23 de setembro de 2019

Joker (2019)


Perante uma grande quantidade de filmes de super-heróis, a necessidade de abordar o género de outra forma surgiu para quebrar a ideia que não era preciso muitas cenas em CGI para adaptar uma BD numa filme em imagem real. Foi por isso que Todd Phillips decidiu mostrar o maior vilão do universo da DC Comics no seu estado mais humano e cru, em Joker.

Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é um homem perturbado, com o sonho de ser um comediante. Vivendo uma vida pobre, com a sua mãe, Penny (Frances Conroy), Arthur faz o que pode como palhaço contratado, fazendo publicidade na rua ou ir animar crianças a hospitais, acreditando que o seu propósito é ser feliz e fazer os outros felizes. Uma noite, Arthur vê-se numa situação complicada e comete um crime que o torna, indirectamente, um símbolo contra o capitalismo e tudo aquilo que representa.


É louvável a prestação de Phoenix como um dos grande vilões da banda desenhada, sendo, sem dúvida, um dos melhores Joker do cinema, perfeitamente capaz de estar ao lado de Heath Ledger e Jack Nicholson e fazer esquecer a versão do Jared Leto. Por baixo de um vilão conhecido, está um homem quebrado, com uma condição médica que o faz rir de forma aleatória e incontrolável, e que pode deixar as outras pessoas com arrepios na pele.

A imunda cidade de Gotham em 1981, serve como pano de fundo para a transformação do homem em lenda. Arthur é forçado a libertar o seu lado mais obscuro para um mundo que lhe olha para baixo e lhe dá desdém, numa sociedade que traça vários paralelismos do mundo que vivemos hoje, movimentado por um ódio constante daqueles que acreditamos estar debaixo de nós na hierarquia social. Aqui não existem tecnologias para amplificar esses sentimentos, mas não deixam de ter um grande impacto emocional sobre Arthur, onde ele é sempre o grande alvo de chacota.


Com alguma surpresa, a realização de Todd Phillips é feita como se de um astuto aluno de Martin Scorsese se tratasse, inspirado por obras clássicas como Taxi Driver ou O Touro Enraivecido, sobretudo em como a cidade é retratada e como as maneiras dos habitantes de Gotham. Aliada à direcção de fotografia de Lawrence Sher e a banda sonora, cortesia de Hildur Guðnadóttir, conseguem garantir vários momentos inesquecíveis.

No fim, se retirarmos todas as referências do universo da DC, Joker continuaria a ser um drama sólido, sobre um homem que vive uma das piores fases da sua vida e como encara as consequências da sua vida infeliz, onde podemos ver pelos seus olhos, um mundo de sofrimento e dor, não pedindo empatia, mas sim compreensão. A actuação de Phoenix é o grande destaque desta obra, que irá certamente causar uma grande impressão em quem acha que já viu tudo da personagem. No entanto, por vezes distrai-se um pouco na sua loucura e o faz desligar da sua enredo principal.

Uma coisa é certa: se Joker for o primeiro passo para uma nova vaga de cinema de auteur baseada em banda desenhada, então estamos muito bem encaminhados.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 23 de Setembro de 2019.

22 de setembro de 2019

Ad Astra (2019)


A vastidão do espaço é algo que o homem ainda está por conhecer. Durante décadas que a nossa curiosidade de ver além das estrelas no move tecnologicamente, procurando explorar o que existe pelo universo sobre nós. Neste caso, James Gray prepara Brad Pitt para ir até ao fim da galáxia em busca do seu pai perdido, em Ad Astra.

Roy McBride (Pitt) é um homem solitário, sendo um dos melhores astronautas de sempre, capaz de manter os seus batimentos cardíacos controlados sem grande esforço. A sua vida social não é das melhores, com a sua carreira ter sido uma prioridade, enquanto passa grandes períodos de tempo fora do planeta Terra, deteriorando a sua relação com a sua mulher Eve (Liv Tyler). A sua vida muda novamente quando é alistado numa missão ultra-secreta em busca do seu pai, Clifford (Tommy Lee Jones), desaparecido há mais de 30 anos, algures na base do Lima Project em Neptuno e suspeito de ser responsável por diversas descargas eléctricas que causaram vitimas mortais por todo o mundo.


