28 de fevereiro de 2021

The Kid Detective | O Miúdo Detective (2020)


Numa altura em que aparenta ser necessário renovar as ideias de velhos géneros, oferecendo-lhes algo de novo em troca de algum tipo de inovação, eis que aparece O Miúdo Detective, uma espécie de filme-noir, com uma narrativa tirada das páginas das velhas revistas para rapazes; numa obra escrita e realizada por Evan Morgan.

Abe Appebaum (Adam Brody) é um detective privado desde criança, resolvendo diversos crimes, mais ou menos bizarros mas localmente aceitáveis, como o roubo de uma cápsula temporal de um jardim, à caixa-forte da quermesse escolar. As coisas tomaram um menos mais obscuro quando Abe é incapaz de resolver o desaparecimento da sua amiga de infância Gracie, abatendo a confiança nas suas habilidades naturais. Agora com 32 anos, Abe conhece Caroline (Sophie Nélisse), uma rapariga que recorre ao detective privado, para lhe ajudar a resolver o homicídio do seu namorado Patrick.


No que se segue é uma investigação que pode ir parar literalmente a qualquer lado, enquanto é feita uma introspecção pessoal dos valores de Abe e naquilo que se tornou. Antes um detective celebrado, agora Abe é um homem perdido numa vida sem planos nem direcção, à espera de melhores dias e muito da sua esperança prende-se na forma em como este caso será desenvolvido, com reviravoltas bastante estranhas de processar.

Juntando alguns dos elementos dos clássicos noir, é notória a falta de fidelidade em como presta homenagem daquilo de que se inspira, atirando para lá vários momentos cómicos hilariantes, com um humor seco mas muito honesto nos sentimentos que transparece; traçando paralelismos com a reputação de Sherlock Holmes ou Poirot. Felizmente, é na sua estranheza que O Miúdo Detective encontra a sua verdadeira personalidade, onde Morgan não receia em deixar que a narrativa impeça de ir pelos caminhos mais cliché, subvertendo muitos desse pontos.


A contribuir muito para isso está Brody, um actor que muitos viram crescer no pequeno e no grande ecrã, desde papeis mais cómicos em Gilmore Girls e O.C. - Na Terra Dos Ricos a outros mais ousados, como em O Corpo de Jennifer ou no mais recente Uma Miúda com Potencial; encontrando-se aqui num dos papéis que deverá estar mais orgulhoso e ser relembrado pelo público, de tão fascinante que é.

Assim, O Miúdo Detective mostra-nos um lado muito diferente do que é expectável de um mistério, com uma abordagem pouco usual mas assumidamente curiosa e divertida, sem qualquer tipo de remorsos.

Nota Final: 8/10

6 de fevereiro de 2021

Malcolm & Marie (2021)


Euphoria foi uma das grandes surpresas de 2019, uma série criada por Sam Levinson, mostrando um pedaço da vida mais íntima dos adolescentes, repleto de sexo, drogas e egos.

Com uma segunda temporada muito aguardada, a pandemia não permitiu que as gravações fossem para à frente, tendo sido gravados dois episódios especiais focado em duas das personagens. Mas Levinson tinha outro projecto em mente, um combinado com Zendaya e John David Washington, este último sem saber exactamente o que fazer após o protagonismo em Tenet. Escrito em seis dias e gravado em cerca de duas semanas em 35mm a preto e branco, Malcolm & Marie chega à Netflix.


Depois da estreia do seu último filme, Malcolm (Washington) e Marie (Zendaya) regressam a casa, celebrando o feito. Mas quando vem ao de cima que Malcolm se esqueceu de agradecer à sua amada, inicia-se uma discussão de proporções épicas, reflectindo no conceito de cinema, inspiração, e o significado do amor.

Só o facto de estar a escrever uma crítica deste filme deixa-me pessoalmente em dúvida; existindo uma forte crítica vinda de Malcolm, queixando-se que a eterna busca de um significado não intencional nas obras dos seus criadores deixam-no zangado. É um sentimento expresso frequentemente, sendo um catalisador.

A forma que a narrativa está construída e encarada, de uma forma teatral, cruzado com os muitos enquadramentos pessoais destas duas personagens, são uma demonstração do núcleo do ser humano; neste caso entre duas pessoas que, acima de tudo, se amam. Como qualquer relação que valha, está repleta de altos e baixos, com muito amor e muito ódio. Não entre eles como pessoas, mas como a versões deles próprios naquele momento; ao qual a banda sonora garante não deixar nada por dizer, às vezes escalando a gravidade da discussão.


Para um filme baseado em duas pessoas e os seus sentimentos, as coisas podem ser muito bonitas, como incrivelmente feias. enquanto conhecemos um pouco das suas vidas e as suas guerras pessoais, sem conter qualquer tipo de intensidade, que ocasionalmente acertam como socos na barriga. Mas também está cheio de momentos de riso constante, seja do reconhecimento de referências do mundo real; que quando ditas em voz alta, soam altamente absurdas. Os diálogos também sabem ser dolorosos, ao ponto de sentirmos uma emoção muito série de ódio no seu discurso.

Numa nota mais pessoal, Malcolm e Marie somos, de alguma forma, nós ali encarados. Os nossos problemas, as nossas reacções, nem sempre racionais, perante a injustiça que achamos que o mundo nos criou. Não havia dupla mais relevante que Zendaya e John David Washington, ambos talentos emergentes, que possa ter feito melhor trabalho. Estes são, como picardia do filme, uma tour-de-force imparável. Possivelmente.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 6 de Fevereiro de 2021.