a representação no cinema de pessoas com deficiência está a aumentar, como no exemplo do filme espanhol Campeões, desta vez temos a dupla de Tyler Nilson e Mike Schwartz na sua estreia nas longas-metragens com O Falcão Manteiga de Amendoim.

Zak (Zack Gottsagen) é um jovem com síndrome de Down, sem família e a viver numa casa de 3ª idade, obrigado pelo estado, sob o cuidado de Eleanor (Dakota Johnson). Mas Zak tem o sonho de conhecer o seu wrestler favorito, The Salt Water Redneck (Thomas Haden Church) e também ele aprender a fazer luta livre como o seu ídolo. Para isso, Zak planeia a sua fuga e vai em direcção a Ayden no Carolina do Norte, em busca da escola de wrestling, onde no caminho conhece Tyler (Shia LeBeouf), também em fuga por ter cometido um crime.


Desde o primeiro segundo que Tyler Nilson e Mike Schwartz mostram querer sair da norma ao criarem uma narrativa inspirada no conto clássico de Mark Twain, As Aventuras de Huckleberry Finn, com uma reviravolta única, algo que faz toda a diferença quando percebemos que a dupla já colabora com Gottsagen no campo de férias para deficientes há vários anos. Esta vontade de mostrar a diversidade no cinema, juntamente com a colaboração de LeBeouf e Johnson no elenco, faz com que a sensibilidade de O Falcão Manteiga de Amendoim seja algo verdadeiramente genuíno, e que se faz sentir na alma.

De facto a química entre os três actores principais fazem com que esta maravilhosa aventura possa ser apreciada com calma, com uma cinematografia que aproveita os detalhes do vazio da natureza, repleta de momentos de humor enquanto nos apercebemos da quantidade de coisas que damos como garantido e que por vezes é preciso reviver o nosso espírito aventureiro para que possamos sorrir às pequenas coisas da vida.


Se Shia LeBeouf ainda é uma cara relativamente estranha de se ver no grande ecrã, devido às suas inúmeras controvérsias do passado, Dakota Johnson continua a caminhar por território independente, a uma distância longínqua da trilogia Cinquenta Sombras, que fez o seu sucesso, mostrando que é muito mais do que uma actriz-sensação. No entanto, é Zack, que na sua estreia oficial, rouba o protagonismo com a sua personalidade, abrindo os braços para que o acompanhemos nesta viagem especial.

Assim, O Falcão Manteiga de Amendoim é garantidamente um dos filmes mais sinceros e divertidos do ano, deixando-nos com o coração quente até ao fim e um sorriso na cara quando recordamos os bons momentos desta fantástica obra.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 25 de Agosto de 2019.

18 de agosto de 2019

House of 1000 Corpses | A Casa dos 1000 Cadáveres (2003)


Antes de 2003, Rob Zombie era apenas um homem conhecido pelas suas andanças na música, com o seu famoso grupo, constituído por grandes contemporâneos como John 5, que também já colaborou com Marilyn Manson. São muitos os temas que contêm excertos de filmes de terror dos anos '60 e '70, como O Hotel do Terror (1960), Truck Turner (1974) ou The Mutations (1974), por isso uma ode ao cinema de género inspirado pelos filmes secretos daquela era, faz todo o sentido em ser a estreia de Rob Zombie atrás das câmaras ser A Casa dos 1000 Cadáveres.

É véspera de Halloween em 1977 e quatro amigos, Jerry (Chris Hardwick), Bill (Rainn Wilson), Mary (Jennifer Jostyn) e Denise (Erin Daniels) deparam-se com uma caricata personagem, Captain Spaulding (Sid Haig) e o seu local de trabalho, The Museum of Monsters & Madmen, um museu onde conhecem a lenda do Dr. Satan, indo depois à procura da árvore de onde foi pendurado. Nessa busca, os amigos conhecem Baby (Sheri Moon Zombie), que lhe leva até uma casa, onde o pior pesadelo deles todos começa.


A partir daqui, todo o filme age como se fosse um filme de John Carpenter em esteróides, com claras influências de Massacre no Texas (1974) e Os Olhos da Montanha (1977), onde Rob Zombie mostra a sua verdadeira paixão pelo cinema de terror clássico, elevando-o a um nível altamente grotesco, onde todos os limites são ultrapassados. Falo das muitas representações de torture porn e quantidades elevadas de sangue que invadem sem desculpas o ecrã, induzindo um pânico constante na mente do espectador.

