29 de dezembro de 2018

Skate Kitchen (2018)


Quando Crystal Moselle quis abordar o cinema de outra forma, depois de ter feito o bem-recebido documentário The Wolfpack, a mesma encontrou a inspiração necessária quando realizou a curta-metragem The One Day para a marca de roupa Miu Miu, com um grupo feminino de skate, The Skate Kitchen. A combinação das duas forças motivaram Moselle a realizar o seu primeiro filme com uma narrativa preparada, mas a sua experiência prévia provou que Skate Kitchen iria ser um filme mais próximo de si.

Acompanhamos a vida de Camille (Rachelle Vinberg), uma skater introvertida que vai até Nova Iorque onde conhece um grupo de raparigas skaters, fazendo uma amizade próxima com elas. As suas decisões de vida infelizmente trazem-lhe transtornos, entre discussões com a sua mãe e uma paixoneta por Devon (Jaden Smith), um rapaz que conheceu no parque de skate.


É dum feito incrível a naturalidade que Moselle dá a Skate Kitchen, onde podemos apanhar um bocadinho do que é certamente o dia-a-dia para este grupo unido de raparigas, com o filme a esquecer-se com muita frequência que é uma ficção e aventurando-se pelo pseudo-documentário. Não podemos neste caso considerar isso um defeito, pelo contrário, é a química orgânica entre as diversas personagens e o seu talento de andar em cima dum skate que dá um nível de autenticidade que muitos poucos filmes do género são capazes.

Enquanto que a mensagem de amizade num ambiente rebelde é retratado de forma casual, existe uma leveza em ouvir um grupo de raparigas falar sobre as coisas normais da adolescência, como o período, o sexo e a busca da identidade própria, temas que tendem ter algum tipo de estigma associado, noutros contextos. É quase poético estarmos no banco de trás a assistir à vida de Camille e como ela e todas as personagens reagem entre elas neste mundo do skate, que nos sentimos que estamos exactamente onde Moselle nos quer, a respirar a adolescência moderna, capaz de fugir dos problemas dos adultos sobre uma prancha com quatro rodas.


Por outro lado, as coisas ficam menos positivas a partir do momento em que o foco muda para a inclusão dos rapazes e mais tarde na Camille e a sua relação com Devon, acabando por cair no erro de ser tornar ligeiramente banal, ainda que queira explorar o aspecto do amor jovem. É curioso como o tom muda drasticamente a partir do momento em que os rapazes têm um destaque maior e como de repente uma história sobre girl-power se torna desinteressante por causa disso.

Assim, Skate Kitchen vai de encontro em ser um pouco mais que apenas um coming-of-age tradicional, optando por preferir retratar num contexto narrativo a vida (quase) real das verdadeiras skaters que em muito pouco tempo ganharam a atenção do mundo. Crystal Moselle tem um enorme potencial e um método que pode não funcionar noutros enredos, mas com a oportunidade certa, a realizadora é capaz de contar algo tanto memorável.

Nota Final: 3.5/5

27 de dezembro de 2018

Bird Box | Às Cegas (2018)


A Netflix, na sua missão de lançar diversos filmes e séries que acabam por se tornarem sensação entre os seus subscritores, lança agora um filme pela realizadora dinamarquesa Susanne Bier. Mais conhecida pelo seu brilhante trabalho na mini-série O Gerente da Noite, Bier traz novamente uma experiência única, ao qual se junta a veterana Sandra Bullock, em Bird Box.

Passado num futuro próximo, esta história pós-apocalíptica inspirada pelo livro com autoria de Josh Malerman conta a história de Malorie (Bullock), uma mulher grávida que se vê numa situação complicada quando entidades paranormais invisíveis invadem o mundo, tomando a forma dos piores medos da pessoas e forçando-as a cometerem suicídio, sendo que a única forma de sobreviver é fechar os olhos.


Num ambiente sombrio, Malorie refugia-se numa casa com outras pessoas, entre as quais Tom (Trevante Rhodes), Douglas (John Malkovich) e Olympia (Danielle Macdonald), a sobreviverem juntos. Adicionalmente, Olympia também está grávida, acabando ela por ser alguém que Malorie se poderá relacionar. Isto até que conhecem Gary (Tom Hollander), um homem em fuga dum gang que parece ser imune ao destino criado pelas criaturas.

Contado no passado e no presente, 5 anos depois dos acontecimentos, Bird Box mostra-nos como Malorie está a tomar conta de duas crianças, ao qual ela chama apenas Boy e Girl, a caminho dum acampamento onde possam viver seguramente, mas sem antes passarem por diversos obstáculos, onde um erro pode ditar a vida ou a morte.


Bastam cinco minutos para percebermos exactamente qual será o ritmo do filme, com um sentido de urgência apurado, algo que vai sendo consistente durante a hora e meia de filme. Não existindo propriamente uma explicação lógica da aparição das criaturas fatais, aceitamos com alguma facilidade a forma que as personagens terão que lidar com elas, numa descoberta que é feita ao mesmo tempo com o espectador.

