31 de janeiro de 2021

The Little Things | As Pequenas Coisas (2021)


Os thrillers do anos '90 tinham o seu próprio sabor, divididos em categorias correspondentes aos níveis de adrenalina que continham, porque por cada Speed - Perigo a Alta Velocidade e Assalto ao Aeroporto, havia um Seven - 7 Pecados Mortais ou um Silêncio dos Inocentes. A nostalgia bateu à porta de John Lee Hancock, que depois do aclamado sucesso de Um Sonho Possível, seguiu um novo caminho com Emboscada Final na Netflix, prosseguindo até ao seu mais recente filme, As Pequenas Coisas, um projecto que o realizador e argumentista tem consigo desde 1993.

Joe 'Deke' Deacon (Denzel Washington), um deputado do departamento de xerifes de Kern Country vê o seu regresso a Los Angeles disputado quando vê um antigo caso ainda a ser investigado, agora por Jim Baxter (Rami Malek), um jovem detective responsável por trazer o assassino em série à justiça. À medida que vão investigado o caso, encontram um suspeito caricato, na forma de Albert Sparma (Jared Leto), que age como o culpado mas que são incapazes de o provar.


É impossível ficar indiferente ao trio principal do elenco, este composto por vencedores de Óscares e que representam a diversidade das gerações que representam. É verdadeiramente entusiasmante ver Malek num frente-a-frente com Leto, e o veterano Washington a vigiar de perto esta mutação moderna, enquanto contribui os seus talentos habituais. 

Estamos perante um filme que não poupou nos detalhes da era de '90, alguns mais interessantes que outros, desde da banda sonora, ao décor dos cenários, onde podemos ver um cartaz clássico dos No Doubt no inicio da sua carreira, a um poster de Os Rapazes da Noite, a um máquina de Mortal Kombat num mercado. Isto, aliado a uma atmosfera relativamente pesada, é capaz de recriar uma parte mais contida de Los Angeles, longe da loucura que conhecemos da cidade.


Enquanto que o desenrolar da narrativa ocorre de forma lenta e calma, revelando as suas cartas sem grandes pressões, a tensão que é construída não justifica a forma que história está a ser contada; frequentemente caindo nos clichés do género, invés de optar por uma homenagem referencial. Passaram-se 20 anos desde da década em questão e muito do progresso feito no cinema - que poderiam beneficiar este filme - são ignorados, mantendo todo ele no passado.

Infelizmente, tudo isto cria uma obra maioritariamente insatisfatória, incapaz de capitalizar os seus dois primeiros actos relativamente sólidos, merecendo muito melhor e perdendo a oportunidade ser algo para além que está no lado menos entusiasmante do espectro nostálgico, esquecendo que quando David Fincher foi confrontado numa situação semelhante, pelo menos o resultado chegou em forma de Zodíaco.

Nota Final: 2.5/5

Synchronic | Sincrónico (2019)


Aaron Moorhead e Justin Benson são dois nomes com uma legião de seguidores e com razão. A dupla que na última década começou numa cabana solitária no meio da floresta, seguido por um conto de amor inspirado por H.P. Lovecraft e voltou à floresta para dar a conhecer um culto com uma ideia muito distinta do que veríamos até então; são os mesmos que produziram After Midnight, de Jeremy Gardner e Christian Stella, num filme de monstros que era sobre tudo excepto o monstro. Com um orçamento maior, a ambição de levarem as suas ideias a um novo patamar chegou na forma de Sincrónico.

Steve (Anthony Mackie) e Dennis (Jamie Dornan) são dois paramédicos numa Nova Orleães ainda em recuperação, quando durante os seus turnos, testemunham uma série de pessoas feridas ou mortas em circunstâncias estranhas e a presença constante de uma nova droga sintética, Sincrónico. Com Steve a descobrir que tem pouco tempo de vida, este decide investigar os efeitos desta droga potente e descobrir os seus efeitos, levando-o por caminhos que jamais pensaria chegar.


Não é de estranhar que este tenha sido o próximo passo de Moorhead e Benson, com todos os elementos de ficção científica a serem-nos presenteados de uma forma mais inovadora que outros que temos visto nos últimos anos, mostrando como estamos conectados com o universo e o nosso lugar nele, por mais pequeno que este seja. É neste amor visível por contar as histórias de género, e os seus esforços aplaudíveis. 

