26 de fevereiro de 2020

The Gentlemen | The Gentlemen - Senhores do Crime (2020)


No ano passado vimos um filme de Guy Ritchie, o seu remake disfuncional do Aladdin. Um resultado que deixou os fãs do realizador a torcer pelo seu regresso ao cinema de gangsters britânicos, do qual é tão e melhor conhecido. As preces foram ouvidas e eis que Ritchie regressa com The Gentlemen – Senhores do Crime, estando definitivamente de regresso ao cinema onde merece estar.

Mickey (Matthew McConaughey) é um barão de drogas leves, neste caso o seu império de cannabis é reconhecido pelos seus iguais. Mas Mickey quer se retirar da cena, e para isso está disposto a vender o seu império por um preço mais que justo. Pela boca de Fletcher (Hugh Grant), um paparazzi irritante, ouvimos uma versão da história que nos põe a par da situação, ao lado de Ray (Charlie Hunnam), o braço de Mickey, que tem que tomar uma decisão perante a chantagem que está sofrer.


Tal como nos anteriores filmes “clássicos de Guy Ritchie”, contamos com uma enorme variedade de intervenientes na história, com personagens como Rosalind (Michelle Dockery), Coach (Colin Farrell), Dry Eye (Henry Golding) e Matthew Berger (Jeremy Strong). Todos participam activamente numa narrativa repleta de caminhos cruzados e reviravoltas, que nos deixa a pensar se estamos a ouvir a história toda. Cada um conta com uma personalidade distinta, com os seus valores e maneirismos a ditarem como cada situação é resolvida, seja ela a bem ou a mal.

Foi há 20 anos que Snatch – Porcos e Diamantes estreou, e notamos que as duas décadas da evolução do cinema – junto aos outros tantos filmes que Ritchie realizou, entre os quais dois do universo de Sherlock Holmes – que este aprendeu muito com as experiências noutros géneros. Agora apresenta uma nova dimensão às suas histórias de gangsters, não só com as suas personagens a apresentarem traços emocionais mais profundos, como também o próprio rumo da narrativa, esta última parecendo menos aleatória e impulsiva do que já vimos anteriormente.


Tal como expectável, 99% dos diálogos presentes são – na sua própria forma – todo um lifestyle de frases citáveis. Muitos dos diálogos são ditos numa espécie de dialecto de humor seco britânico, que é tão típico quanto o chá das cinco, inclusive formas muito criativas de insultar alguém, venha ou não de um lugar de carinho.

Dito isto, The Gentlemen – Senhores do Crime irá apelar aos fãs do realizador, que incompreensivelmente demorou tanto tempo a voltar ao grande ecrã com um filme cujo sub-género foi o próprio que definiu e que mais ninguém conseguiu imitar até hoje, valendo a espera, em forma de um futuro clássico que certamente ainda estaremos a falar daqui a 20 anos.

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 9/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 26 de Fevereiro de 2020.

19 de fevereiro de 2020

Seberg | Seberg - Contra Todos os Inimigos (2019)


Entre os anos 50 e 70, através do FBI, o governo dos Estados Unidos da América conduziu uma série de investigações via meios frequentemente ilegais, sobretudo na base da manipulação e fabricação de provas bem como com a colocação de escutas, com o objectivo de desacreditar qualquer organização que pudesse opor o governo. Benedict Andrews aborda o tema através dos olhos de Jean Seberg, uma das figuras mais predominantes daquela altura que se viu no meio duma guerra entre os E.U.A. e o movimento das Panteras Negras.

Em Seberg – Contra Todos os Inimigos, conhecemos o que são os últimos anos da actriz Jean Seberg, interpretada por Kristen Stewart, após se ter tornado num alvo devido às suas associações com Hakim Jamal (Anthony Mackie), um homem com uma grande influência dentro do movimento das Panteras Negras. A vidas deles dão uma reviravolta, quando o FBI coloca-os sob vigilância. Cabe aos agentes Jack Soloman (Jack O’Connell) e Carl Kowalski (Vince Vaughn) supervisionar a relação dos dois, e utilizar essa informação contra eles, das piores formas possíveis.


