29 de setembro de 2020

Antebellum | Antebellum – A Escolhida (2020)



Em 2017, Jordan Peele abriu as portas para um sub-género dentro do cinema, com Foge, classificado como algo entre o drama e o terror (ou a comédia e o musical, caso estejam a ser considerados para os Globos de Ouro), onde a crítica política-social demonstrou um cenário de análise do racismo no Estados Unidos. Esta abertura permitiu que um dos seus produtores, Sean McKittrick, seguisse o seu reportório recente, juntando-se à dupla de argumentistas e realizadores, Gerard Bush e Christopher Renz, que se estreiam nas longas-metragens em Antebellum – A Escolhida.

Pela primeira vez em muitos anos, a impressão conflituosa entre o filme e o seu material promocional, que passam duas ideias muito distintas entre elas, dificulta explicar a narrativa de uma forma que não revele a sua reviravolta. Mas é possível descrever o filme ao conhecermos Veronica Henley (Janelle Monáe), uma autora com muito sucesso, que se vê numa situação bizarra, ao se encontrar no século XVIII, como uma escrava numa plantação de algodão, em plena guerra civil.


Pondo de parte todo o mistério aparente do filme, é possível dividirmos Antebellum – A Escolhida em alguns momentos minimamente interessantes, sobretudo o seu retrato desconfortável da escravatura dos negros, ainda mais quando temos em conta o seu contexto político-social em pleno ano de eleições nos Estados Unidos; relembrando-nos dos actos cruéis da Confederação e os seus generais. São imagens fortes, intensas e que geram revolta, mas o filme não é só feito deste retrato.

No presente, somos apresentados a Veronica, uma mulher forte, cujo sucesso gera uma discussão, e recebe o ódio dos tais haters, que não podiam fazer falta. No entanto, o filme reduz toda a importância actual a sequências que fingem querer assustar, ou pior, imitar os filmes de terror que tenta invocar nas suas ideias. É igualmente frequente vermos um conjunto de cenas irrelevantes, que quebram o ritmo do filme e nos deixa a pensar como é que existe tempo na sua duração para vermos as muitas interações fúteis, antes de nos atropelar com a reviravolta, que é mais confusa do que propriamente chocante.


Enquanto que Monáe carrega às costas uma obra que a mesma admite catártica, e que é visível durante as quase duas horas de filme; o resto do elenco, Jena Malone e Eric Lange inclusive, não passam de meras desculpas para justificar os actos hediondos que vemos e muito esforçam tirar o pior de nós para fora. Bush e Renz provam que sabem realizar, com uma cena inicial impressionante, e claramente têm boas ideias, sendo é necessário reconhecer que elas o são; mas a sua execução é deitada à terra pelas péssimas decisões executivas, sobretudo na montagem, que arruína a experiência assim que apanharmos em flagrante delito aquilo que o filme está a tentar impor

Antebellum – A Escolhida podia ter sido um filme muito decente, cuja mensagem poderia gritar bem alto para a atenção a ter perante um país que está a passar uma das piores crises políticas da sua história, mas a tentativa de ser mais inteligente cai assim que percebermos que estes momentos têm um valor a nível narrativo praticamente nulo. Talvez aquilo que mais irritação causa é ao aperceber que estas consequências vêm de uma complicação desnecessária de estilo, distraindo da substância razoável que o filme oferece.

Nota Final: 2/5 (originalmente 4/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 29 de Setembro de 2020.

20 de setembro de 2020

Rent-a-Pal (2020)


Num tempo longínquo, muito antes do Tinder, os serviços de matchmaking era à base de VHS manhosas, onde as pessoas apresentavam-se num curto vídeo, esperando que outro ser humano eventualmente lhes ache interessante. Era assim que se faziam as coisas nos Estados Unidos no inicio dos anos '90, como pano de fundo da estreia de Jon Stevenson nas longas-metragens com Rent-a-Pal.

