25 de agosto de 2020

Tenet (2020)


Em 1998, um jovem realizador britânico pelo nome de Christopher Nolan, desviou algumas atenções com a sua primeira longa-metragem, Following, sendo esse o verdadeiro inicio do seu caminho autoral, tendo catapultado com Memento, dois anos mais tarde, e considerado ainda hoje um dos seus maiores filmes de culto. Com um estilo que vem sido definido a cada novo filme, seja no seu estilo de realização, seja nos argumentos que escreve, eis que Tenet finalmente faz a sua estreia no grande ecrã, após ter sido adiado diversas vezes.

Neste filme, conhecemos The Protagonist (John David Washington), um homem sem nome com a missão de impedir a Terceira Guerra Mundial com apenas uma palavra: Tenet; entrando no perigoso mundo de espionagem, com um alto-conceito científico, onde a relatividade do tempo pode ser o fim do mundo.


Revelar mais sobre o enredo de Tenet é de tanto perigoso, como seria incompreensível ao ser lido, sendo que a sua experiência física no cinema exige uma grande atenção por parte do espectador, como também este seja de compreensão rápida, correndo o risco de perder o fio à meada. Naturalmente, nem todos somos especialistas em física quântica e um conceito como a relatividade do espaço e tempo vai muito mais além do que aquilo que o filme apresenta. É este a maior dificuldade que se poderia ter em ver Tenet, que na sua forma, é uma evolução dos interesses temáticos de Nolan, após filmes A Origem (2010) e Interstellar (2014), também eles com a sua dose de ciência a ser compreendida.

Por outro lado, tudo o resto que poderíamos esperar de um filme do realizador está mais que presente, desde a demonstração da beleza dos muitos locais da produção, que passou por sete países, entre Índia a Reino Unido, passando pela Estónia e Dinamarca; ao qual se juntam diversos altos e baixos na acção e tensão que o filme providencia, literalmente desde do primeiro segundo, com uma brilhante sequência de um ataque terrorista numa casa de ópera, ou mais tarde, com o tão publicitado acidente de avião.


Adicionalmente, o elenco faz de John David Washington e Robert Pattinson, este último com um papel que está constantemente a surpreender, faz com que esta seja uma das duplas mais carismáticas do ano no cinema, ao qual também podemos contar com a presença de Elizabeth Debicki, Kenneth Branagh, Aaron Taylor-Johnson e, claro, Michael Caine. A banda sonora, desta vez cortesia do compositor Ludwig Göransson (Hans Zimmer estaria ocupado com o novo Duna), faz um trabalho impecável a acompanhar o vários momentos, inclusive contribuir activamente para a acção, como é hoje raro de se ouvir.

Com isto, Tenet é uma película que vai requerer vários visionamentos e uma análise até à exaustão, para que percebamos a dimensão do seu universo, algo que não é necessariamente mau, mas que pode se tornar um pouco frustrante. Mesmo com a sua base sólida visual e de talento, é claro que este é um filme que transcende o próprio cinema, com uma obra que será falada durante anos.

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 9/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 25 de Agosto de 2019.

20 de agosto de 2020

Tales from the Rabbit Hole: A Curious Kitsch Novel | Alice, Nova Iorque e Outras Histórias (2020)


O cinema português por vezes necessita de novas ideias e novas caras para destacar futuros talentos, e talvez, Alice, Nova Iorque e Outras Histórias, a mais recente longa-metragem de Tiago Durão, produzida e protagonizada por Sofia Mirpuri, pode ser o inicio de uma nova era do cinema nacional com esta produção luso-americana.

Alice Maia (Mirpuri) é uma jovem que está grávida do seu namorado recentemente falecido, que decide fugir de Portugal para Nova Iorque em busca de um recomeço, ficando em casa da sua melhor amiga Ana (Madalena Mantua). Esta rapidamente descobre que o sonho americano não passa de uma fantasia, onde seguimos as vidas de um enorme conjunto de personagens, que demonstram o quão caótico a cidade é.