Na verdade é tudo isto que faz de Rob Zombie um auteur verdadeiro à sua visão cinematográfica, um espelho à sua criatividade que reflecte directamente sob a sua música, criando assim uma ligação directa àquilo que lhe vai na mente e, provavelmente, na alma. algo que notamos, sobretudo nas curtas sequências que quebram a narrativa linear do filme, sendo pequenas pérolas inesperadas.


A sua apresentação no cinema traz um conjunto de personagens assustadores, frutos das circunstâncias de uma vida vivida no meio do nada, que aqui se mostram com uma personalidade mais cartoonesca com muito humor negro e uma enorme vontade de saciar a fome por ver o sangue a escorrer nas suas vítimas.

Não existe nada de visivelmente espectacular na realização de Rob Zombie, optando por um abordagem que acompanha mais de perto as pessoas neste bizarro mundo violento, contribuindo para este pesadelo infundido por ácidos que nunca mais acaba, com Sheri Moon Zombie  a encarar o seu papel de uma forma assustadoramente convincente, deixando-nos na dúvida se a sua loucura é real.


No fim, A Casa dos 1000 Cadáveres é uma das estreias mais intrigantes no cinema independente nas últimas duas décadas, com um realizador disposto a fazer tudo para mostrar a versão mais genuína da sua visão, que neste seu primeiro filme faz sem pensar duas vezes, atirando o politicamente correcto pela janela. Felizmente, é algo que vai repetir ao longo da sua carreira e levar um enorme culto a segui-lo.

Nota Final: 3.5/5

Ma (2019)


Na continuação da dominação mundial de produzir filmes de terror, a Blumhouse envereda novamente por um caminho que nos põe a questão de confiança naqueles que chamamos adultos, no mais recente filme realizado por Tate Taylor com Ma.

Maggie (Diana Silvers) é uma jovem que se mudou recentemente para uma pequena cidade em Ohio, após ela e a sua mãe Erica (Juliette Lewis) terem sido abandonados pelo pai. Na escola, ela rapidamente conhece Andy (Corey Fogelmanis), Haley (McKaley Miller), Chaz (Gianni Paolo) e Darrell (Dante Brown), tornando-se no seu novo grupo de amigos. Pelo meio conhecem Sue Ann (Octavia Spencer), uma senhora que trabalha no hospital veterinário da zona, que lhe faz vários favores como comprar álcool ou oferecer a sua cave para as festas dos adolescentes.

Acontece que Sue Ann, ao que os jovens lhe dão a alcunha de Ma, esconde terríveis segredos e as suas intenções maliciosas tornam-se perigosos, enquanto que descobrimos quem realmente é Sue Ann.


O filme demora muito tempo a revelar o foco principal da sua premissa, restringindo-se a mostrar apenas pequenos detalhes, em formas de flashback, da arrepiante personalidade de Sue Ann, levando as coisas a todo um outro nível a partir do meio da película. Só nessa altura é que o medo começa a ser real e a ameaça é vista como um sério risco à vida destes jovens ingénuos. Isto rapidamente se torna num problema na falta de captação para o investimento pelas personagens envolvidas ser dado pelos espectadores, que por esta altura já dispensaram as suas capacidades de querer saber.

A ideia de uma senhora mais velha, tornada psicopata, devido à sua experiência de vida, e aterrorizar adolescente, é de facto uma boa ideia em papel, não tendo aqui sido executada de uma forma mais enlouquecida, algo que certamente funcionaria em seu benefício.


É sabido que Tate Taylor fez um excelente trabalho com As Serviçais, que lhe valeu diversas nomeações em prémios e o Óscar para Melhor Actriz Secundária a Spencer, e Get on Up, uma biografia de James Brown; mas foi em A Rapariga do Comboio que mostrou um interesse em realizar filmes com uma componente de adrenalina, que aqui se estende novamente com o apoio da produtora de Jason Blum.