A criação de suspense é mais impactada pelo facto destas criaturas serem apenas sombras e saliências no ar, cujas apenas vemos uma amostra via terceiros como câmaras de vigilância e sensores dum automóvel, nunca o encarando frente-a-frente. É com certeza uma abordagem diferente, mas nunca deixa na dúvida a veracidade da sua existência.

Por outro lado, as regras estabelecidas para a reacção perante tais entidades parece ser individual, sem que as suas vítimas se tornem um perigo para outros. Isto fora os psicopatas fugitivos duma prisão psiquiátrica que não são afectados, cujo objectivo é continuar o seu reino de caos. É uma reviravolta interessante, já que os que são criminalmente loucos conseguem viver mesmo vendo o seu pior medo e não serem levados ao suicídio, como as outras pessoas.


É impossível não comparar certos aspectos de Bird Box a outro grande hit de terror deste ano, Um Lugar Silencioso, sobretudo no que toca a criaturas que exploram o poder dos sentidos humanos. Mas é indo em direcção ao perigo onde Bird Box se destaca mais, com Susanne Bier a agarrar a frieza da cinematografia dinamarquesa e a aplicá-la num contexto mais Hollywoodesco.

Assim, Bird Box é uma aventura meio futurista que cria situações aterradoras e de grande adrenalina, que nos deixa à beira do assento a sofrer de ansiedade. Ainda que sejam raras as vezes que explora o enorme potencial que tem, quando o faz, é capaz de se sobressair grande parte das vezes, e com muita emoção.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 27 de Dezembro de 2018.

25 de dezembro de 2018

The Old Man & the Gun | O Cavalheiro com Arma (2018)


O que fazer no fim de uma carreira de 58 anos? Foi essa pergunta que Robert Redford, agora com 82 anos de idade, se questionou ao protagonizar no seu último filme antes da sua retirada final. Com o máximo criativo David Lowery, numa história verídica baseada dum criminoso simpático, eis que O Cavalheiro com Arma chega aos cinemas.

Redford é Forrest Tucker, um ladrão conhecido por um escape ousado da prisão de San Quentin no verão de 1979, com um pequeno barco construído à base de encerado, conseguindo manter-se em fuga durante vários anos. Forrest, apesar de todos os seus defeitos, tem uma necessidade de assaltar bancos. Mas fá-lo da forma menos violenta possível, que faz com que todas as suas testemunhas digam que até foi bastante cavalheiresco na abordagem.


Naturalmente, a idade vai pesando e a vida de Forrest e dos seus parceiros Teddy (Danny Glover) e Waller (Tom Waits) já não dá para aguentar a pressão das dezenas de assaltos feitos pelos Estados Unidos. Entretanto, Forrest conhece e apaixona-se por Jewel (Sissy Spacek), uma mulher que vive uma vida simples e pacata; enquanto que o mesmo é perseguido pelo detective John Hunt (Casey Affleck), que não descansa até o ter algemado.

David Lowery fez tudo para que este filme fosse especial, não sendo apenas mais um na longa carreira de Redford. Desde da utilização de película Super 16 mm nas rodagens, à produção altamente pensada para a época, O Cavalheiro com Arma parece um filme perdido algures entre os anos ’70 e ’80 e recentemente encontrado numa cave qualquer, vendo apenas agora a luz do dia. Esse esforço inato é altamente recompensado, já que todos os detalhes foram feitos para criar uma impressão duradoira.


A narrativa principal é capaz de homenagear na perfeição todos os filmes clássicos que o actor protagonizou durante a sua carreira, com o sub-enredo tradicional do polícia que quer apanhar o ladrão, nunca esquecendo o criminoso original que inspirou esta obra que nos ganha com a sua personalidade. De facto, Forrest é um homem que, para melhor ou pior, não consegue conter o facto que o que lhe faz realmente feliz é assaltar bancos, e fá-lo com o maior dos sorrisos na sua cara.

Assim, O Cavalheiro com Arma é sem dúvida a melhor forma de Robert Redford se reformar, com um filme que, em pouco mais de hora e meia, é capaz de condensar muitos dos pontos altos do seu talento, sendo ele definitivamente um dos melhores actores de sempre.

Obrigado Robert e até um dia.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 25 de Dezembro de 2018.

24 de dezembro de 2018

Mid90s (2018)


Jonah Hill, actor conhecido pelos seus papéis cómicos como Super Baldas, Agentes Secundários e Um Azar do Caraças estreia-se na realização com um coming-of-age diferente do se poderia esperar, com Mid90s.

Contado no tradicional formato televisivo em 4:3, Mid90s conta-nos a história de Stevie (Sunny Suljic), um rapaz de 13 anos à procura da sua adolescência. Em casa, é constantemente maltratado pelo seu irmão mais velho e a sua mãe solteira nada faz para resolver a situação. Um dia Stevie conhece um grupo de rapazes mais velhos, Ruben (Gio Galicia), Ray (Na-kel Smith), Fuckshit (Olan Prenatt) e Fourth Grade (Ryder McLaughlin). Todos eles são skaters, que sonham um dia viajarem pelo mundo a fazerem aquilo que mais gostam.