Quem entra no cinema a pensar que está perante uma biografia sobre umas das esquecidas actrizes do velho Hollywood rapidamente depara-se com uma espécie de thriller sobre o próprio COINTELPRO e as graves consequências que foram causadas à sua custa. Sendo Seberg, apenas, alguém que sofreu danos colaterais. A sua fama e o seu dinheiro deram-lhe uma plataforma perigosa, e ser neutralizada a todo o custo era o objectivo imperativo do FBI, algo que testemunhamos num ponto de vista misógino e racista.

Se por um lado Kristen Stewart continua, e muito bem, a sua carreira ao mostrar que é muito para além da rapariga de Crepúsculo, um rótulo que parece lhe perseguir até hoje. O restante elenco de grande qualidade, entre eles Margaret Qualley e Zazie Beetz, apenas existe para efeitos ilustrativos, onde já os vimos noutras obras com intervenções mais interessantes.


A grande fraqueza de Seberg – Contra Todos os Inimigos é a sua falta de foco, dividido em desmascarar uma acção condenável do governo e retratar a vida de Jean Seberg durante este período tumultuoso da sua vida. Acaba por não ser muito bom a contar ambas as histórias, que certamente mereciam uma abordagem mais aprofundada, nem que fosse para suscitar a curiosidade das gerações mais novas e perceber como a história acaba sempre por se repetir.


Assim, Seberg – Contra Todos os Inimigos perde uma oportunidade de contar com convicção um dos momentos mais negligenciados da história dos E.U.A., acabando por ser frívolo na forma que retratas os acontecimentos, sendo Stewart quem carrega toda a carga dramática do filme, com o devido mérito.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 19 de Fevereiro de 2020.

16 de fevereiro de 2020

Fantasy Island | A Ilha da Fantasia (2020)


Nos anos ’80, a RTP exibia uma série de aventura, drama e comédia, onde em cada episódio contava o desenrolar de várias fantasias diferentes em episódios auto-contidos. A série teve direito a 152 episódios, mais dois filmes exibidos apenas em TV.

O produtor Jason Blum, conhecido pela sua produtora Blumhouse Productions, especialistas em maximizar os baixos orçamentos dos seus filmes de terror, juntamente com Jeff Wadlow (Verdade ou Consequência), estreiam agora nas salas um remake que aborda a clássica série de outra forma, em A Ilha da Fantasia.


Melanie (Lucy Hale), Elena (Maggie Q), Bradley (Ryan Hansen), Brax (Jimmy O. Yang) e Randall (Austin Stowell) são um grupo de estranhos, convidados para visitarem a Ilha da Fantasia, gerida pelo Mr. Roarke (Michael Peña), oferecendo a oportunidade dos seus visitantes concretizarem aquilo que mais desejam. A ilha contém algum tipo de poder desconhecido e sobrenatural, e por isso a regra principal é deixar que a fantasia faça o seu caminho natural, aconteça o que acontecer.

Enquanto no inicio somos maravilhados pelas incríveis vistas da natureza da ilha, existe um grande desconforto pela suspeita que as coisas não são aquilo que aparentam. Naturalmente, não seria um filme de terror se corresse tudo como estas personagens planearam aquilo que gostariam de viver; permitindo que, durante uma grande parte do filme, tenhamos algum tipo de variedade nas histórias que vemos, quase como se de uma antologia se tratasse.


Desde vinganças pessoais a segundas oportunidades e reencontros, a simplesmente ter tudo por só um dia, as fantasias reflectem as personalidades de cada uma das pessoas, enquanto percebemos como os poderes da ilha funcionam e sobre que regras. É ao fim de algum tempo, e com várias razões demonstradas, que nos apercebemos que a ilha praticamente inventa aquilo que lhe mais convém, tornando algo que tinha, em papel, uma premissa interessante, num festim de terror sem grandes sustos. Como se isso não bastasse, levamos com uma quantidade ridícula de reviravoltas durante a última meia hora, que nos deixam tontos.

Não é a primeira vez que Jeff Wadlow nos faz destas. O seu filme anterior, Verdade ou Consequência, também apresentava um grupo de adolescentes a jogar o que parecia um jogo inocente, que se tornou num pesadelo de todo o tamanho, e as inevitáveis reviravoltas surpresa no final, que nos deixou a pensar no que tínhamos acabado de ver. A Ilha da Fantasia apresenta problemas semelhantes, mostrando um pouco mais de esforço em contar uma história com algumas camadas, mesmo sendo elas muita finas.