Ma poderia ter sido um melhor filme se soubesse aproveitar de uma forma mais original o enredo base tradicional, não colocando propriamente qualquer reviravolta que contribui para a surpresa da sua narrativa. Octavia Spencer vale a pena destacar pelo seu papel assustador, considerando a sua filmografia. Mas fora ela, tudo o resto parece descorado, ficando para trás.

Nota Final: 2/5

Ready or Not | Ready or Note - O Ritual (2019)


Parece estar na moda adaptar jogos sociais e torná-los altamente perigosos, onde situações entre a vida e a morte são a sua motivação principal. Exemplo disso foi Escape Room, lançado no início do ano, que mostrou o pior cenário possível do que é suposto ser uma tarde divertida com os amigos. Desta vez o jogo é mais clássico, com o duo de realizadores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, do colectivo Radio Silence, a mostrar uma versão mais obscura do jogo das escondidas, em Ready or Not – O Ritual.

Grace (Samara Weaving) é uma jovem que vai casar com Alex (Mark O’Brien), um rapaz vindo das riquezas da família Le Domas, e que construíram o seu império à base de jogos de cartas e de tabuleiro. Há algo de estranho com a família dele, algo que acaba por se revelar quando Grace vê o seu mundo virado de pernas para o ar quando é forçada a jogar um macabro jogo das escondidas, tentando sobreviver os ataques da sua nova família.


Existe um aspecto histórico por detrás de toda a violência, explicando, ainda que de uma forma minimamente plausível, o porquê de terem de aterrorizar Grace. Como seria esperado, ela não vai levar isto de forma leve, e está mais que pronta para retaliar contra aqueles que lhe querem morta.

Somos introduzidos a uma família com claros indícios de serem psicopatas, muito antes do verdadeiro jogo começar. No entanto, estes avisos são ignorados para algo maior, como o amor, algo que acaba por provar ser uma terrível ideia. Todos os membros da família têm personalidades relativamente distintas, com o pai, Tony (Henry Czerny), que insiste que a tradição tem que ser cumprida à risca, a mãe, Becky (Andie MacDowell), que apenas quer que o filho se volte a dar com a família, Daniel (Adam Brody), e o irmão protector que, a bem ou a mal, percebe que a única forma de o jogo acabar é com Grace morta, enquanto que os restantes jogam porque sim, inclusive Emilie (Melanie Scrofano), uma viciada em cocaína que oferece os melhores momentos de comédia do filme.


Do lado mais assustador, estamos perante um jogo do rato com muitos gatos bastantes desequilibrados. Se, por um lado, as coisas parecem ser contidas em sua grande parte, reservando o verdadeiro divertimento no clímax, o resto é uma tentativa medíocre de oferecer momentos de tensão, onde o risco deveria ser mais alto. A subversão de originalidade não parece ser um factor importante, com Grace a não ser a protagonista feminina forte que tanto queríamos.

Dividido entre o cumprimento deste ritual com consequências graves para os jogadores de ambos lados, Ready or Not – O Ritual não é capaz de se fazer destacar, por mais que se esforce. É, no entanto, um filme para levar de forma casual, onde desta vez o destino é mais importante que o caminho, podendo deixar os espectadores completamente satisfeitos com a conclusão, ou exactamente o oposto.

Nota Final: 2.5/5 (originalmente 5/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 18 de Agosto de 2019.

13 de agosto de 2019

Once Upon a Time... in Hollywood | Era Uma Vez em... Hollywood (2019)


Desde o seu primeiro filme, Cães Danados, Quentin Tarantino tem feito virar cabeças durante uma carreira de 18 anos, composto por agora 9 filmes, incluindo esta sua mais recente obra, Era Uma Vez… Em Hollywood.

Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) são os melhores amigos. Rick é actor e Cliff, o seu duplo. São inseparáveis. Mas Rick, após do estrelato da popular série de televisão Bounty Law, vê-se como um actor completamente falhado na sua transição para o cinema, limitando-se a conseguir pequenos papéis com pouca relevância para a sua reputação, e agora, forçado a ir a Itália para protagonizar spaghetti westerns.


Num mundo curioso, Rick é também vizinho de Roman Polanski, numa altura em que o realizador era um dos mais importantes em Hollywood. A sua mulher é a actriz Sharon Tate (Margot Robbie). São pequenas coincidências que constroem Los Angeles de 1969, onde os perigos à espreita respiram personalidade.