Estando a ver o filme numa sala IMAX, rapidamente nos perdemos pela vastidão do espaço, onde podemos ver todos os detalhes no maior ecrã disponível, que faz realmente parecer que estamos no meio de um documentário, com a vantagem da narrativa conter mistério, contado pelos olhos de um homem que fez tudo para ser o melhor naquilo que faz.

Ad Astra não é apenas visuais brilhantes, contém também um slow burn relativamente intenso, motivado pela necessidade de cumprir a missão a todo o custo. Pitt, com poucos diálogos e uma narração, onde a sua voz é o guia, é capaz de transmitir tanta ou mais emoção que qualquer outro dos seus papéis nos últimos anos da sua carreira, podendo estar ao lado de Tyler Durden de Clube de Combate, com toda a facilidade, ainda que a sua personalidade esteja num oposto polar.


A história do mesmo é uma que nos deixa intrigados pelas suas maneiras, a sua linha de pensamento e como encara as adversidades perante esta missão impossível, onde a relação de pai-filho é posta em causa para um bem maior: a sobrevivência da humanidade. É também uma história sobre a pressão que os filhos têm quando decidem seguir os passos dos seus pais, esperando ser tanto quanto ou melhores que eles e as devidas consequências em chegar a esse ponto.

No fim, Ad Astra é um dos filmes mais visualmente incríveis do ano, proporcionando uma viagem emocional onde nenhum homem conseguiu ir, até agora. O ser humano, na sua demanda em ser uma espécie melhor, sofre na pele para atingir o derradeiro pico da humanidade, mostrando a sua verdadeira força.

Nota Final: 4.5/5

Angel Has Fallen | Assalto ao Poder (2019)


Tudo começou em 2013, quando estrearam dois filmes com a mesma premissa: uma força externa ataca a Casa Branca. Gerard Butler em Assalto à Casa Branca, estreado em Maio, e Channing Tatum em Ataque ao Poder estreado em Setembro. Ainda que fossem dois filmes com ameaças fundamentalmente distintas, a sua essência acabou por ser semelhante, gerando alguma discussão. Assalto à Casa Branca acabou por dar origem a mais dois filmes, completando agora a sua trilogia com Assalto ao Poder.

Mike Banning (Butler) continua a ser considerado um dos melhores agentes, e está em consideração para ser o director dos Serviços Secretos. Mas quando há um tentativa de homicídio ao presidente Allan Trumbull (Morgan Freeman), matando a sua equipa inteira de agentes, Mike é o bode expiatório ao ser o único sobrevivente. Em fuga, cabe a ele provar a inocência, enquanto identifica os verdadeiros culpados.


Mais uma vez estamos perante  um filme de acção puro, remanescente dos heróis dos anos ’90, onde os tentáculos da conspiração chega ao topo da hierarquia, com os seus perpetradores a seguirem a  própria agenda, utilizando esta situação para atingirem os objectivos.

Enquanto que Assalto a Londres levou demasiado a sério o género de filme que realmente é, este Assalto ao Poder retoma o rumo iniciado com o primeiro filme, onde vemos Mike a recorrer a soluções menos oficiais para descobrir quem é que o está a incriminar e porquê. Isto, enquanto enfrenta a sua própria mortalidade, resultado dos ossos do ofício.


Durante a primeira hora, a intriga desenvolve-se de uma forma suficientemente convincente, para que a segunda parte se dedique a tiroteios, explosões e ao jogo onde o melhor homem vence. Claro que por mais nonsense que seja tudo, não podemos censurar a natureza macho, cheia de testosterona, onde matar ou morrer são as únicas opções.

Neste espectáculo à base de pólvora e explosivos, juntamente com frases que poderiam ser ditas há 30 anos por Schwarzenegger, o melhor é desligar a cabeça e aproveitar uma viagem pelo mundo da sobrevivência, que inclui uma visita a Nick Nolte, a retomar os seus papéis como o louco que vive na floresta.