David (Brian Landis Folkins) é um quarentão solteiro, a viver na cave da casa da sua mãe demente Lucille (Kathleen Brady), da qual ele toma conta. David aparenta ser um homem perdido, sem um objectivo de vida, mas que procura uma alma gémea através do serviço Video Rendezvous. Um dia, David pega numa cassete com o título Rent-a-Pal, um filme onde Andy (Wil Wheaton) é uma espécie de amigo virtual, tendo uma conversa pré-concebida com quem vê. Naturalmente, David sente uma grande ligação por Andy, ou pelo menos esta versão dele; não sabendo o caos que este trará para a sua vida.


Este foco em Andy, o homem na televisão, olhado como um amigo, disposto de estar de braços abertos e ser uma boa companhia para David, preenche-lhe um vazio que, de alguma forma, não consegue na vida real; procurando conforto para a sua mente fragilizada, encontrando-a numa fita. Por outro lado, a encarnação de Wheaton, faz dele talvez um dos vilões mais simpáticos dos últimos anos. 

Rent-a-Pal prova assim, ser um conto obscuro sobre um homem em busca de uma forma de felicidade, incapaz de ter sucesso na vida. David vai mais longe, ao partilhar uma história amorosa que lhe correu mal, quando era mais novo e trocava notas com uma rapariga, mostrando-nos como o mundo o castigou. Este momento está inserido numa sequência de 20 minutos onde vemos a relação entre Andy e David a florescer a um patamar quase divino, onde este não consegue ver mais a linha de o que é verdadeiro e o que é virtual, sendo absolutamente arrepiante.


O facto de o filme se passar nos anos '90, também adiciona um contexto retro, abordando um tema que hoje é, grande parte dele, tão impessoal e concentrado nas redes sociais, onde também podemos encontrar exemplos tanto ou quanto extremistas como David a desabafarem sobre como a culpa é das mulheres que são uns falhados, em sítios como chan sites ou fóruns, exprimindo uma frustração de futilidade. Retirada a componente de internet, a parte física fica para trás, mostrando a sua verdadeira personalidade, mesmo quando filme introduz-nos a Lisa (Amy Rutledge), uma possível paixão.

Estamos perante um dos slow-burn mais interessantes do ano, com um bom equilíbrio entre balanço e um terror relativamente discreto, acompanhada por uma banda sonora que perdura na calada da noite, enquanto constrói a sua narrativa para um último acto de levar as mãos à cabeça. Nunca uma cassete causou tanto mal desde Ring - A Maldição.

Nota Final: 4/5

19 de setembro de 2020

The Babysitter: Killer Queen (2020)


Com a quantidade de novos títulos adicionados à Netflix numa base semanal, é fácil deixar escapar alguns filmes que têm um enorme potencial de entretenimento puro, onde a diversão reina acima de tudo. Foi o caso de The Babysitter, que em 2017 tornou-se num dos filmes mais divertidos, mas menos falados no catálogo. O seu sucesso de nicho garantiu que McG fizesse uma sequela, com The Babysitter: Killer Queen.

Dois anos após os eventos sádicos, Cole (Judah Lewis) continua a viver a sua vida com o trauma da noite que a sua ama lhe traiu. Com o apoio da sua amiga Melanie (Emily Alyn Lind), este convence-o a ir até uma festa no lago, com o seu namorado Jimmy (Maximilian Acevedo) e os seus amigos Boom-Boom (Jennifer Foster) e Diego (Juliocesar Chavez). Mas numa reviravolta inesperada, o culto de sangue regressa, em busca novamente por Cole.


Tal como da última vez, a reviravolta que inicia o festival de morte, vem de uma forma tão inesperada, que quando dão por vocês, quase parece que foram atingidos por um camião; e apesar do seu registo algo repetitivo no que toca à estrutura da narrativa, existem novos elementos capazes de meter o filme lado-a-lado com a sua prequela.

Começando com a introdução de Phoebe (Jenna Ortega), uma nova aluna inserida num programa de reabilitação, que apresenta um lado mais rebelde à série, que tanto necessitava. Phoebe é acompanhada com muito mistério durante grande parte do filme e a sua química com Cole, faz com o regresso do membros originais do culto sejam mais dinâmicas, sobretudo quando fazem referências do filme anterior ou da cultura-pop em geral, ainda que algumas destas sejam relativamente datadas.