Ainda que por vezes o ambiente possa ficar algo pesado, tal como qualquer novo conceito que desafie a realidade como a conhecemos, a ciência neste caso é apenas um motivo para explorar o carácter das personagens presentes e como elas reagem às alterações do seu mundo, invés de focar inteiramente na mudança da mecânica do seu universo físico. Isto permite-nos estar mais próximos com Steve e Dennis, dois homens cujas vidas são tão diferentes, mas que preservam uma amizade genuína, enquanto exploram os mistérios da vida, da morte e tudo pelo meio.


Aproveitando um orçamento um pouco maior, mas mantendo todo o efeito indie. Moorhead e Benson tiveram a oportunidade de trabalhar com dois actores mais conhecidos e levá-los para um filme de género; enquanto, talvez, consigam dar mais atenção aos filmes incríveis que têm feito nas suas carreiras; uma parceria onde a realização de Benson oferece uma dinâmica única e a cinematografia de Moorhead dá cor e forma ás histórias que a dupla escreve.

Assim, Sincrónico marca como um dos melhores filmes do ano, com uma abordagem, que apesar da sua motivação cientifica, é principalmente pela sua perícia em dar-nos personagens tri-dimensionais num universo fora do comum que este se torna inesquecível. 

Nota Final: 5/5

28 de janeiro de 2021

Promising Young Woman | Uma Miúda com Potencial (2020)


O subgénero de rape-revenge sempre trouxe uma conotação justiceira com ele. Afinal, queremos sempre ver a vítima a ser vingada e os perpetradores a sofrerem as consequências dos seus actos heindiosos. Eis que entra em cena Emerald Fennell, que após ter entrado em The Crown, e escrito e produzido diversos episódios de Killing Eve, a sua estreia no cinema vem em forma de Uma Miúda com Potencial.

Cassie Thomas (Carey Mulligan) é uma trintona cuja missão de vida é fingir que está bêbeda, esperando que os homens aproveitem do seu estado frágil para cometer acções duvidosas. Mas assim que pisam a linha, Cassie revela o seu verdadeiro estado, possivelmente assustando-os para a vida. A sua motivação vem ao de cima com o reaparecimento de Ryan (Bo Burnham), um velho colega de faculdade. Com um plano de vingança em mente, Cassie decide encerrar este capítulo na sua vida com a derradeira resolução, onde ninguém está a salvo.


A raiz do evento que atormenta Cassie nunca é mostrada, pelo menos de forma gráfica. Nem necessita, é uma história que lemos com demasiada frequência na comunicação social e que assombra as mulheres. Neste caso, existe alguém capaz de seguir até ao fim a sua missão e fechar o ciclo, sem mercê.

Uma Miúda com Potencial sofre de uma espécie de problema de emoções mistas. Num momento este é engraçado e espirituoso, no seguinte, aparece como uma nuvem negra se tratasse, instaurando um medo muito real que nos arrepia. É no desequilibro caótico natural que o filme mais nos convence da sua versatilidade e forma de nos dizer que, aconteça o que acontecer, a vida é feita destes momentos.

Entretanto, é quando o filme está sério e focado que mostra as suas verdadeiras cores e com orgulho; é uma história fantástica que nos move. É por isso que quando vemos Cassie a actuar os seus planos, sentimos uma satisfação como nenhuma outra, com justiça a ser feita pelas suas próprias mãos. No entanto, o filme também tem alguns períodos de distracção que retiram algum do seu impulso, ainda que seja perfeitamente capaz de rapidamente voltar aos eixos.


Aliado à narrativa e à realização está um grande elenco, liderado por Mulligan, que toma rédeas como nunca antes visto, juntamente com Burnham; mas é nas aparições momentâneas de Allison Brie ou Alfred Molina que percebemos que estamos perante de algo cuja dimensão vai mais além do que tenhamos noção de forma surpreendente.