Assim, A Ilha da Fantasia é a continuação da prova que a Blumhouse consegue, pelo menos a nível visual, apresentar grandes resultados com orçamentos reduzidos. Infelizmente, o elenco sofre de argumento com convicções quebradas e incoerente o suficiente para que nunca mais queremos voltar a seja o que isto for.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 16 de Fevereiro de 2020.

13 de fevereiro de 2020

Sonic the Hedgehog | Sonic: O Filme (2020)


O desenvolvimento da primeira aparição de Sonic no grande ecrã é uma algo atribulada, com voz de milhares de fãs por todo o mundo a forçar a produção a rever a animação inicial do ouriço azul favorito de todos e, consequentemente, adiado três meses da sua data de estreia inicial. As coisas parecem ter sido corrigidas, e finalmente podemos dar as boas-vindas a Sonic: O Filme.

Sonic (na voz de Ben Schwartz) é enviado para o nosso planeta Terra, em busca de refúgio, acabando por viver escondido na sua caverna na pequena cidade de Green Hills. Num dia frustrante, Sonic acaba por causar uma enorme queda de energia, com o governo a chamar um especialista para investigar este caso tão estranho: Dr. Robotnik (Jim Carrey). Sonic, agora em fuga, acaba por conhecer o humano Tom (James Marsden), que lhe ajuda a fugir e derrotar o psicótico Doutor, que apenas quer se aproveitar dos seus poderes para melhorar a sua tecnologia.


Primeiramente, é importante referir que a reconstrução da animação de Sonic, que agora apresenta mais semelhanças que a sua versão original, acrescenta muito a várias cenas em que aparece, dando-lhe um ar mais juvenil e cheio de energia; fazendo valer a pena todo o trabalho que a divisão de Vancouver da Moving Picture Company fez, sendo ela a mesma responsável pelos efeitos visuais em diversos blockbusters como O Rei Leão e a vencedora de um Óscar em A Vida de Pi, acabando por fechar portas em Dezembro do ano passado.

Carregado com um grande sentido de aventura, Sonic e Tom viajam até São Francisco, criando um elo de ligação entre duas espécies que têm muito a descobrir com um e o outro. Por vezes, estas interações têm uma tendência em cair para um lado infantil, sem grandes consequências no produto final, este repleto de momentos de comédia. Estes momentos vêm, sobretudo, de Jim Carrey, que aos 58 anos ainda mostra ser um ícone do cinema, com as suas intervenções.


Assim, Sonic: O Filme apresenta-se como uma verdadeira oportunidade de expandir para o cinema o universo criado pela SEGA e que há quase 30 anos, faz parte do nosso imaginário. O filme, apesar de contar uma narrativa algo básica mas perfeitamente sustentável para introduzir a personagem a um novo público, é sólido o suficiente para garantir uma boa sessão no cinema. Por cá, não nos importaríamos de ver outras figuras do universo de Sonic a dizerem olá ao cinema.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Fevereiro de 2020.

2 de fevereiro de 2020

Mon inconnue | Amor à Segunda Vista (2019)


Hugo Gélin não é um nome estranho para os portugueses, já que o realizador parisiense foi produtor de A Gaiola Dourada, o clássico moderno de Ruben Alves, retratando a vida de alguns portugueses em França. Desta vez, Gélin regressa com uma reviravolta numa comédia romântica, em Amor à Segunda Vista.

Conhecemos Raphaël (François Civil) e Olivia (Joséphine Japy), dois jovens que se conhecem no liceu e se apaixonam. Raphaël é um aspirante escritor, tornado romancista popular, com as suas histórias de Zoltan para o público juvenil; Olivia é uma aspirante pianista, acabando por ser professora do instrumento para os mais novos. A vida perfeita que tinham começado a criar, acaba por os afastar um do outro. Isto até Raphaël adormecer e acordar num universo paralelo, onde ele é um professor de línguas no liceu e Olivia é considerada uma das maiores pianistas da sua geração. Forçado a tentar encontrar uma solução, Raphaël tem que descobrir como vai voltar à sua vida antiga.