A relação que o mais novo cria com os mais velhos é de uma irmandade inseparável, onde cada um está constantemente a puxar o outro para cima e a incentivar o sucesso colectivo entre eles. Naturalmente, a influência que eles têm sobre Stevie nem sempre é a mais positiva, introduzindo-o ao mundo do álcool e das drogas, limitando-se à cerveja e à erva.

Assim,  a cidade de Los Angeles é explorada através das suas sub-culturas que foram, pouco a pouco, crescendo pela cidade, sendo ela já naquela altura havia uma grande mistura de várias culturas imigrantes a expandirem na cidade. A cidade também não esconde o seus defeitos, com uma grande população de sem abrigos, a lutarem diariamente pela sobrevivência.

Jonah Hill mostra-nos deste modo o que claramente parece ser o seu projecto de paixão, onde conseguiu enfiar o máximo número de referências musicais e de lifestyle possível, desde da banda sonora com temas de A Tribe Called Quest, a Mobb Deep, passando por The Smiths e The Pixies; tudo para recriar uma infância que acerta nos pontos que considera fulcrais.


Enquanto que existem diversas cenas que destacam o filme acima de outros, como a curta mas divertida cena com o segurança a mandar vir com os miúdos, ou quando Stevie parte a cabeça após uma tentativa falhada de fazer um truque por cima dum buraco, caindo; há uma temática principal levada pela amizade entre o grupo, que se mantém unido nos momentos mais difíceis. Claro que ás vezes discutem e chateiam-se uns com os outros, mas há uma verdadeira preocupação entre eles, que mesmo após uma tragédia, mantêm-se juntos até ao fim.

Mid90s não pode ser considerado o típico coming-of-age, com o seu senso de nostalgia bem controlado a modos de não ser um festim de referências culturais só porque sim. Hã um sentimento genuíno na criação desta obra por parte de Jonah Hill, algo que é grandemente apreciado pela sua sensibilidade cinematográfica, mostrando como eram os típicos Sábados à tarde daqueles jovens, esquecendo quase por completo todos os clichés que seriam esperados num filme do género.


No fim, resta-nos divertir com esta viagem emocional, que nos faz querer ter 13 anos outra vez, só para nos recordarmos de o que era uma vida mais simples, mesmo face a problemas relativamente maiores.

Nota Final: 4/5

23 de dezembro de 2018

Helter Skelter (Herutâ sukerutâ) (2012)


Não é novidade nenhuma que o Japão vive no que parece um mundo completamente à parte. Desde dos maneirismos locais, à cultura que lhe rodeia que tem uma forma muito própria na sua expressão, tudo aqui é única e exclusivamente produto de uma grande criatividade.

Também não é segredo que outros países asiáticos para além do Japão, como a Coreia do Sul, existe um grande negócio à volta do incentivo de jovens a recorrerem à cirurgia plástica, para se parecerem como as suas "idols" favoritas, onde a perfeição corporal é vista como um requerimento para subir na vida.


O segundo filme de Mika Ninagawa, Helter Skelter (Herutâ sukerutâ), conta a história de Lilico (Erika Sawajiri), uma modelo cuja beleza a elevou a um estatuto de Deusa, aparecendo frequentemente em capas de todas as revistas de moda no Japão. Todas as raparigas querem ser como ela, mas o que não sabem é que por baixo da pele de Lilico, escondem segredos obscuros das suas intervenções cirúrgicas. Lilico é também insegura de si mesma, tendo a noção que não é nada sem a sua beleza exterior.

Baseado no manga de 1995 e escrito por Kyoko Okazaki, Helter Skelter mostra-nos, duma forma mais imaginária, os bastidores daqueles quem admiramos, pondo de lado uma vida de glamour por incertezas emocionais.


Durante as duas horas de filme, Ninagawa mostra-nos o que será o cinema mais bonito que alguma vez veremos, com cores fortes, uma direcção de fotografia muito bem pensada e um ambiente que nos cativa como poucos. Todos os enquadramentos, sem excepção, parecem saídos das páginas das revistas que Lilico está, também por causa das incríveis escolhas de guarda-roupa. 

Enquanto que a narrativa tende ser mais básica do que gostaríamos, entre uma investigação à clínica cirurgia com métodos duvidosos, ao drama que é a vida de Lilico, que eventualmente cai sobre uma rivalidade com uma modelo que é capaz de fazer dela obsoleta, isto acaba por dar a ideia de que é tudo grande sonho, que na verdade não passa duma realidade distorcida.


Infelizmente, a experiência vale pela mostra da futilidade do mundo da moda, sobretudo numa altura as redes sociais se enchem com mensagens de body positivity. Ao vermos como Lilico vive e trata os outros, enquanto está a passar por um momento capaz de arruinar a sua carreira, não existe grande motivação para torcermos por ela, até que a loucura leve a melhor de si e da sua beleza.

Assim, Helter Skelter tem uma premissa algo interessante, que infelizmente se vai perdendo ao longo do filme, apoiado por visuais espectaculares que realmente fazem dele uma obra que serve de muita inspiração e pouco mais.