Com isto, Assalto ao Poder não pretende ser nenhuma obra-prima, optando por ser antes um bom serão no cinema, capaz de fazer esquecer todos os problemas que existem fora da sala, algo que faz com sucesso e sem qualquer vergonha. Agora é esperar para ver qual é a próxima ameaça que o agente Mike Banning terá que enfrentar…

Nota Final: 2.5/5 (originalmente 5/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 22 de Agosto de 2019.

18 de setembro de 2019

Nightmare Cinema (2019)


Nos dias que correm, as antologias mantêm uma relevância importante nas narrativas episódicas, popularizadas nas massas com a série da Netflix, Black Mirror; e filmes como The ABCs of Death e The Field Guide to Evil, que juntam criativos importantes no género de terror e criam um misto de histórias com a assinatura pessoal de cada um, conduzido por um tema principal. Eis que agora entra Nightmare Cinema, que junta alguns mestres do terror clássico e moderno, para dar alguns sustos.

Este conto começa num cinema vazio e assombrado, gerido por um homem conhecido apenas como The Projectionist (Mickey Rourke), onde o nome do filme traz o título do segmento e o nome da vítima, da qual iremos ver o seu pior pesadelo no grande ecrã, sendo ele o anfitrião desta antologia.


Composto por cinco segmentos, cada um é realizado por um de cinco realizadores, entre os quais o veterano Mick Garris (Seres do Espaço – Parte II), e David Slade (Black Mirror: Bandersnatch). Nenhuma das narrativas sem se interligam entre si, dando oportunidade de cada realizador poder explorar a sua ideia individual de o que seria o derradeiro pesadelo para as suas personagens.

Todas a histórias agarram em elementos conhecidos no terror, desde o psicopata assassino em The Thing in the Woods (de Alejandro Brugués), à demonstração do pior cenário possível numa cirurgia plástica, como em Mirai (de Joe Dante), passando por um demónio que assombra uma escola católica em Mashit (de Ryûhei Kitamura); um terrível sonho a preto e branco, em This Way To Egress (de David Slade), terminando com uma ideia das consequências em trazer alguém dos mortos, em Dead (de Mick Garris).


O que as faz destacar é a qualidade consistente entre cada uma delas, assumindo de forma natural a sua pele mais old school e de baixo orçamento, num formato que sempre desafiou o contar da narrativa com uma abordagem mais directa, focando no essencial e divertindo-se com o resto. As tradicionais reviravoltas e subversão do imaginário estão presentes, com histórias que no fim nos deixam a pensar, tendo um grande aproveitamento do charme ao descobrirmos um novo filme a cada 25 minutos.

Assim, Nightmare Cinema está na mesma linha que as antologias clássicas, preferindo explorar ideias sólidas já fomentadas no passado, longe dos filmes VHS ou do mais recente Southbound, onde neste último, a separação dos segmentos é feita de uma forma mais orgânica, sem cortes. Assim, este é o género de filme que, mantendo a sua peculiaridade, pode realmente abrir portas para que várias forças criativas colaborarem em conjunto, sejam eles lendas do cinema ou novas estrelas em ascensão.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 18 de Setembro de 2019.

17 de setembro de 2019

A Good Woman Is Hard to Find (2019)


Abner Pastoll não é estranho em mostrar personagens principais femininas fortes, e no seu mais recente filme, A Good Woman Is Hard To Find, apresenta-nos o que acontece quando testam uma mulher até ao limite.

Sarah (Sarah Bolger) é uma viúva com dois filhos, a tentar sobreviver o dia-a-dia sozinha, com o mínimos de apoios. Um dia, Tito (Andrew Simpson), um traficante de droga, decide roubar de um gangue, e foge para casa de Sarah, forçando a sua entrada. Com receio de represálias, a mulher insiste que não o quer em casa dela, muito menos quando descobre que ele esconde drogas roubadas. Farta de estar a ser explorada por este criminoso, Sarah bate com o pé, e as consequências são inimagináveis.