Ainda que não seja um filme inteiramente aterrador como o sucesso independente M.F.A. de Natalia Leite e de outros antes de si, onde a raiva se torna em violência e sangue, Uma Miúda com Potencial vai para aqueles cuja dor jamais nos esqueceremos e que assumiram a responsabilidade de fazer algo.

Nota Final: 8/10

13 de janeiro de 2021

Run | Corre! (2020)

Quando Aneesh Chaganty, em conjunto com o argumentista Sev Ohanian, ofereceram-nos em 2018 um dos thrillers mais interessantes do ano, com Pesquisa Obsessiva, era claro como o dia que a dupla tinha muitas mais cartas debaixo da manga. Dois anos mais tarde, eis que estreia Corre!, continuando o seu legado no cinema de terror.

Diane (Sarah Paulson) é a mãe protectora de Chloe (Kiera Allen, na sua estreia no cinema), uma jovem com diversos problemas médicos e que requer uma monitorização constante, inclusive sendo uma estudante em casa. Um dia, Chloe suspeita que a sua mãe lhe está a esconder algo sobre a sua medicação, que causa um grande problema familiar.

É com uma incrível construção de tensão que Chaganty articula com Paulson e Allen cenas genuinamente assustadoras, enquanto torcemos por Chloe na sua busca da verdade, enquanto Diane é a personificação máxima de o que é uma mãe galinha, onde nada lhe irá impedir de proteger a sua filha do mal.

Estamos perante uma obra que desde cedo nos intriga, ao lançar algumas pistas a demonstrar alguma da estranheza da vida de Chloe, desde da sua condição física, estando ela dependente de uma cadeira de rodas; à quantidade abismal de medicamentos que a mesma tem que tomar para as suas várias doenças, passando pelo facto de ela não ter um smartphone ou acesso permanente a um computador. Todos estes elementos são mostrados de forma casual, mas são capazes de incomodar o suficiente para que as suspeitas se levantam logo de inicio.

Considerando que passamos a maioria do tempo com Diane e Chloe, é de louvar a actuação de Sarah Paulson, que tem uma espécie de magnetismo para papéis como estes, onde recentemente vimos algo semelhante em Ratchet, uma das mais recentes séries da Netflix, e que aqui continua a sua loucura inerente. Do outro lado, está Kiera Allen, que está à frente da representação de actores com deficiências físicas, ao qual ela e Chaganty foram capazes de utilizar as circunstâncias para benefício da narrativa, e pelo meio, tornar Allen numa das grandes jovens promissoras do cinema independente.

Com isto, Corre! pode agarrar numa fórmula clássica, com uma margem de manobra muito reduzida e em troca, é capaz de combinar umas das melhores actrizes com facilidade de personificar a loucura e uma jovem promessa, num filme onde escapar, seja de que forma for, é a ordem do dia. Se Aneesh Chaganty e Sev Ohanian manterem esta parceria no futuro, é certo que terão muito para contribuir ao género

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Janeiro de 2021.

3 de janeiro de 2021

Archenemy (2020)


Após quase duas décadas de filmes de super-heróis e pseudo-anti-heróis, pelo meio contámos com algumas adaptações de banda desenhada mais adultas, desde Watchmen - Os Guardiões, a V de Vingança, ou mais recentemente Officer Downe - O Filme; apelando a um público diferente. Foi neste sentido que após o sucesso de Daniel: Amizade Aterradora, Adam Egypt Mortimer escreveu e realizou Archenemy, produzido pela Spectrevision de Elijah Wood.

Max Fist (Joe Manganiello) é um herói doutra dimensão, que para prevenir a ruína de Chromium, teve que escapar através de um buraco negro, que transcende o tempo e o espaço, até cair no planeta Terra, onde não tem poderes. Quando Max conhece Hamster (Skylan Brooks), um jovem jornalista guerrilha disposto a ouvi-lo, os dois formam uma amizade, enquanto que Indigo (Zolee Griggs), irmã de Hamster, está envolvida com o mundo de traficantes de drogas, liderada por The Manager (Glenn Howerton).