Não é comum ver um pitada de ficção científica a tingir um outro género mais associado a outro público, resultando aqui numa brilhante ideia de oferecer algo de novo nas tradicionais histórias de amor do cinema, ainda para mais francesas, que têm uma tendência de seguir algumas fórmulas de sucesso garantido. Vivendo nós numa altura onde termos como “multiverso” e “mundos paralelos” tornam-se novamente ideias de moda, Amor à Segunda Vista aborda-os de uma forma acessível, sem se fiar em toda a componente cientifica, relembrando o clássico de 1993, O Feitiço do Tempo, ao qual o filme faz uma menção divertida.

Por outro lado, existe um balanço equilibrado entre a comédia e o romance, dando tempo para que possamos conhecer ambas personagens e notar o contraste das suas diferenças entre mundos. É fácil deixar-nos levar por todo o encanto da situação presente, com Raphaël a ter que convencer Olivia a apaixonar-se por si novamente, sendo ele o único que se apercebe que algo está diferente, oferecendo muitos momentos cómicos com o seu melhor amigo Félix (Benjamin Lavernhe), que parece ser o único a acreditar nele.


Ainda que mais perto do fim o filme parece-se esquecer de toda a componente sci-fi e das regras físicas envolvidas, em função de concentrar no romance, Amor à Segunda Vista é uma prova interessante em como dois géneros distintos poderão se misturar, com a devida atenção e cuidado, culminando numa história adoravelmente divertida, onde é impossível não sentir o amor no ar, tornando-se no filme perfeito para o Dia dos Namorados que se avizinha.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 2 de Fevereiro de 2020.

1 de fevereiro de 2020

Uncut Gems | Diamante Bruto (2019)



Adam Sandler é um actor que mais rapidamente associamos como um dos reis da comédia das últimas décadas, com filmes como O Maluco do Golfe ou tanto odiado como amado em Jack e Jill, esquecendo que o actor também é capaz de encarar papéis dramáticos com a mesma naturalidade, como em Gente Gira ou Embriagado de Amor e mais recentemente este último filme de Benny e Josh Safdie, em Diamante Bruto.

Howard Ratner (Sandler) é um joalheiro carismático do chamado distrito de diamantes de Nova Iorque, onde estão concentrados os mais altos especialistas em rochas que reflectem luz. O grande problema dele é penhorar alguns objectos valiosos que não são seus para fazer apostas desportivas, de modo a poder repagar a alguns homens cujo tempo é dinheiro.


É incrível como Sandler protagoniza o filme de uma forma natural, não apenas de modo visual, desde os caracóis no cabelo e a barba ou o casaco de cabedal, típico daquela zona da cidade; como também a sua personalidade contagiante sendo um daqueles vendedores que só param quando têm a venda feita. No fundo, ele também não é propriamente uma boa pessoa, já que muito da vida dele é o que pode ser considerado duvidoso, entre trair a sua mulher, a usar dinheiro que não é seu, cavando um buraco fundo com as pessoas erradas.

Os irmãos Safdie apresentam uma obra que é difícil de tirar os olhos, mantendo-nos atentos a todos os momentos gloriosos das subidas e das quedas de Howard. oferecendo uma narrativa, no mínimo, intrigante e realizada de uma forma muito excitante, dando-nos a sensação de sentir na pele as mil e uma coisas que a personagem principal tem de fazer para sobreviver nos erros dele. É algo de tanto barulhenta como de desordenada, e sinceramente, não queríamos de outra forma, com uma das melhores bandas sonoras do ano.


Felizmente existem várias surpresas neste filme, na forma de LaKeith Stanfield como Demany, um gangster de bairro com as conexões certas, trazendo o negócio do jogador de basquetebol Kevin Garnett – que aqui encara uma versão exagerada da sua personalidade – em busca da pedra perfeita e capaz de inspirar a ganhar os jogos. Finalmente, Julia Fox faz a sua grande em cinema como a assistente a amante de Howard, num papel que certamente trará a atenção certa, sendo esta a primeira de muitas que iremos ver a actriz.

No fim, Diamante Bruto é uma viagem de pouco mais de duas horas na vida de um homem quebrado, dividido entre fazer a coisa certa e aquilo que lhe mais convém, deixando-nos enaltecer com a empatia que merece e que, juntamente com a realização ousadia dos Safdie, nos dá em troca algo equivalente ao título do filme.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 1 de Fevereiro de 2020.