Logo à partida, Sarah Bolger faz para agarrar a nossa atenção, mostrando ser uma mulher a fazer o que pode para dar tudo aos seus filhos, ficando abalada por o assalto à sua vida. As interacções entre Sarah e Tito, pouco a pouco, vão criando alguns diálogos que aprofundam a sua cumplicidade forçada, mas que, na sua essência, só prejudicam a sua vida e dos seus filhos, enquanto tenta dar os melhores exemplos.

Neste thriller de crime urbano, Pastoll aborda o género de uma forma interessante, criando uma enorme empatia pela situação desta mãe, que, neste filme, tem várias tarefas na sua lista: como descobrir quem matou o seu marido, como se livrar deste traficante de droga e como dar uma melhor vida para aqueles que ela ama, tudo num curto espaço de tempo. Naturalmente, e como seria de esperar, não são tarefas fáceis de gerir, mas existe uma força em Sarah que nos faz acreditar daquilo que é capaz, surpreendendo-nos pelo caminho; ainda que existam momentos que tendem alongar-se demasiado.


Quando Road Games estreou em 2015 (tendo passado no MOTELX no ano anterior), havia algo sobre a realização e a produção por detrás da estreia nas longas-metragens de Pastoll, juntando um leque de personagens de emoções profundas com uma narrativa bem escrita, onde os diálogos batem nos momentos certos. Algo que faz novamente neste filme, com uma facilidade enorme e que é sempre um prazer de ver.

Assim,  A Good Woman Is Hard To Find prova mais uma vez o talento do realizador britânico, dando a oportunidade de Sarah Bolger fazer um dos melhores papéis da sua carreira, num misto de emoções fortes que nos deixa agarrados à cadeira.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 17 de Setembro de 2019.

16 de setembro de 2019

Lords of Chaos (2018)


São raras as pessoas que se apercebem de como são capazes de mudar o mundo, para melhor ou pior, deixando uma marca permanente que irá servir de propósito para aqueles que se inspiraram pelos seus feitos. É o caso de Øystein "Euronymous" Aarseth, membro fundador dos Mayhem, a primeira banda de black metal Norueguesa que alguma vez existiu. Como seria esperado, liderar um movimento deste género não seria sem acontecimentos trágicos, que de certa forma, acabaram por definir aquilo que conhecemos sobre estas pessoas.

Baseado em "facto verídicos, mentiras e coisas que realmente aconteceram", Lords of Chaos é a história de origem duma das mais prolíficas bandas de metal a sair da escandinava. Euronymous (Rory Culkin), acaba por estar ligado a uma série de acontecimentos brutais, entre um suicídio, dezenas de igrejas ardidas, entre outros crimes. Esta é a sua história.


Jonas Åkerlund não é estranho a estas andanças, já que o realizador, conhecido pelos inúmeros vídeos musicais que realizou e uma mão cheia de filmes, entre os quais o recente Polar da Netflix; mas também foi membro da banda de metal Bathory, ainda que por um curto período de tempo. Isto faz dele o criativo perfeito para trazer à vida o livro de 1998, escrito por Michael Moynihan e Didrik Søderlind, relatando esta história ao pormenor.

Há que admirar a capacidade com que Åkerlund trouxe à vida todos estes acontecimentos, de forma grotesca, nunca se contendo os momentos de violência extrema, com muito gore e sangue. Nos primeiros 20 minutos, esse extremo é atingido com uma facilidade estúpida, por vezes roçando perto do desnecessário e gratuito. Não obstante disso, esta mostra apenas contribui para o sentimento assustador que passa uma mensagem sobre o lado mais negro da amizade.


Há uma certa perversidade que nós como espectadores temos que ter para tolerar as quase duas horas de filme de Lords of Chaos, sendo que tendo em mente que muitas destas coisas aconteceram, é um conto completamente surreal, que nos cativa e nos mantém por perto, ao testemunharmos a loucura. Talvez seja esse o ponto forte deste filme, deixando-nos atentos ao que vai acontecer a seguir.