Logo de inicio somos introduzidos a estas personagens, individualmente, mostrando a diversidade da loucura que estamos prestes a ver. Este mesmo narrador pede ao espectador para encarar a história como o conto de Alice no País das Maravilhas, um pedido grande, mas que vale a pena dar o benefício da dúvida.

Na verdade, estamos perante um conto fortemente inspirado nos filmes de Woody Allen, tal como a cidade da Grande Maçã assim o pede, as histórias que acompanhamos também elas sofrem dos seus próprios amores e dramas, tiradas das páginas de romances adolescentes e revistas pulp do meio do século passado, que faziam furor com o público adulto e juvenil. É decerto um traço que faz destacar doutras obras, a sua abordagem não-tradicional à narrativa, o que torna as coisas, na sua grande maioria, interessantes.


Durante as duas horas de película, vemos sobretudo novos talentos a surgirem e a mostrar as suas primeiras cores, com Tiago Durão e a sua equipa técnica a arriscar com algumas escolhas artísticas menos usuais, mas que são o centro do cinema independente puro. É de tanto admirável, que não seria surpreendente se Alice, Nova Iorque e Outras Histórias acabasse por ser um filme de culto na sua própria maneira, com um público de nicho a apreciar o filme à medida que o tempo passasse, tal como um bom vinho.

Assim,  Alice, Nova Iorque e Outras Histórias pode não seguir os moldes do costume, mas jamais se envergonha por mostrar a sua personalidade e com ele uma obra merecedora de ser apreciada pelas suas ideias e o seu elenco multicultural de novos talentos, podendo não cair bem naqueles que procuram um filme ao estilo de Hollywood.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 20 de Agosto de 2019. 

19 de agosto de 2020

The King of Staten Island | O Rei de Staten Island (2020)


Durante os meados dos anos ’00, Judd Apatow, ele próprio um escritor de comédia, estreou a sua cadeira de realizador com Virgem aos 40 Anos, iniciando assim uma longa e frutífera carreira em cinema, liderando o futuro do género com as suas várias obras, trabalhando com alguns dos melhores e piores actores de todos os cantos de Hollywood. Acontece que ao fim de um hiatus de cinco anos, Apatow regressa com O Rei de Staten Island, onde se junta com Pete Davidson, mais conhecido pelas suas contribuições no programa Saturday Night Live.

Scott (Davidson) é um jovem de 24 anos, ainda a viver na casa da sua mãe, onde passa os dias com os amigos a fumar ganza e não fazer muito mais da sua vida, que se encontra sem rumo. Desde que perdeu o seu pai bombeiro aos 7 anos, nunca mais foi o mesmo, por isso ao perceber que está a ficar para trás em relação ao resto do mundo, com a sua irmã mais nova Claire (Maude Apatow) a ir para a faculdade, e a sua mãe Margie (Marisa Tomei) ter novamente encontrado o amor, com Ray (o comediante Bill Burr), seria de esperar que a sua reacção ao lidar com estas mudanças ser um bocadinho agressivas.


Nos últimos 15 anos, temos vistos uma evolução no tom cómico de Apatow. Quando começou, o mundo riu-se em conjunto ao ver um virgem de 40 anos na sua jornada doida de rectificar esse ponto. Hoje, damos por nós a chorar com a dor cobrida por piadas sinceras, com uma história parcialmente inspirada pela vida real de Davidson, tendo perdido o seu pai bombeiro durante os ataques das Torres Gémeas no 11 de Setembro. Essa realidade pesada é visível na actuação do comediante que, lentamente, está a mostrar algum sucesso como actor e provar que tem muito mais para oferecer que polémicas e tatuagens; algo que podemos, de certo modo, viver em conjunto, ao vermos Scott a lidar com os seus problemas.