Nota Final: 3/5

22 de dezembro de 2018

Under The Silver Lake | O Mistério de Silver Lake (2018)


Quando David Robert Mitchell reinventou o cinema de terror em 2013, com Vai Seguir-te, pouco sabíamos o que o cineasta tinha em mente. Sendo o filme ainda actualmente falado por fãs do género, o mesmo decidiu pôr à prova o seu talento de fazer um filme noir num tempo moderno, e eis 4 anos depois temos a sua mais recente trabalho, O Mistério de Silver Lake.

Los Angeles, a chamada Cidade dos Anjos. É também a cidade onde os sonhos, a futilidade e as teorias de conspiração vêm ganhar vida, onde literalmente tudo pode acontecer sem ninguém estranhar. Conhecemos Sam (Andrew Garfield), um rapaz inteligente mas que não encontra nenhum propósito na vida, isto até conhecer Sarah (Riley Keough), uma misteriosa rapariga que deixa Sam apaixonado, mas que desaparece sem rasto.


Numa missão em busca de saber onde está Sarah, Sam vê-se numa aventura que jamais irá esquecer, com mil e um detalhes que lhe passam ao lado e personagens estranhas que só poderia encontrar nesta terra de sonhos.

David Robert Mitchell agarra novamente na ideia da alegoria e aplica-a numa narrativa que tem paralelismos daquilo que conhecemos sobre a vida em Hollywood, onde todos querem ser alguém a todo o custo. Não há nada que este filme não aborde, desde da religião, à cultura pop e a sua influência sobre os consumidores comuns, que não têm noção que os seus sentimentos são fabricados por poderes superiores, numa base ideológica que bem poderia ter sido imaginada por George Orwell.

É com zero receio que o filme vai aos limites mais estranhos do cinema, com uma estrutura narrativa onde tudo tem uma razão de ser, nunca tendo medo em utilizar a loucura para justificar a sua lógica, ou falta dela, trazendo ao de cima um profundo sentimento de descoberta e curiosidade. São muitos poucos os filmes com a capacidade de deixar o espectador intrigado e uma necessidade desesperante em ver o que vai acontecer a seguir, mas O Mistério de Silver Lake voa muito mais longe daquilo que poderíamos imaginar.


É com uma cinematografia incrível ao qual somos brindados por toda esta viagem, onde cada enquadramento tem detalhes suficientes para garantir futuros visionamentos à procura de outras pistas que possamos ter perdido pelo caminho; ao qual se junta mais uma fantástica banda sonora por Disasterpiece, que faz novamente um excelente trabalho após ter trabalhado em Vai Seguir-te. Nisto, todo o ambiente noir que faz este mistério memorável, é criado somente pela sua capacidade de cativar a nossa atenção não dividida, e recompensar-nos por isso, com um dos melhores filmes do ano.

É curioso ver como David Robert Mitchell traz de volta o seu primeiro filme, The Myth of The American Sleepover, neste novo contexto. Não deixa de ser interessante esta introspectiva por parte do criador deste mesmo universo, deixando no ar se ele próprio é uma vítima do seu sucesso e, subsequentemente, das teias de Hollywood.

Por outro lado, Andrew Garfield deixou de ser o aracnídeo favorito de toda a gente para ser o anti-rapaz-dos-sonhos das raparigas. Com ele estão outras personagens relativamente bizarras, com guarda-roupas a condizer às suas personalidades fúteis, que apenas mostram o seu objectivo em serem as próximas estrelas no Passeio da Fama.


Com isto, O Mistério de Silver Lake é um filme que vale muito pela experiência que proporciona, quase aos níveis de vermos pela primeira vez O Grande Lebowski ou, na ponta oposta do espectro, Matrix. Certamente é um filme que implora ser visto múltiplas vezes, para procurarmos todos os símbolos escondidos nele. Ou afinal é tudo uma grande charada, que vai em conta tudo aquilo que o filme representa, provando que estamos mais obcecados por encontrar o significado da vida, invés vivê-la ao máximo dentro das nossas humildes possibilidades. É assim que David Robert Mitchell eleva a fasquia, dando mais um passo em frente em direcção de garantir ser um dos melhores cineastas do século XXI com o que será sem dúvida um filme de culto.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 22 de Dezembro de 2018.

Saw | Saw - Enigma Mortal (2004)


Quando James Wan e Leigh Whannell, dois amigos que se conheceram na escola de cinema e se juntaram para fazer um projecto após a sua conclusão, pouco saberiam que iriam criar um fenómeno que iria, de certa forma, mudar o cinema de terror moderno pós-2000, numa altura em que o género ainda estava à procura de algo novo e deixar de lado as suas influência da década passada. 

Inspirados pelo conceito low-budget d'O Projecto Blair Witch, ambos foram em rumo a Los Angeles, com uma curta-metragem como uma amostra da sua ideia principal, baseado no que eventualmente seria a icónica cena da armadilha de urso em Saw - Enigma Mortal. Com um estúdio interessado em produzir a longa-metragem do duo, o resto é história e jamais fomos os mesmos.