É incrível a atenção do detalhe de Tarantino, onde literalmente tudo é visivelmente pensado ao mais ínfimo pormenor: desde a fotografia, à banda sonora, e aos diálogos decididamente memoráveis. Em menos de cinco minutos sentimos-nos verdadeiramente imersos nesta realidade, neste filme de história alternativa.


Serão naturais as comparações a Pulp Fiction, não só pelo seu brilhante elenco, como também pela quantidade de narrativas paralelas que decorrem nas duas horas e meia da película, a qual inclui a introdução da família de Charles Manson, o famoso líder do culto de morte, responsável por influenciar diversas pessoas em cometerem actos hediondos.

Era Uma Vez… em Hollywood não é o típico blockbuster, muito pelo contrário. É mais uma longa mostra de o que o cinema significa para Tarantino e a sua habilidade em recriar uma obra que visa preservar a ideia de viver um filme no grande ecrã. Pitt e Dicaprio é uma dupla que merecíamos já ter visto antes; Margot mostra-nos o seu lado mais Hollywood e as brilhantes aparições de Mike Moh como Bruce Lee e Margaret Qually como Cat, uma das seguidoras de Manson, garantem valiosos momentos de entretenimento. Esta é, sem dúvida, a derradeira carta da amor à 7ªArte, a qual Tarantino insiste que será o seu penúltimo filme antes de se retirar.


Por aqui, Era Uma Vez… em Hollywood poderia durar para sempre, sendo um dos raros momentos cinematográficos que a mestria de contar uma história com conteúdo e visivelmente apelativo, aliada ao grande ecrã, promete e cumpre ser uma das melhores experiências culturais de sempre e que deve ser apreciada mais que uma vez.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Agosto de 2019.

11 de agosto de 2019

Shaft (2019)


Na era dos re-tudo e mais alguma coisa, não seria de estranhar que os clássicos de blaxploitation onde um vigilante negro vai em busca de causar caos e destruição por onde passa seriam devidamente actualizados. Mas será que era necessário trazerem Shaft de volta, se não fosse para aproveitar tudo o que o universo desta emblemática personagem traz com ela?

De alguma forma, Shaft (Samuel L. Jackson) teve um filho, JJ, ou Shaft Junior (Jessie T. Usher), que acabaria por se afastar para lhe proteger dos perigos da sua profissão. Eventualmente, JJ iria crescer seguindo uma carreira como analista de dados no FBI, pensando que tinha sido abandonado pelo seu pai, que não teria qualquer interesse em reconectar. Ao fim de mais de duas décadas, JJ recorre a Shaft para resolver um caso pessoal: a morte suspeita do seu amigo Karim (Avan Jogia).


Nunca se esperava que fosse esta a direcção que a saga Shaft tomaria, anos após anos de manter uma certa reputação como um género de filmes onde a violência fosse ligeiramente mais gratuita do que gostaríamos de admitir, mas que funcionava em prol da consistência histórica. Afinal, o Shaft original, desempenhado por Richard Roundtree, que faz também uma aparição neste filme para o tornar canon, a dada altura foi até África resolver os problemas locais à lei da bala. Logo, é de estranhar de longe esta abordagem familiar.

Infelizmente por mais estranho que seja, nunca entrenha, apesar da sua narrativa policial minimamente interessada, prosseguindo todos os passos cliché de o que normalmente se viria numa série de televisão. Shaft sofre do mal de ser um longo piloto televisivo que facilmente deveria se ter tornado em algo a longo prazo, onde a introdução das inúmeras personagens novas, entre a mãe de JJ, Maya (Regina Hall) e a crush dele, Sasha (Alexandra Shipp), que acabam por suportar muito da obra.


Talvez o pior de Shaft é estar a léguas do seu verdadeiro significado, algo que o filme de 2000 levou muito a sério com um dos melhores thrillers do virar do milénio, no mesmo ano que  American Psycho viria definir Christian Bale como um dos grandes novos actores, tal como Jeffery Wright. Aqui, estamos perante uma mistura de uma acção e comédia sem o foco no objectivo principal. São poucos os momentos em que as notas acertam no ponto, acabando por vezes ser demasiado tolo na sua comédia ou não ser sério suficiente em momentos importantes.