Não que O Rei de Staten Island não seja cómico – existem dezenas de momentos divertidos, mas conseguimos ver que são muito pensados, talvez por sabermos que a luta de Davidson é real e está exposta neste filme, com uma ligeira tendência de nos quebrar o coração. Por outro lado, vermos Bill Burr sem ser no palco ou como uma voz na série de animação da Netflix, F is for Family, é um dos pontos altos do filme.


Assim, Judd Apatow apresenta-nos um regresso mais consentido, longe das suas piadas mais arriscadas, aqui substituídas por um verdadeiro drama sobre um rapaz que apenas quer sobreviver ao que o universo lhe atira, e fazê-lo da melhor forma possível. Pode nem sempre ter sucesso, mas ao menos vem de um lugar verdadeiro no seu coração, e é isso que conta.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 19 de Agosto de 2019.

15 de agosto de 2020

Spree (2020)


Se existe algo que aprendemos sobre as redes sociais é que é tudo, no fundo, um jogo de números que brincam com a nossa auto-estima, num mundo que parece ser um concurso de popularidade permanente, em busca da atenção dos nossos pares. O realizador Eugene Kotlyarenko e popular actor Joe Keery, mais conhecido pelo seu na série da Netflix, Stranger Things, juntaram-se para mostrar uma das histórias mais negras que apenas poderia ser fruto das consequências da obsessão pelas redes sociais.

Em Spree, conhecemos Kurt Kunkle aka kurtsworld96 (Keery), um jovem condutor para a aplicação Spree, enquanto tenta fazer sucesso na internet com os seus vídeos e os seus memes. Encontramos Kurt no pico da sua fama, a chegar aos 10 seguidores simultâneos dos seus directos no LiveFly, mas está tudo prestes a mudar, quando este revela o projecto da sua vida, chamada #TheLesson (#ALição).


Apresentado como um caso de "pior cenário possível" de o que é ser um influencer, esta reviravolta perversa, que envolve tortura e homicídio sem escrúpulos, o nosso maior mal é não conseguirmos desviar o olhar desta personagem terrível e as suas acções condenáveis, fazendo de nós cúmplices das suas acções grotescas. Na verdade é fácil cair pelo charme de Kurt, um rapaz que parece tanto quanto inofensivo quanto todos aqueles "criadores de conteúdo" que vemos diariamente nas redes sociais e fazem parte da nossa cultura actual.

Claramente, Kurt tem problemas mentais que lhe tornam insensível perante os seus jogos perigosos, desde envenenar as águas oferecidas a passageiros, como simplesmente insultar e agredir até que deixem de fazer barulho, todas as cartas estão em cima da mesa. Longe de ser uma espécie de antologia, Spree acaba por arranjar uma narrativa que aparece de uma forma minimamente orgânica, mas que rapidamente se transforma em algo demasiado bom para ser verdade, envolvendo uma comediante com um enorme número de seguidores, entre outras personagens que contribuem para a sua fantasia psicótica.


Keery é brilhante a encarar a versão web do que apenas poderíamos chamar de Diabo, cativando-nos de forma que seja impossível desligar o ecrã, levando-nos numa viagem relativamente emocionante, com alguns pontos altos. Infelizmente, a sua crítica social sobre a futilidade das redes sociais, e o que podem conduzir alguém a fazer, por vezes também ele cai no seu próprio veneno, ao nos apercebermos que não sabemos muito mais sobre a história de Kurt. No entanto, tal como na vida real, a ideia que temos dos influencers é baseada, em grande parte, apenas naquilo que eles mostram em público e não na sua vida integral, pelo que é um aspecto que é passável ao lado.

Com isto, Spree raramente se distrai com a sua narrativa a ser contada num formato diferente do usual, algo que em cenas acaba por ser melhor conseguido mais tarde no filme, com um dos assassinos mais queridos do cinema de terror; onde garantidamente será a única obra onde irão ver alguém a morrer ao som do Ursinho Gummy. Maravilhoso!