Saw conta a história de Adam (Leigh Whannell) e Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes), dois homens que acordam encurralados numa casa de banho a cair de podre, acorrentados em cantos opostos. Entre eles está um homem que aparenta ter cometido suicídio. A dada altura, estes encontram gravações numa cassete de audio onde se houve uma voz que os desafia para um jogo, a modos destas vítimas apreciarem melhor a sua vida.

É nestes modos que Saw acaba por misturar, e bem, dois géneros que anteriormente eram altamente erráticas: o terror e o thriller. Enquanto que o lado thriller continua a ir buscar muitas das coisas bem feitas nos anos '90, é o mistério aquele que vem do sucesso doutros filmes que ao virar do milénio foram mudando perspectivas sobre o novo contar de histórias no cinema. 
M. Night Shyamalan mostrou o poder dum plot twist final, capaz de dar um soco bem dado num espectador, Identidade Misteriosa de James Mangold fez bom uso da ilusão cinematográfica no que toca a finais surpreendentes. Mas foi David Fincher e o seu filme de 1995,  Seven - Sete Pecados Mortais, que possivelmente mais inspirou o lado torture-porn de Saw, onde ver corpos mutilados era considerado ser mais radical.


Em todo o caso, Saw vai estabelecendo uma fórmula onde a história principal vai sendo explicada por flashbacks que largam algumas pistas para percebermos quem são estas personagens encurraladas e porque foram escolhidas, numa premissa que parece demasiado simples para ser verdade, revelando ter alguns truques extra nas mangas.

Por vezes vamos sendo distraídos por uma extensão nos sub-plots, que acabam por mostrarem ser algo para preparar o desventamento chocante do finale, indo ao objectivo do seu vilão: Mostrar às pessoas que deveriam das graças ás suas vidas, enquanto uns têm o tempo contado.


No fim, Saw - Enigma Mortal é longe de ser uma obra-prima, mas é certamente um filme cuja importância história dentro do cinema é obrigatório referir, como também a sua influência na modernização do cinema de terror e a mostra mais gráfica de sangue e gore.

Nota Final: 3/5

19 de dezembro de 2018

Bumblebee (2018)


Após 11 anos de filmes do franchise dos Transformers eis que aparece Travis Knight para dar um novo rumo com uma prequela a contar a história daquele que começou tudo e o que é considerado o mais querido entre fãs: Bumblebee.

Passado nos anos '80, Bumblebee acompanha o jovem Transformer na sua fuga para o planeta Terra, onde conhece Charlie (Hailee Steinfeld), uma humana que o acarinha enquanto este tenta defender o planeta dos eternos inimigos, os Decepticons.

Na chegada ao planeta, Bee não foi bem recebido pelos humanos, já que a sua entrada brusca feriu dezenas de agentes, incluindo o Agent Burns (John Cena), que fez da sua vida procurar a criatura alienígena.

Agora um clássico Volkswagen Beetle, a condizer na sua forma mais conhecida pelos fãs da saga original, Bee entra nesta aventura, fazendo amigos e lutando até ao fim para defender aqueles que o ajudam.


Enquanto que o filme começa imediatamente em Cybertron, planeta habitante dos Transformers, vemos o que é o meio de uma guerra entre eles e os Decepticons, cuja toda a história é abordada nos outros vários filmes do franchise em exaustão. Mas aqui estamos perante uma tentativa por parte de Travis Knight em criar uma história mais familiar, numa mistura entre E.T. - O Extra-Terrestre ou O Gigante de Ferro.

Quase todo o filme é mostrado como se fosse escrito para um filme de animação, possivelmente porque Knight realizou o fantástico Kubo e as Duas Cordas; excepto que prosseguiu para ser algo inteiramente live-action, entre as lutas de robôs (que felizmente são poucas), à forma que as personagens interagem entre si e com Bee, este alien vindo de um planeta longínquo.


Charlie, esta jovem ainda em luto pela morte do pai, adiciona uma dimensão muito necessária à personagem principal, sendo ela a única com essa profundidade historial, já que as restantes apenas servem para distrair com sub-plots desnecessários. Mesmo o Agent Burns, um homem cuja vingança se assimila a uma à lá Exterminador Implacável, não passa de apenas um soldado cujos sentimentos foram mal repartidos. Dito isto, ver John Cena ao lado de Arnold Schwarzenegger era capaz de ser a dupla mais interessante no cinema neste momento...

Dizer que este filme é o melhor do franchise desde o primeiro, lançado inicialmente em 2007, é verídico, mas também não é muito difícil chegar a essa fasquia após termos passado quase uma década de dinossauros, uma viagem medieval, entre outras coisas relativamente divertidas. Mas é igualmente difícil dar mérito a um filme que imita de forma conservadora Michael Bay, pondo de lado as exuberâncias associadas ao realizador, tirando também a objectivação feminina e não ser um grande anúncio de quase três horas.


Sendo assim, é importante notar que existem momentos altamente divertidos em Bumblebee, sobretudo na ligação entre Charlie e Bee, uma muito mais calma e sentimental do que quando este conheceu Sam Witwicky anos mais tarde. Aliás, é bem possível dizer que esta é a história em como Bee aprendeu a falar pelo auto-rádio, sendo essa a conclusão principal da película, deixando em aberto a possibilidade de vermos mais sequelas das prequelas em breve.