Não ajudando a este caso está a sua produção altamente polida, quem nem a quantidade de violência e vocabulário inapropriado é capaz de levar este filme às suas merecidas origens obscuras, com a realização de Tim Story (Táxi de Nova Iorque, Polícia em Apuros) a dar um tom leve e brincalhão à grande reunião de família. Não deverá ser a última vez que veremos Shaft, mas a este ritmo nem há vontade para apreciar o trabalho do detective mais duro de Harlem, agora com companhia.

Nota Final: 2/5

9 de agosto de 2019

Booksmart | Booksmart: Inteligentes e Rebeldes (2019)


Durante 2019, os coming-of-age têm sofrido uma espécie de renascimento em forma de cinema de auteur, com filmes como Mid90s de Seth Rogan e Eighth Grade de Bo Burnham nos mais destacados dentro do género. Agora é a vez da actriz tornada realizadora Olivia Wilde com Booksmart: Inteligentes e Rebeldes, com uma reviravolta diferente.

Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Beanie Feldstein) são duas melhores amigas que passaram o secundário todo dedicadas em terem boas notas, de modo a garantir que entrassem nas melhores faculdades, algo que foram capazes. Mas quando descobrem que os desleixados da turma também conseguiram notas suficientemente altas para boas faculdades, enquanto passaram o secundário todo em festa, as duas decidem que, por uma noite, vão se divertir ao máximo.


Neste mundo, crescer parece ser uma tarefa difícil quando tudo aparenta estar do contra, por isso seria de esperar que o duo de amigas estivessem mais que preparadas para conquistar o bairro. O que não esperavam era que chegar à festa mais divertida ia ser uma missão quase impossível.

Novamente vemos um olhar moderno de o que é a adolescência norte-americana, obcecados pelas redes sociais e as aparências que dão a quem lhes vê do lado de fora. Mas Booksmart: Inteligentes e Rebeldes vai um passo em frente e atira com muitas das regras tradicionais pela janela, proporcionando uma aventura com um objectivo simples: diversão, duma forma, ou doutra.

Acompanhamos Amy e Molly numa altura onde vemos que a amizade é algo frágil para os adolescentes, mas que em vários momentos de confusão conseguem superar as suas dificuldades, começando por uma festa num iate, seguindo até um jantar dum homicídio mistério, organizada pelos alunos dramáticos das artes performativas, onde esperamos que cheguem, finalmente, à grande festa desejada; tudo isto enquanto nos rimos às gargalhadas por mil e um motivos. Quem rouba o espectáculo é Gigi (Billie Lourd), uma das personagens mais cómicas de todo o filme, quebrando o ritmo com as suas maneiras eclécticas.


Houve uma altura durante os anos '00 que filmes desde género eram dominadas por Judd Apatow, que tem estado focado como produtor doutros projectos, mas que Olivia Wilde aqui encontra uma sensibilidade feminina muito bem vinda, abordando temas mais sensíveis duma forma casual, sobretudo na exploração da sexualidade de Amy, que gosta de raparigas. Esta sensibilidade é também suportada por um ensemble veterano composto por Lisa Kudrow, Will Forte, Jason Sudeikis e Jessica Williams, todos eles especialistas na comédia e sabem realmente como aliviar toda a tensão duma forma elegante.

Há que prezar a originalidade com que Wilde decide abordar o cinema na sua estreia na realização de longas-metragens, com uma atenção inata ao detalhe e manter o tom leve e sendo sério quando necessário, reservando pelo meio algumas surpresas para aqueles que também vão de viagem com Amy e Molly. Fica prometido que não se irão arrepender.

Nota Final: 3/5

The Mask | A Máscara (1994)


Corria o ano de 1994 e The Mask fazia algum furor pelos fãs de banda desenhada, com a sua personagem caricata, que tinha tanto de cómico como de violenta. Com a adaptação de Batman por Tim Burton ter iniciado um dos grandes movimentos de filmes de super-heróis, era a altura ideal para A Máscara mostrar uma versão mais amenizada de si mesmo no grande ecrã.