O que se segue é hora e meia de um híbrido entre animação neon e um filme de acção de série-B, onde Mangianiello está à frente ao centro da sua redenção, perseguido pelas aventuras que lhe atormentam e do seu arqui-inimigo, na forma de Cleo (Amy Seimetz). Ainda que dois terços do filme rondam a vida de Max e a sua vinda até ao planeta Terra, há um certo charme na sua atitude, que o torna minimamente interessante, demonstrando o talento de Mangianiello como protagonista e possível herói de acção, podendo ser algo reconhecido para além do seu trabalho em True Blood, Magic Mike e Deathstroke na nova versão de Liga da Justiça. Por outro lado, são excelentes sidekicks, mas a maioria do seu potencial é inexplorada. Mesmo os ditos vilões deste filme são incapazes de se fazerem destacar que os outros demais, optando pelo jogo seguro.

O que Archenemy tem de positivo é na forma nua e crua como assume o seu DNA, mesmo com todas as suas falhas, por mais bizarro que alguns dos seus conceitos possam ser, ao qual teria sido bom ver mais momentos da animação e passado mais tempo a conhecer Chromium e a vida de Max por lá, invés da sua miséria no nosso planeta, com uma narrativa reduzida a pouco mais que um filme de acção tradicional.


Com isto, Archenemy é mais um passo interessante na carreira de Adam Egypt Mortimer e a sua colaboração com a Spectrevision, que tem trazido algumas propostas que valem a pena estar atentos. Dividido entre inovar com os seus conceitos mais cientifico e fiar-se na brutalidade da acção, a sua hesitação traduz-se num filme mediano, mas decente o suficiente para entreter.

Nota Final: 3/5

2 de janeiro de 2021

Fatman | Missão Vingança (2020)

O Natal sempre foi uma época estranha para o cinema de acção. Afinal, as eternas discussões sobre se Assalto ao Arranha-Céus é, ou não, um filme festivo; ou se Shane Black tem uma panca por esta altura do ano, tendem dominar as festas com aqueles amigos mais cinéfilos. Acontece que a dulpa de realizadores e argumentistas Eshom e Ian Nelms têm outros planos para celebrar o Natal, com Missão Vingança, uma tradução bizarra do título original, Fatman.

Chris (Mel Gibson) é, sem sombra de dúvida, o Pai Natal, cujo trabalho anual envolve gerir toda uma operação logística com a sua mulher, Ruth (Marianne Jean-Baptiste) e entregar prendas no sapatinho às crianças boas e pedras de carvão às crianças menos boas. Infelizmente, o pequeno gangster Billy Wenan (Chance Hurstfield), não achou muita piada à prenda que tinha tanto de original como de utilidade para uma criança e decide recorrer aos serviços de Skinny Man (Walton Goggins), um assasino contratado, para matar Chris.

Se em papel isto tudo soa a uma ideia relativamente interessante, é porque de facto o contexto do qual motiva toda esta narrativa quase roça o génio, sobretudo num mundo repleto de crianças mimadas, produtos de hereditária e meio ambiente, naquilo que chamamos vida real. Seja como for, a experiência proporcionada tinha tudo para dar certo, até poder surpreender na sua abordagem. No entanto, o que fica, é apenas um filme de série-B algo sólido na execução.

A ideia de manter a piada dentro de um universo realista é talvez um dos pontos mais imperativos que Missão Vingança tem, jamais caindo inteiramente na paródia de si mesmo, algo que seria muito fácil de fazer. Invés disso, existe um verdadeiro filme de acção onde as circunstâncias atenuantes das suas personagens principais, quase só servem de pano de fundo, mas que são aproveitadas para oferecer um factor diferenciador dentro do género; tudo sem ser estúpido ou levar-se demasiado a sério.

Enquanto que o seu pouco charme pode pôr o filme de lado como O filme de Natal para se ver todos os anos, a verdade é que pais por todo o mundo estarão certamente contentes por finalmente terem um herói da qual podem admirar. Mesmo que esse herói em tempos possa ter dito e feito algumas coisas condenáveis em Hollywood e que está desde então em busca de redenção. Mas essa conversa, creio eu mencionada anteriormente em Na Sombra da Lei, terá que fica novamente para outra altura.

Assim, Missão Vingança não ficará marcado como um clássico, mas ganha por ser um filme minimamente divertido, nas partes que realmente contam.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 2 de Janeiro de 2021.