Do outro lado, o que começa como uma história assustadora sobre um grupo de rapazes com intenções obscuras, acaba por se tornar num drama entre duas pessoas com visões diferentes, onde a intolerância pelo outro culmina sobre inúmeros outros crimes, tanto quanto hediondos quanto este. Ainda assim, e ao contrário que muitos outros filmes do género, sentimos que aprendemos algo de novo e interessante sobre o terrível mundo que nos rodeia, deixando um sabor agridoce na boca. 



Assim, Lords of Chaos, apesar de não mostrar estes acontecimentos de forma desnecessariamente glamourosa, consegue criar mais que o suficiente para nos deixar curiosos em saber mais sobre como tudo aconteceu, pintando uma fascinante imagem negra, que com certeza vai ser tema de conversa durante alguma tempo. 

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

Originalmente publicado em Central Comics a 16 de Setembro de 2019.

13 de setembro de 2019

The Hole in the Ground (2019)


A relação de Pai-filho, misturada com uma boa dose demoníaca, não é nada de novo no cinema, mas é uma abordagem que nos últimos anos tem sido explorada, cada uma com a sua própria reviravolta. Enquanto que muitas vezes falham o alvo na inovação, outros conseguem dar alguns sustos, como é o caso de The Hole in the Ground, escrito e realizado por Lee Cronin.

Sarah (Seána Kerslake) e Chris (James Quinn Markey) são uma mãe e filho que se mudam para uma pequena cidade campestre na Irlanda, vivendo numa casa perto de uma floresta, que esconde um grande buraco. Passado algum tempo, Sarah começa a notar alguns comportamentos estranhos no seu filho, e convence-se que existem forças maiores que tomaram conta do pequeno Chris.


Tendo como pano de fundo a incrível natureza obscura, típica dos filmes irlandeses, este slow-burn vai largando algumas pistas essenciais para percebermos o que realmente se passa com Chris e o mundo que se irá virar contra a sua mãe, que necessita de respostas. Tudo é estranho em The Hole in the Ground, desde da escolha de planos hipnotizantes, à música, que, em sintonia, causam um forte sentimento de claustrofobia constante, onde se junta um mistério sobrenatural numa cidade que já aparenta ser a raiz do mal.

O grande destaque é de facto Seána Kerslake, com uma actuação brilhante, capaz de causar grande desconforto, até nos mais fortes fãs do género de terror, encarando de uma forma desesperante as ansiedades diárias de mãe preocupada, sendo capaz de estender todas a emoções numa paranoia. Do outro lado está James Quinn Markey, que, apesar de encarar o tradicional miúdo possuído, fá-lo de uma forma menos óbvia, elevando o nível de susto, pois nunca sabemos exactamente quem realmente temos à nossa frente.


A comparação mais óbvia deste filme será O Babadook, de Jennifer Kent, mas The Hole in the Ground vai num sentido contrário, apostando na ideia da mitologia local, funcionando como um veículo assustador. A premissa mantém o seu foco de modo simples, necessitando de uma atenção para detalhes, onde nenhum é demasiado pequeno para ser relevante, para que no terceiro acto, as peças se juntem para criar uma imagem que deixa uma interpretação relativamente aberta, dependendo da perspectiva individual do espectador.

Assim, The Hole in the Ground mostra que a estreia de Lee Cronin nas longas-metragens o emergiu como um dos mais novos e interessantes realizadores a prestarmos atenção no futuro, pois certamente terá mais ideias interessantes para explorar, encontrando neste filme um registo visual cativante, junto com uma narrativa assustadora, dentro dum molde que já parecia não dar mais cartas.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Setembro de 2019.