Stanley Ipkiss (Jim Carrey) é um banqueiro com uma vida monótona e o eterno good guy das raparigas. Mas a sua vida dá uma volta de 180º quando se depara com uma máscara que lhe transforma no Máscara, uma personagem super-poderosa e extrovertida que se mete no caminho de Dorian (Peter Greene), um mafioso psicopata em busca de vingança. Pelo meio Stanley conhece Tina (Cameron Diaz), uma bailarina-cantora com muito encanto, e Lt. Mitch Kellaway (Peter Riegert), um polícia a tentar fazer sentido de tudo.


É de notar que este filme está repleto de primeiros, já que este filme conta com a estreia de Cameron Diaz no cinema, fundamentalmente lançando uma carreira imparável durante os anos '90 e '00. Da mesma forma que este foi o primeiro duma longa linha de filmes de grande sucesso, inclusive tendo tido a oportunidade de ser um antagonista noutro filme de banda desenhada, como The Riddler em Batman Para Sempre.

É claro como A Máscara poderá ter sido um brilhante ponto de partida para carreiras de grande sucesso, já que este filme bate em todos os pontos pedidos para um bom serão no cinema. Desde o Coco Bongo Club, com o seu brilho e glamour, este clube induz um sentimento nostálgico, algo que é apreciado pelos seus vários detalhes na música e no guarda-roupa, representativo ao o que era a vida nocturna nos anos '90.


Existe um certo misticismo à volta da máscara, algo que abordado muito superficialmente, talvez para não aborrecer o que é definitivamente um dos filmes mais divertidos de sempre, mas que não deixa de ser interessante de ver, apontando que a sua representação tem ligação a Loki, o Deus das Travessuras, algo que anos mais tarde se materializava nos filmes da Marvel.

Falando em Marvel, é aparente que A Máscara foi de facto uma espécie de Deadpool antes de o anti-herói ser popularizado, que na banda desenhada apareceu no mesmo ano que a estreia deste filme, e até hoje, ambos tiveram um merecido crossover que seria certamente interessante de ver.


Tudo em A Máscara bate, em grande parte, certo. Desde dos visuais neo-noir, à exploração do ridículo através da comédia, aos inúmeros momentos musicais que se representam hoje como clássicos memoráveis. A aposta do afastamento da violência gráfica do seu material base, favorece um filme cuja simplicidade garante um bom entretenimento. No entanto, 25 anos após a sua estreia, algumas cenas mostram-se datadas, mas tudo em bom espírito de 1994.

São poucos os filmes capazes de manterem a sua relevância no cinema moderno, com esta adaptação liderada por Chuck Russell, que acabaria por ter uma reportório bastante variado nos anos seguintes; onde uma das personagens mais caricatas acabaria por marcar uma geração inteira. Felizmente, não foi feita uma sequela directa, mas as aventuras continuarem como uma série de televisão animada, que manteve o tom acessível e divertido do filme original.

Nota Final: 5/5

8 de agosto de 2019

Scary Stories to Tell in the Dark | Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro (2019)


Muito antes de Arrepios! aparecer, Alvin Schwartz escreveu uma trilogia de histórias curtas de terror, acessíveis para crianças, que veio com uma série de controvérsias relativamente aos seus conteúdos escritos de forma mais ou menos gráfica, mas apropriada para a faixa etária. Quase 20 anos mais tarde, eis que Guillermo del Toro assina a produção, com o realizador norueguês André Øvredal (A Autópsia de Jane Doe, O Caçador de Trolls) a adaptar para o grande ecrã estas Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro.

O ano é 1968 e Stella (Zoe Colletti), Auggie (Gabriel Rush) e Chuck (Austin Zajur) preparam-se para um Halloween assustador, quando conhecem o misterioso Ramón (Michael Garza). Após terem pregado partidas aos seus bullies, acabam por chegar à casa assombrada de Sarah Bellows, que está no centro dum mito local, onde quem ouvia as suas histórias iria encontrar a morte. Entretanto, o livro começa a escrever novas histórias assustadoras, que envolvem estas novas personagens, tornando o medo real.


No entanto, qualquer semelhança visual com Arrepios! pode não ser exactamente pura coincidência, já que a série que fez furor durante os anos ’90, também adaptada para televisão, vê aqui uma versão mais negra da literatura jovem adulta, onde tudo consegue ser assustador sem ser demasiado gráfico. É, para melhor ou pior, a faca de dois gumes deste filme, já que por um lado podemos admirar a técnica subtil sem mostrar demasiado, por outro, o fanático do terror grita em querer ver mais sangue e gore. De qualquer das forma, é um esforço sólido e bem pensado.