Bumblebee é, sem dúvida, um filme que entretém quando se mantém focado no seu objectivo de ser o primeiro Transformer na Terra e todas as consequências inerentes disso; ao qual se juntam personagens mais ou menos interessantes. A única coisa que não podemos realmente nos queixar é da brilhante banda sonora, que incluem temas clássicos dos Bon Jovi e The Smiths. Podia ter sido um filme melhor com personagens mais trabalhadas, mas no fim isto é apenas o inicio de uma nova era. Uma que espero que corra mais riscos inteligentes, para não cair novamente no universo do absurdo.

Nota Final: 3/5




Originalmente publicado em Cinema à Rolha a 19 de Dezembro de 2019.

Sauvages | Selvagens (2018)


Dennis Berry tem um currículo vasto no cargo de realizador, com vários episódios da clássica série Highlander – Os Imortais, um dos franchises mais subvalorizados do anos ’90; à mini-série baseada na vida de Mata Hari, lançada no inicio de 2017. Desta vez o realizador norte-americano envereda por um caminho algo diferente, em Selvagens.

Produzido pelo português Paulo Branco, Selvagens conta a história de Nora (Nadia Tereszkiewicz), uma rapariga francesa, perdida à espera de Léa (Catarina Wallenstein), artista neo-punk e fã, que lhe enviou cartas enquanto estava na prisão. Quando as duas se conhecem, nada poderia prever o choque emocional, criando uma relação de amor e inspiração permanente entre elas, mudando as suas vidas para sempre.


Com uma narrativa contada de forma mais artística e poética, segmentado pelos sentimentos amorosos e platónicos entre Nora e Léa, acompanhamos duas jovens que alimentam as energias uma da outra, onde Berry, limitando o espaço a apenas a uma casa e pouco mais arredor, cria uma sensação de isolamento que deixa-nos focar no drama e nas suas consequências.

É intrigante como também o baixo número de personagens que conhecemos, ao qual se juntam os rapazes Nino (João Nunes Monteiro) e Léo (Hugo Fernandes), estamos perante uma história baseada nos sentidos humanos e as complicadas relações entre eles, culminando num filme que por vezes se mostra inconsistente em função daquilo que quer provocar ao espectador. Tudo acaba por ter nuances das suas clássicas influências, remetentes do cinema francês dos anos ’60, com o natural toque moderno, onde existem alguns visuais curiosos.


Por outro lado, existem alguns factores que deixa o filme sem charme, sobretudo durante momentos mais musicais, que podiam ser encurtados. Da mesma forma temos um filme que se deixa levar pelas suas emoções e, consequentemente, impulsos constrangedores. Selvagens acaba por criar distância com o espectador, causando frieza. Propositado ou não, não deixamos de sentir que essa seja uma distância de segurança, reduzindo o investimento emocional para com as personagens.

No final, os visuais não conseguem ser suficientes para dar vida a este amor que quer mostrar a ousadia em encontrar uma alma gémea, deixando para trás uma história que não se consegue construir nas suas decisões, levando-se de corpo e alma mais além do que gostaríamos de ver. Ainda que Catarina Wallenstein e Nadia Tereszkiewicz façam um par que reflecte nos sentimentos que têm uma pela outra.

O resto, fica aquém daquilo que merece.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 19 de Dezembro de 2018.

16 de dezembro de 2018

You're Next | Tu És o Próximo (2011)


O inicio desta década fora uma altura de mudanças dentro do género de terror, com cineastas a ambicionarem contar narrativas mais inteligentes, como também redefinirem certos aspectos das fórmulas utilizadas para as histórias que ganham vida no ecrã. Dois dos mais importantes impulsionadores são Adam Wingard e Simon Barrett, que juntos são uma força imparável. Uma das obras-primas do duo é Tu És o Próximo.

Agarrando na tradicional fórmula do sub-género de home invasion, Wingard e Barrett contam a história de uma família altamente disfuncional, que se reúne para um jantar muito especial, numa casa isolada no meio da floresta. Por perto estão vários agressores, que não irão parar até todos os membros estiverem mortos, num caso que parece ser mais que aleatório.


Em primeiro lugar, importa destacar que este filme é marcado pelo regresso de Barbara Crampton ao terror, após vários anos noutros projectos menos assustadores, ao qual se junta a australiana Sharni Vinson, como Erin, na sua estreia num filmes de terror, fomentando o seu lugar permanente como uma das mais importantes final girls do cinema de terror moderno.

O estilo visual de Wingard está presente neste filme, com as habituais shaky cams, que acompanham a acção de perto. O perigo é real, tal como as intenções dos assaltantes, que matam a sangue frio todos que lhes façam frentes, excepto que não estavam a contar que Erin fosse a rapariga capaz de acabar com eles um a um.


De muitas formas, Tu És o Próximo não apresenta nada de novo, já que invasões de casas são um assunto mais que abordado e feito duma maneira muito mais macabra, como por exemplo em 1997 e 2007, com Brincadeiras Perigosas de Michael Haneke. Mas Tu És o Próximo também é um monstro diferente, perfeitamente capaz de homenagear os clássicos filmes do qual se inspira, criando ao mesmo tempo um novo conceito da ideia de invadir uma casa, focando no underdog que os enfrenta.