12 de setembro de 2019

Midsommar | Midsommar – O Ritual (2019)


Quando Ari Aster estreou em Janeiro do ano passado a sua primeira longa-metragem no festival de Sundance, as primeiras reacções causadas por Hereditário pareciam ser exageradas, tal como tantos outros filmes de terror que vieram antes e ganharam o selo de causaram mau estar entre o público. Quando estreou meses mais tarde, confirmou-se que era dos casos raros , sendo um dos filmes mais assustadores da década, com o seu retrato de uma família em luto. Pouco mais de um ano depois do caos instalado, Aster regressa ao grande ecrã com Midsommar – O Ritual, prometendo continuar a tirania no cinema de terror moderno.

Dani (Florence Pugh) é uma rapariga que de repente perde a sua família num terrível homicídio-suicídio pelas mãos da irmã bipolar. Ainda em luto, ela está a passar por momentos difíceis com a sua relação amorosa com Christian (Jack Reynor), que lhes leva a uma viagem com os amigos até à Suécia, para visitarem Hårga, uma pequena comunidade de onde pertence Pelle (Vilhelm Blomgren). O grupo chega numa altura em que estão prestes a começar as celebrações do solstício de Verão, mas nada lhes preparou para o que vão viver.


Nesta viagem de descoberta de outra cultura, pouco a pouco vamos percebendo que estamos perante algo que irá causar algum tipo de choque, ao testemunharmos estas tradições folclore, que nós estando do lado de fora, é-nos completamente estranho o tipo de comportamento dos Hårga. A nossa experiência é assim partilhada ao mesmo tempo que as  personagens. É uma viagem com uma carga pesada, onde algumas coisas acontecem fora do ecrã, pedindo um grande investimento e atenção da parte do espectador, mas que acaba por recompensar com uma das mais arrepiantes experiências do ano.

Visualmente, tudo é incrível ao olho, desde a fotografia, às cores, aos ínfimos detalhes que frequentemente nos perdemos à procura de algum tipo de pista para nos prepararmos para o que virá a seguir. Todo o design de produção foi visivelmente pensado ao mais pequeno detalhes, como os inúmeros desenhos e pinturas que decoram os vários cenários, que aliados à cinematografia, deixam-nos verdadeiramente mesmerizados.


Por outro lado, Pugh garante que a construção meticulosa da sua personagem é explorada ao extremo nas suas formas complexas, algo provado nas muitas cenas que parecem tiradas de vários pesadelos, criando uma forte pressão emocional, não nela, como também no espectador, que certamente irá estar boquiaberto e com as mãos na cabeça.

Ari Aster mantém em Midsommar – O Ritual a sua visão de fazer um filme brilhantemente trabalhado em todos os níveis, sem negligenciar nenhum aspecto, pois todos eles são importantes para a interpretação da obra, estando perante um autêntico trabalho de mestre; isto considerando que foi gravado em apenas dois meses. Hoje, são raros os talentos capazes de ir até onde muitos não são capazes, criando um filme que irá ser falado durante anos pela sua ousadia intransigente, neste caso em função de contar uma história sobre luto e relações amorosas.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 12 de Setembro de 2019.

After Midnight (Something Else) (2019)


Filmes que cruzam géneros de uma forma tão definida são raros, por isso quando aparece um que aborda assim o cinema, é impossível ficar intrigado. É o caso do mais recente filme de Jeremy Gardner e Christian Stella, com o seu híbrido entre o romance e o terror em After Midnight.

Hank (Jeremy Gardner) é um caçador que vive no meio do nada, com uma caçadeira, à espera de um monstro que tem atacado a sua casa. Enquanto isso, a sua mulher Abby (Brea Grant), está desaparecida há um mês, tendo deixado apenas uma nota na cozinha, deixando-o em baixo e confuso, o que não ajuda em nada. O pior é que Hank não tem provas concretas, a não ser a porta arranhada, e cujo xerife Shane (Justin Benson) atribui as culpas a uma “pantera”.


After Midnight balança assim dois géneros distintos, que se juntam para criar uma narrativa que nos deixa a pensar sobretudo na vida de Hank, que, apenas busca respostas concretas para os seus problemas. “Que raio de monstro é este?” e “Onde está Abby?” ficam à descoberta, ao seguirmos a lógica ao mesmo tempo que as personagens presentes.