Não é difícil perceber o que del Toro viu neste projecto, pois tem todos os elementos que o realizador mexicano gosta de abordar nos seus filmes, neste caso, funcionando como uma espécie de antologia que vai ocorrendo de forma mais ou menos orgânica. De facto, os ditos monstros são os pontos principais duma narrativa motivada para introduzir a cada 20 minutos um novo conto e as suas consequências perante o mundo que os rodeia, algo que torna alguns momentos mais longos do que gostaríamos.


Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro não pretende inovar. Opta sim por agarrar várias influências, não só do seu material original, mas também de autores como Stephen King e Clive Barker, tornando-se em algo verdadeiramente obscuro, funcionando como uma boa obra de introdução ao terror a públicos mais jovens e capaz de entreter fãs veteranos do género.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 8 de Agosto de 2019.

7 de agosto de 2019

The Kitchen | The Kitchen - Rainhas do Crime (2019)


Para provar que a banda desenhada não consiste só em seres super-poderosos, eis que Andrea Berloff faz a sua estreia como realizadora, após ter sido nomeada para o Melhor Argumento em 2016 com Straight Outta Compton, a adaptação para o grande ecrã de uma das mais interessantes e mais despercebidas entradas da Vertigo, The Kitchen – Rainhas do Crime.

Claire (Elisabeth Moss), Kathy (Melissa McCarthy) e Ruby (Tiffany Haddish) são três mulheres que se veem numa situação pouco favorável após os seus maridos gangsters terem sido presos por assaltar um agente federal, extorsão e roubo, sendo obrigados a cumprirem uma pena de três anos. Sentindo a falta de apoio financeiro por parte da família mafiosa local, as três decidem tomar as rédeas do seu próprio problema e fazerem elas a colecta de protecção nos vários bairros de Hell’s Kitchen.

Naturalmente que os seus esforços bem sucedidos não passam despercebidos, iniciando assim uma revolução criminosa onde a vontade de sobreviver num mundo dominado por homens vem ao de cima.


Com um material base bastante interessante, com conteúdo suficiente para uma adaptação sem grandes alterações, já que tanto o filme, como a banda desenhada, não se contem no uso de linguagem inapropriada nem de violência, eis que surpreendentemente a película decide tomar outro rumo, um do qual reduz significativamente a importância das suas personagens principais.

Toda a narrativa toma conta da revolução dentro da organização criminosa, onde as três mulheres lidam não só com aquilo que se passa nas ruas, como também com as suas responsabilidades em casa, perante os seus familiares. Como esperado, nem tudo corre como era suposto, com avultadas quantias de dinheiro a serem o raiz do mal, onde as confianças começam a ser tremidas.

Infelizmente não nos é apresentado nada de novo, que não tenha sido melhor feito, remetendo o pensamento para Gangster Americano com Denzel Washington, um filme que fez tudo isto em moldes semelhantes mas de forma muito mais competente. São demasiadas as oportunidades desperdiçadas em explorar o conflito entre Claire, Kathy e Ruby e o quão implacáveis elas realmente poderiam ser, algo que sabemos que é familiar a Berloff. No entanto, o destaque vai de facto para o trio de actrizes, que acabam por compensar, ainda que muito pouco, as inúmeras falhas desta obra incoerente.


Com isto, The Kitchen – Rainhas do Crime falha em ser um filme de banda desenhada, já que o que é retirado daquilo que se inspira são elementos básicos de qualquer filme de gangsters, acabando por desiludir ao ser um thriller insonso que nunca atinge o seu verdadeiro potencial, quando tinha todas as ferramentas ao seu dispor. E não aproveitando de forma nenhuma os vários momentos que tinha para se destacar pela sua diferença na perspectiva feminina. O que é uma grande pena, numa altura infeliz em que a DC decide acabar com o selo editorial Vertigo, que originou muitas e boas histórias merecedoras de contar no grande ecrã. Fiquem-se pelo material original que garantidamente irão ficar melhor servidos.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 7 de Agosto de 2019.