Com um ambiente tenso, onde a qualquer momento o perigo espreita, há um grande sentimento de gozo em ver esta história a desenrolar, com uma personagem ao qual torcemos até ao último momento, num filme repleto de banhos de sangue e mortes mais ou menos macabras. Adam Wingard e Simon Barrett sabem e muito bem funcionar em conjunto, uma colaboração que conta com 6 anos, onde o duo rentabilizou o sucesso da sua reputação e 2014, lançaram outro grande filme, The Guest.


Sendo assim, não é de todo descabido chamar Tu És o Próximo a obra-prima que tem uma pequena legião de fãs, que admiram como Wingard e Barrett abriram novas portas ao slasher, que durante anos mais tarde permitiu que outros cineastas arriscassem mais na inovação de ideias baseadas em velhos truques. É por isso que, apesar das suas mínimas falhas de por vezes cair no cliché, pouco afectam a sua importância para o novo panorama na modernização do cinema de terror.

Nota Final: 3.5/5

12 de dezembro de 2018

The Clovehitch Killer | O Assassino de Clovehitch (2018)


Existe uma fórmula que muitos filmes de terror utilizam para maximizar o impacto que o seu antagonista, seja ele personificado ou não, tem perante os ditos bons da fita. Mas o que acontece quando essa mesma fórmula é utilizada noutros moldes, onde a revelação do antagonista acaba por dar azo a uma situação mais real ao que se está habituado? Esta é a pergunta que o realizador Duncan Skiles e o argumentista Christopher Ford fazem em O Assassino de Clovehitch.

Vivendo numa pequena vila pacata, onde o estilo de vida é dominado entre os habitantes pelo cristianismo, conhecemos Tyler (Charlie Plummer) e Don (Dylan McDermott), pai e filho, que fazem parte do grupo de escuteiros locais. A certo dia, Tyler encontra provas que incriminam o seu pai nos crimes do assassino de Clovehitch, criando assim uma tensão irreparável entre eles.


Confrontado com o material que muda o mundo de Tyler, este recorre a Kassi (Madisen Beaty), uma rapariga ateia, com uma visão oposta da comunidade onde vive, que aceita ajudar o rapaz a resolver este caso e confirmar ou desmentir o envolvimento do seu pai nas mortes perversas de inocentes.

Um dos aspectos mais incríveis é a ausência de sangue neste filme, apesar da sua narrativa violenta, nunca vemos nenhuma morte. O que o filme faz melhor é conjugar todas as nossas suspeitas e medos e aglomerar numa ansiedade emocional onde nunca sabemos bem o que vai acontecer e quando, deixando-nos à beira dos nossos assentos.


Mais incrível é Dylan McDermott, que encara o papel da sua vida, que após diversas participações em inúmeros filmes e séries, mostra a sua faceta como pai divertido mas secretamente mórbido. Sabemos muito cedo no filme onde a sua personagem encaixa nesta história, mas o mesmo deixa no ar várias dúvidas que nos incrédulos das suas verdadeiras intenções. Afinal, estamos habituados a este tipo de revelações no final da película. Mas O Assassino de Clovehitch é um monstro diferente.

Um dos pontos que mais divide as susceptibilidades é o clímax do filme, onde vemos primeiro os acontecimentos pelo lado de Don, e depois pelos olhos de Tyler. Uma decisão criativa que frequentemente serve apenas para adiar o inevitável parece inicialmente seguir o mesmo rumo que outros antecessores, mas rapidamente nos recompensa com um finale aterrador, digno da narrativa quer contar.


Cumprindo numa base que aparenta ser difícil no cinema de género, O Assassino de Clovehitch é um filme que utiliza a sua subversão do terror num ambiente novo, ou assim o faz parecer. Chocante é ele não ser baseado em factos reais, porque o medo é genuíno e poderia acontecer num bairro qualquer.

Nota Final: 3.5/5

Roma (2018)


Chegada a altura das nomeações para os grandes prémios, há um filme que parece se destacar como um dos grandes contendores: Roma.

O filme semi autobiográfico de Alfonso Cuarón tem sido bem recebido por muitos, mas o facto de ser uma produção do gigante de streaming Netflix faz com que outros fiquem de pé atrás sem reconhecer o seu verdadeiro valor.


Passado no México, entre 1970 e 1971, Cuarón conta a história de Cleo (Yalitza Aparicio), a governanta duma família de média classe média mexicana, numa altura em que o país estava a celebrar o Mundial de Futebol e mais tarde alcançou manchetes após um massacre na cidade do México.

Cleo toma conta dos vários filhos da família com quem vive, estando ela própria dentro do seio familiar. Vive uma vida relativamente simples, onde tem as suas tarefas diárias e uma vida privada. Tudo parece correr normalmente até ao dia em que ela descobre que está grávida dum rapaz que acaba por lhe abandonar, deixando-a numa situação complicada.