A vida de Hank é bastante mundana, agora ainda mais, passando os dias a beber e a lamentar-se, não podemos deixar de simpatizar com o pobre coitado, que ainda tem os seus amigos a duvidarem de si em relação ao que seja o que for que esteja a destruir a sua propriedade, tudo de uma forma onde o lado emocional do cinema de terror, entrelaçado com o romance, estão expostos ao máximo.


Não seguindo uma fórmula tradicional de género, Gardner e Stella conseguem mais uma vez realizar um filme onde a estranheza sobrenatural não afecta a casualidade da vida real. Onde saltar da cadeira é um acto tanto natural como largar um riso. O duo já o tinha feito em 2013 com o igualmente intrigante The Battery, onde o significado da amizade se cruzava com um Apocalipse zombie; e fá-lo novamente aqui, sem qualquer esforço, desta vez com outra dupla favorita do género, Justin Benson e Aaron Moorhead (O Interminável) a produzir.

Assim, After Midnight prova que com uma ideia clara, uma narrativa de coçar a cabeça e personagens com profundidade emocional, tudo o resto acaba por cair ao sítio certo, com a noção que a vida não é sempre perfeita, mas os momentos mais memoráveis são aqueles mais caricatos. Mesmo que isso signifique esperar à porta para dar um tiro a um monstro.

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 9/10)


Originalmente publicado em Central Comics como 'Something Else' a 12 de Setembro de 2019.

9 de setembro de 2019

Satanic Panic (2019)


Por vezes aparecem pequenas gemas do cinema independente que passam por despercebidas para o restante público. Felizmente a Cinestate tem feito um incrível trabalho na sua promoção, depois de estarem envolvidos numa série de clássicos modernos, agora ainda mais tendo trazido de volta à vida a famosa marca Fangoria, a famosa revista de cinema de terror que delicia fãs desde 1979. Expandindo no seu tema, estes também produzem filmes sob o seu importante selo, dando a oportunidade a Chelsea Stardust de lançar a sua estreia nas longas-metragens Satanic Panic.


Sam (Hayley Griffith) é uma entregadora de pizza local que se vê numa situação caricata e complicada, quando é perseguida por um grupo de satânicos em busca de uma virgem. Pelo meio ela conhece Judi (Ruby Modine), filha de um dos casais satânicos, mas ambas rebelam contra o culto que as quer capturar.

Todo o prazer neste filme vem do exagero das circunstâncias que começaram tudo: Sam apenas quis a sua gorjeta para cobrir as despesas de vir entregar tão longe, vendo de repente a sua vida dar uma volta de 180º. onde estes tais loucos procuram, desesperadamente, a sua virgem, para concluírem o ritual. Por mais sério que pareça, é tudo levado com uma leveza sentimental, repleto de muito gore de baixo orçamento, fiando-se em efeitos práticos, fazendo parte do seu charme divertido.


Hayley Griffith, estando no centro deste maravilho elenco, junta-se a Ruby Modine, esta última tendo participado em Feliz Dia Para Morrer, juntam-se agora à veterana Rebecca Romijn, que encara Danica, a líder do culto, que é responsável por todo o lado grotesco, inclusive algumas cenas com muito, muito, sangue.

O argumento, focando-se em muitos aspectos de forma superficial, compensa com a representação feminina e as dificuldades de ser uma final girl em 2019, pondo em questão a importância da virgindade e fazer troça do assunto. Por outro lado, a banda sonora original consegue ser melhor que muitos outros filmes que por aí andam, ainda mais quando se junta Chelsea Wolfe, com o tema "Scrape", que não poderia ser mais apropriado para uma obra destas, celebrando a aparição de Baphomet.


Assim, Satanic Panic, apesar da sua curta duração, é um divertidíssimo filme que tem tanto de terror como de comédia, provando que a exploração do lado cómico do género pode ser feito de uma forma casual, enquanto Chelsea Stardust aparece em cena, deixando-nos curiosos no que irá fazer a seguir.