Nota Final: 3.5/5

11 de agosto de 2020

Feedback (2019)


Antes da chegada da televisão, a rádio era o meio principal de entretenimento para muitos, inclusive compravam móveis com rádios embutidos de origem, tornando-se em peças essenciais durante muitos anos. Hoje em dia, a mesma continua com um outro tipo de poder, esse partilhado por dezenas de outros meios que diluem a sua capacidade de difusão, mas a sua relevância tem-se mantido consistente. É numa rádio que a estreia de Pedro C. Alonso na realização de longas-metragens acontece, com Feedback, da qual escreveu com Alberto Marini, produtor do filme-sensação [REC].

Conhecemos Jarvis Dolan (Eddie Marsan), um carismático apresentador de rádio, conhecido pelo seu programa controverso The Grim Reality (traduzido A Realidade Sombria), focada na crítica social e política britânica. Neste momento, vemos Jarvis a recuperar, após ter sido raptado, ferido e vendo o seu carro arder. As coisas dão uma reviravolta para pior quando Jarvis é novamente raptado dentro do seu estúdio por uma dupla de homens desconhecidos, com uma agenda para fazê-lo sofrer.


Desde cedo que nos apercebemos que a abordagem política de Jarvis poderá ser um dos motivos mais aparentes pelos acontecimentos, mas Feedback muda constantemente a sua linha de pensamento, tentando deixar ao ar as várias possibilidade disto lhe estar a acontecer, enquanto pouco-a-pouco revela as suas verdadeiras intenções, algumas delas relativamente previsíveis se prestarmos atenção ao ambiente que lhe rodeia no inicio do filme. No entanto, mais perto do meio da obra, esta muda drasticamente de tom, ainda que os muitos momentos de violência se mantêm consistentes.

Por baixo de uma narrativa um pouco fútil, sobretudo na forma que é lhe dada uma importância insuficiente para a gravidade do caso, estão actuações sólidas vindo de um pequeno elenco, sobretudo Marsan que aguenta muito bem as ondas de tensão que o filme causa, considerando que a maior parte do filme se passa dentro de um estúdio de gravação. Na verdade, Jarvis é tão carismático que existe uma dúvida constante se aquilo que está a dizer é, ou não, verídico, independentemente dos factos; algo que pode ser visto como meta, tendo em conta que a sua missão como apresentador é desmascarar os mentirosos nos altos cargos governamentais. 


Por outro lado, as restantes personagens apenas servem como um veículo temporário para a situação presente, podendo ser facilmente dispensáveis, algo que poderia ser evitado caso a narrativa permitisse que fossem mais focados e terem um plano mais meticuloso, algo que demonstra como ser impossível neste contexto.

Assim, Feedback é um excelente esforço por de Alonso, com um thriller minimamente sólido em quase todos os seus aspectos, iniciando assim o que será, com certeza, a sua carreira no grande ecrã. Apesar das suas falhas, podem contar um muita tensão e violência, encoberto com uma necessidade urgente de descobrir a verdade.

Nota Final: 3/5

8 de agosto de 2020

She Dies Tomorrow (2020)

Amy Seimetz é uma escritora e uma realizadora com um talento muito especial de contar histórias, tal como podemos ver em Sun Don't Shine, onde a sua recusa em enveredar pelos métodos tradicionais lhe garantiu um lugar muito especial na mente e no coração de muitos. Numa espécie de continuação da sua eterna mensagem, eis que chega She Dies Tomorrow, que promete não deixar ninguém indiferente.

Amy (Kate Lyn Sheil) acorda num sofá e está convencida que vai morrer amanhã. Após um vislumbre de um pesadelo nos minutos iniciais do filme, que nos oferece a primeira peça deste puzzle, a próxima hora e meia é demorada a um contágio iminente da mente, como se de um vírus tratasse.