Mais uma vez Cuarón mostra-nos o lado mais artístico da vida, insistindo que cada enquadramento seja passível de uma fotografia que bem podia ter sido tirada durante esta época. Existe um enorme delicadeza na composição visual, ao qual este é reforçado ao estar em preto e branco, tornando coisas simples como cores, meramente irrelevantes.

Por outro lado, é Yalitza Aparicio que contribui para que tudo bata certo, enquanto a acompanhamos naquilo que será certamente uma das alturas mais frágeis da sua vida. Exibindo uma coragem particular, partilhamos todos os sentimentos íntimos das suas vivências, onde crescemos emocionalmente ao mesmo tempo que a sua personagem.

Durante pouco mais de duas horas, vivemos uma vida que não é nossa, onde desconhecidos se tornam rapidamente em pessoas com quem criamos uma preocupação genuína, algo que fazemos num estado vulnerável e de coração aberto. Não são muitos os filmes que têm a coragem de se apresentar deste modo, onde a experiência final vale toda a pena e mais alguma.


Do lado técnico, não só somos brindados com visuais deslumbrantes, como referido anteriormente, como também a todo um trabalho cuidado na sonoplastia, que elevam o visionamento a um nível que muitos cineastas não chegam com facilidade, mas que Cuarón o faz duma forma tão natural quanto respirar.

Porém, debaixo de um filme brilhante, está uma impressão menos feliz. Deixa-me triste saber que muitos irão perder diversos detalhes ao verem este filme num ecrã mais pequeno. Poderia-se dizer o mesmo sobre qualquer outro filme da Netflix, mas neste caso em particular existe uma experiência recompensadora, que é infinitamente melhor apreciada quando vista na grande tela do cinema. Estaria a mentir se não dissesse que me magoa saber que uma boa percentagem de espectadores irá ver esta belíssima obra no ecrã dum smartphone, num comboio a caminho do trabalho.


Roma é, estranhamente, um caso muito especial para a Netflix, ao ponto de darem um tratamento especial a Cuarón como um teste-piloto a futuros filmes de grandes autores, algo que tem sido fortemente discutido nos meios da especialidade, dividindo críticos. A conversa não irá ficar por aqui, já que a Netflix irá lançar no próximo ano o novo filme de Martin Scorsese, The Irishman, que também irá ser exibido em sala. Até lá, resta-nos apreciar esta viagem inesquecível.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 12 de Dezembro de 2018.

Look Away | Não Olhes (2018)


Nos últimos anos, a definição de cinema de terror tem sido um termo guarda-chuva, onde existem filmes que mais ou menos vão de encontro a um género que tem cativado diversos públicos diferentes.

É uma evolução bem-vinda, mas que muitos cineastas, numa tentativa de agradar a todos, acabam por trazer algo que não agrada nem a gregos nem a troianos. É o caso da mais recente obra do israelita Assaf Bernstein, Não Olhes.


Maria (India Eisley) é uma rapariga que não se está a integrar bem no espaço escolar. É praticamente invisível para muitos, excepto quando é vítima de bullying. O pai (Jason Issacs), cirurgião plástico, está mais preocupado nas aparências e a mãe (Mira Sorvino) não é mais que uma mulher submissa às ordens do seu marido.

Mas neste mundo, existe algo para além do reflexo do espelho. Algo que se parece a Maria mas capaz de bater o pé e dizer aquilo que Maria realmente pensa. É assim que ela, juntamente com esta entidade que se dá pelo nome Airam, prometem corrigir os males que as atormenta, em busca duma vida melhor.

Considerando o argumento algo caótico, é incrível como India Eisley foi capaz de se manter despercebida no grande ecrã, já que a jovem talento encara a dualidade das suas personagens quase na perfeição. Existe este equilíbrio central, onde todas as acções têm consequências minimamente plausíveis, ainda que muitas das vezes deixa-se ficar em modo passivo, criando momentos que acabam por se tornar menos inspirados do que aquilo que se gostaria de ver.


Tudo isto acontece devido a narrativa sombria, que leva demasiado a sério as suas próprias regras, mesmo quando existem momentos dúbios onde estas são quebradas em função de provar o quão longe o filme é capaz de ir. Infelizmente, fica frequentemente aquém das expectativas que o próprio parece querer passar.

Apesar de existirem diversas falhas no ritmo do filme, sobretudo na forma que o filme contém a compreensível raiva interior de Maria e Airam, há aqui boas ideias cujos conceitos funcionam bem. O problema surge na falta de se relacionar com o espectador o quanto antes, para que as suas acções vingativas tenham um impacto mais forte. Neste caso, é difícil torcermos por uma personagem com a qual não conseguimos simpatizar, mesmo tendo tudo para ganhar a nossa razão.


Assim, Não Olhes é passível de ser uma obra que aborda o conceito da dualidade de forma interessante, ainda que são poucas as vezes que o faz com qualidade, e é capaz de deixar um sabor amargo a quem procura um filme mais focado nas suas intenções.

Já agora, deve ser muito frustrante quando de repente o espelho deixa de colaborar com o nosso reflexo…

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 12 de Dezembro de 2018.