Em 1977, o mestre do terror Dario Argento mostrou ao mundo o que seria uma das suas obras mais amadas, Suspiria. Com cores vivas e uma banda sonora composta pela banda de prog-rock Goblin, esta acabaria por ser um filme de culto que inspirou centenas de filmes desde da sua estreia. Para melhor ou pior, estamos numa altura em que reboots, remakes ou re-whatever motivam a indústria cinematográfica, sendo que desta vez foi Luca Guadagnino e o seu parceiro criativo David Kajganich que ficaram responsáveis por fazer uma homenagem ao clássico filme de Argento, homenagem essa que, apesar de tudo, cria um certo tipo de expectativa à volta dele.
Dakota Johnson é Susie Bannion, uma rapariga de Ohio que se muda para um Berlim num estado caótico durante o chamado Outono Alemão. Susie faz uma audição na Markos Dance Academy, onde é aceite e faz furor junto às professoras da escola, que ficam impressionadas com o seu talento inato, sobretudo de Madame Blanc (Tilda Swinton) que a mantém próxima. Enquanto isto, as estudantes da escola estão a lidar com o desaparecimento de Patricia Hingle (Chloë Grace Moretz), uma bailarina paranóica que admite ao seu psiquiatra que acredita que a escola é controlada por um coven de bruxas, As Três Mães.
Antes de tudo, é preciso se dizer que esta nova versão de Suspiria está a algumas milhas do filme original, ao ponto de que todas e quaisquer comparações não seriam inteiramente justas. São filmes muito diferentes entre si, que começa nos visuais e estende-se até à mensagem que passa, sendo que a única semelhança que têm é a base da narrativa, que mesmo esta, é adaptada livremente neste novo filme. Dito isto, Suspiria é um filme complicado de se falar.
Começando pelo elenco, esse é fantástico, desde Johnson a encarar o protagonismo, cheia de movimento e um esplendor discreto, a mesma consegue de facto ser muito mais para além daquilo que vimos a actriz fazer até hoje; a Swinton, encarando três personagens distintas, mas focando-se em ser a directora criativa e preocupada com Susie e o que ela poderá trazer para o coven. Por outro lado, Swinton também é o psiquiatra alemão Dr. Josef Klemperer, mostrando o quão disposta está a ir na sua representação.
Do lado da narrativa, um dos pontos principais é o foco nas coreografias de dança, algo que o filme de Argento não tinha. Em várias instâncias damos por nós a ver um espectáculo de dança, com toques de terror, o que deixa uma impressão muito diferente do que esperada. Da mesma forma que Suspiria não tem qualquer receio em se mostrar como um filme bizarro, onde as cores esbatidas e os planos de câmara criam um ambiente obscuro, num crescendo de detalhes, que por fim culminam na derradeira cena final do filme.
Suspiria é tão visualmente brilhante e pensado ao pormenor criando uma abordagem orgânica, como se o espectador fosse um ser espiritual dentro do próprio filme testemunhando toda a acção. Sentirmos-nos como passivos no meio desta história deixando-nos sentir cada uma das suas armadilhas emocionais de forma mais forte e algo relativamente memorável.
Ele infelizmente mostra-se ser ligeiramente pretensioso nas suas intenções, muitas vezes passando a ideia de superioridade perante o filme original. Mas essa pretensão vem da ousadia de criar um mundo quasi-novo ao invés de uma modernização tradicional, onde as mensagens de maternidade e abuso de poder são aumentadas criando certamente algo que será centro de vários debates nos próximos tempos.
Assim, Suspiria vem numa fase onde por mais que estejamos fartos de ver novas versões de filmes passados, criamos uma expectativa muito específica daquilo que queremos ver. Neste caso, temos um filme que utiliza uma base comum mas que o eleva para outros tipos de alturas, concentrado em exibir outros ideais na sua própria forma. Desde da forma que vemos, interagimos e ouvimos esta obra de Luca Guadagnino, ao qual se junta uma interessante banda sonora de Thom Yorke dos Radiohead, no fim há um sentimento de realização em se experienciar Suspiria mas que acaba com um sabor agridoce na mente.
A esta altura ouvem-se rumores de novas adaptações dos restantes filmes da trilogia d'As Três Mães, neste caso Inferno (1980) e Mãe das Lágrimas: A Terceira Mãe (2007), o que não é surpreendente. Agora se é algo com que se possa concordar... É uma pergunta difícil que vai em conta ao seguinte: quantas vezes a mesma pessoa pode homenagear as obras de um mestre sem nunca cair na repetição?
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