3 de setembro de 2019

IT: Chapter Two | IT: Capítulo Dois (2019)


Quando se soube que IT iria regressar aos cinemas, 27 anos após o telefilme que atormentou a infância de muitos, havia uma certa esperança que esta fosse a altura perfeita para trazer Pennywise dos escombros. E o regresso veio em boa hora, pois resultou num sucesso comercial e crítico, fazendo mais de 700 milhões de dólares.

Foi no final do primeiro filme que descobrimos que a adaptação do grande livro de Stephen King iria, tal como nas suas páginas, ser dividido em duas partes distintas, com um intervalo de 27 anos entre os dois acontecimentos. A conclusão chega agora no grande ecrã em IT: Capítulo Dois.


O Losers’ Club de Derry nunca mais foi o mesmo após a aparição do palhaço mais assustador de sempre, atormentando-os de uma forma que jamais iriam esquecer. Ou pensávamos nós. Os miúdos são agora graúdos, cada um com as suas próprias vidas; Bill (James McAvoy) é um escritor que não sabe escrever bons finais, o fala-barato Richie (Bill Hader) é agora um comediante, Stanley (Andy Bean) é parceiro numa empresa de contabilidade, Ben (Jay Ryan) foi para o ginásio e está longe daquilo que era em miúdo, Eddie (James Ransone) mantém as suas pancas como analista de risco e a querida Beverly (Jessica Chastain) é uma designer de moda de sucesso. Resta apenas Mike (Isaiah Mustafa), que ficou em Derry, pouco menos de três décadas à espera que Pennywise (Bill Skarsgård) regressasse.

Quando começam a acontecer mortes e desaparecimentos estranhos, Mike reúne o grupo para eliminar a ameaça de Pennywise, de uma vez por todas. Os adultos, estando diferentes, também têm medos diferentes, os quais o palhaço irá explorar para garantir a sua sobrevivências. Naturalmente, nem tudo está igual, já que sair da pequena cidade para o mundo parece ter um efeito que faz com que certas memórias desvaneçam, mas que a pouco e pouco vão voltando, revelando novos momentos do Verão do Losers’ Club que não vimos no filme anterior.


Tudo o que foi aplaudido no primeiro capítulo, que estreou no momento ideal, numa era pós-Stranger Things, muda drasticamente para um tom mais adulto, abordando as dificuldades de resolver de uma vez por todas esta maldição que os persegue, sendo a única forma definitiva de acabarem aquilo que começaram.

Além disso, IT: Capítulo Dois é mais sobrenatural, com Pennywise a tomar novas formas, aproveitando para dar os usuais jump-scares, que acabam por ser pouco eficientes. Ainda assim, existem momentos que Bill Skarsgård amplificou a personalidade do palhaço, sendo esses  os verdadeiramente assustadores. No entanto, fica difícil simpatizar o resto do elenco, que parecem ter perdido muito da sua essência original, algo que pode surpreender algumas pessoas, considerando os nomes de peso incluídos.


Tal como Kill Bill de Tarantino, estes dois capítulos funcionam como uma obra só, curiosamente sofrendo do mesmo problema dos filmes da década passada, onde o principio é realmente mais interessante que o fim, arrastando a narrativa com focos individuais, explorando os piores cenários de cada um, aprofundando os seus carácters. A divisão da narrativa é também definida claramente em três actos, contribuindo para as suas quase 3 horas de duração, da qual poderiam ter sido muito melhor geridos, para que o filme mantivesse um ritmo consistente.

IT: Capítulo Dois, é de facto uma parte fundamental da história, sendo ela a que mais tem polpa, mas que demora demasiado tempo a digerir, deixando um sabor agridoce na boca. Esperava-se muito mais deste derradeiro final, não só pelo elenco, mas também da forma que a realização de Andy Muschietti, que trouxe para um novo público, o palhaço que mais causa pesadelos.

Nota Final: 3/5 (originalmente 6/10)


Originalmente publicado em Central Comics a 3 de Setembro de 2019.