Tal com o Covid-19 que nos tem assombrado, com notícias diárias e uma mudança drástica de vida, Seimetz propõe uma outra questão: "E se soubéssemos que iríamos morrer amanhã?", onde existe um vírus psicológico e contagioso, num conceito que exige algum acompanhamento, mas que vale a viagem.

Aliás, toda a narrativa em si é baseada em algo simples, explorada com visuais e uma edição que tanto incomodam, como nos deixa intrigados por o que está prestes a vir; com uma complexidade filosófica onde vai mais longe do que deixar uma mera impressão, plantando uma ideia infecciosa, puxando-nos para dentro deste universo, onde também acreditamos que este será o nosso fim.

Neste filme lindamente trabalhado, tudo parece ter um propósito, ao qual o relativamente grande grupo de personagens infectadas com um pensamento de desgraça, faz por nos convencer que a vida não está bem e põe em perspectiva como algo se pode tornar viral e ir para além do ecrã. 

Claro, que a ideia da morte nos força a fazer coisas que não imaginávamos, a dar valor por algo que por tanto tempo damos como garantido, no mínimo. Mas é no que estas pessoas fazem com essa ideia em mente que o brilhantismo sobressai.É de facto incrível ver como este inimigo invisível funciona, provando novamente em como Amy Seimetz é um dos nomes mais admirados no cinema independente.

Assim, She Dies Tomorrow é um deslumbrante ensaio sobre a decadência mental, que parece ser a verdadeira calma antes da perpétua tempestade, deixando-nos na esperança que este seja a primeira parte de algo que poderá ser maior e mais sombrio, de uma forma totalmente insano. Seja como for, jamais irão ouvir "Lacrimosa" da mesma forma depois deste filme, isso podem confiar.

Nota Final: 4/5

7 de agosto de 2020

The Tax Collector (2020)

O nome David Ayer por norma é sinónimo com um argumento escrito com bases nas suas experiências dentro dos bairros mais perigosos de Los Angeles, tendo sido aclamado por policiais como Dia de Treino, onde Denzel Washington ganhou o Óscar de Melhor Actor Principal; e Fim de Turno, que juntou Jake Gyllenhaal e Michael Peña, num filme onde abordou o estilo de documentário ficcional. Com a sua reputação como cineasta, foi parar à cadeira de realizador de Esquadrão Suicida, que teve uma recepção mista, entre fãs de banda-desenhada, e críticos perplexos com algumas das suas escolhas. Desta vez, Ayer mostra um lado menos espectacular em The Tax Collector, uma das suas entradas mais ou menos independentes.

David (Bobby Soto) e Creeper (Shia LaBeouf) são dois gangsters latinos cujo trabalho é a recolha da sua percentagem dos lucros de outros gangs em Los Angeles, em troca de protecção permanente. Isto até ao dia que um novo jogador, que se dá pelo nome de Conejo (Jose Conejo Martin), vem para destruir o sistema imposto, em busca de ser o novo rei da cidade.

À partida, percebemos que estamos perante uma abordagem mais contida, menos explosiva, de Ayer, notado sobretudo pela falta de cenas de acção; dando oportunidade para desenvolver o pequeno conjunto de personagens familiares e como todo o submundo está conectado. Este desenvolvimento aparenta criar alguma substância, algo importante que mais tarde é possível ver como tudo interliga com a família de David e a rivalidade com Conejo. Enquanto isso, vermos Shia LaBeouf na continuação da sua recuperação no grande ecrã é de louvar, com um papel que muito poucos teriam a visão de ver retratar.

Tudo o que poderíamos esperar de um filme escrito e realizado por David Ayer está presente, desde do argumento profundo em volta da comunidade latinx em Los Angeles, à forma que é tudo gravado, inclusive planos próximos e a famosa shaky cam, que é sólido neste aspecto. No entanto, as coisas tendem virar-se para o lado mais estranho quando vemos Ayer a fazer algumas experiências culturais, sobretudo nas cenas mais violentas, principalmente Conejo, que é meio poeta, meio gangster com fetishes satânicos. Enquanto é de admirar este correr riscos a fazer algo que nenhum estúdio jamais permitiria, o seu visual extremo, aproximando ao chamado torture porn, que apesar de ser assustador, não cai tão bem quanto devia.

Entretanto, a narrativa também ela se mostra ligeiramente fracturada, especialmente quando se inclina mais perto de uma telenovela mexicana antes de se tornar numa história de violência, mas pela altura que isso acontece, o interesse já é reduzido pela jornada conduzida por um homem guiado pela emoção e um vilão demasiado assustador para o seu próprio bem.

Com isto, The Tax Collector apresenta-se como um filme de acção que é mais dramático que emocionante, algo que poderia ter resultado bem caso os elementos incluídos não fossem relativamente mal traduzidos pela sua narrativa e execução mediana. No mínimo, é diferente das propostas habituais, mas poderia ter sido tão melhor se fosse mais focado na acção implacável que tinha a oferecer.

Nota Final: 2.5/5

5 de agosto de 2020

Bit (2019)



Os vampiros no cinema e na televisão já são algo comum de se ver nas últimas três décadas, a níveis variáveis de interesse e sucesso, causando uma ruptura no meio, seguido pelos zombies, que capitalizaram na procura de monstros nos ecrãs, fossem eles grandes ou pequenos. A oferta grande, mas relativamente pouco variada, faz com que filmes que introduzem novos elementos, como é o caso de Bit, despertem um outro tipo de atenção.

Escrito e realizado por Brad Michael Elmore, o filme segue a vida de Laurel (Nicole Maines), uma rapariga transgénera que decide passar férias em Los Angeles, em busca de inspiração para o próximo passo na sua vida. O que ela menos esperava era que conhecesse um grupo de vampiros queer feministas, que para sempre irão mudar a sua vida.


É fácil perceber a atracção do conceito temático de Bit, com a sua personalidade punk, liderada pelo charme honesto de Duke (Diana Hopper), que lhe mostra todo um mundo novo debaixo da chamada Cidade dos Anjos, onde a honra entre vampiros é seguida por um conjunto de regras, de modo não perturbar o ecossistema criado e gerido há décadas. No entanto, as suas acções são, no mínimo, contidas numa área cinzenta da moralidade.

Enquanto o filme aparenta ser uma espécie de coming-of-age, com muitos dos elementos de um, sobretudo no que toca à crise de consciência que Laurel tem, tentando lidar com o facto que ela agora é um vampiro e terá que lidar uma vida nova; o mesmo parece estar muito menos descontraído na sua abordagem, esta que muitas vezes parece deixar passar com mais atenção, alguns dos seus pontos fundamentais. Isto acaba por resultar numa mensagem menos clara sobre os tópicos que tornam Bit uma obra interessante, seja na forma que mostra as suas vertentes feministas, seja em retratar o vampirismo e a sexualidade.


Dito isto, ver Nicole Maines num novo ambiente, fora do universo televisivo da DC, prova que é uma das actrizes mais promissoras do cinema independente, ao lado de Diana Hopper, também ela uma presença televisiva muito forte. O facto de Maines ser transgénera e esse detalhe estar entrelaçada na narrativa, oferece uma dinâmica que ainda não tínhamos visto anteriormente, mas não explora a ideia a fundo, algo que poderia facilmente fazer, considerando aquilo que o filme aborda num todo.

No fim, Bit tem momentos onde a sua lufada de ar fresco tem tanto de divertido como de admirável, podendo-se tornar num verdadeiro filme de culto, apesar de algumas ideias que são passadas a lado, cuja importância poderia ter dado mais alguns pontos a seu favor, e a sua narrativa não se distraísse com pequenas histórias paralelas. Se alguma coisa que Bit faz certo é inspirar o punk revolucionário em nós, ao som de uma excelente banda sonora.

Nota Final: 3/5