Entretanto, os novos cenários forçam uma fuga criativa, recorrendo a alguns truques de tanto divertidos como perigosos, onde não falta todo o sangue e gore que vai para além do esperado, conseguindo balancear um filme que, noutras circunstâncias, teria tudo para falhar. Mas McG e a sua equipa de argumentistas, da qual Brian Duffield não regressou, conseguiram expandir o pequeno universo de The Babysitter por caminhos diferentes, mas não inteiramente novos, realizando o que é talvez uma das séries de comédia-terror na era moderna do streaming.

Assim, The Babysitter: Killer Queen, é um filme deliciosamente focado em oferecer um espectáculo sangrento, onde novas e velhas personagens juntam-se para completar o ritual que lhes é devido. Mesmo tendo algumas falhas superficiais à vista, estes são compensados com uma aventura emocionante, repleto de risos e um bom serão, impossível de desgostar.

Nota Final: 4/5

18 de setembro de 2020

Sputnik (2020)

O cinema russo por vezes ganha um destaque mundial e por mais raro que seja, quase nunca desaponta, pelo menos no surrealismo dos conceitos que apresenta. Tal foi o caso de um mega-blockbuster chamado Guardians, que na altura surpreendeu o mundo e foi apelidado de ser o Vingadores russo; no ano passado o tão falado Why Don't You Just Die!, vencedor do Prémio MOTELX – Melhor Longa de Terror Europeia / Méliès d’Argent 2019; e agora Sputnik, que traz ao planeta Terra um ser do universo além.

Realizado por Egor Abramenko, na sua estreia nas longas-metragens, e escrito por Oleg Malovichko e Andrei Zolotarev, em Sputnik o ano é 1983, onde conhecemos Tatyana (Oksana Akinshina), uma psiquiatra sob investigação devido aos seus métodos menos convencionais. Recrutada pelo Coronel Semiradov (Fedor Bondarchuk), para falar com o único sobrevivente da tripulação, Konstantin (Pyotr Fyodorov), este que esconde dentro do seu corpo um ser alienígena.

Para quem se lembra de Vida Inteligente, um filme de 2017 que passou ao lado de muitos, rapidamente se apercebe de uma possível pseudo-sequela russa, mostrando aquilo que um extraterrestre é capaz de fazer quando chegasse cá. O paralelismo com a obra de culto O Primeiro Encontro, de Denis Villeneuve, também são existentes, conseguindo fazer uma mescla interessante da qual James Cameron estaria razoavelmente orgulhoso.

Tal como seria esperado, a sua sensibilidade da União Soviética demonstra uma abordagem muito fria e sombria de um grande acontecimento deste género, aliado a uma limitação tecnológica que permite que as personagens ganhem uma profundidade emocional perante a situação particular da qual se encontram. De facto, o filme faz muito para que as explicações sejam o mais científicas possível, com um foco igualmente grande na análise psicológica, movido por uma narrativa com alguns elementos dramáticos, ainda que estes sejam menos bem conseguidos, sobretudo durante a parte final que parece um pouco apressada.

Entretanto, é que louvar toda a experiência de terror que o filme propõe, enquanto conhecemos esta criatura espacial e como é estudada nas instalações industriais. Existe uma quantidade certa de violência, repleto de sangue e gore, muitas vezes remanescente do cinema de série-B, mas este é sobretudo contido numa frieza que jamais encontraríamos na sua versão espectacularmente fútil de Hollywood, que certamente iria reduzir a emoção em algo mais frenético.

Dito isto, Sputnik é um excelente esforço em trazer para a frente a qualidade do cinema russo, num contexto que com certeza irá agradar a fãs de género, principalmente aqueles que procuram uma proposta alternativa, valendo também pela possibilidade de ver as coisas noutra perspectiva que senão o patriotismo tradicional norte-americano.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 18 de Setembro de 2020.

16 de setembro de 2020

Scare Me (2020)


Josh Ruben é um homem com um currículo extenso, mais reconhecido pelo seu trabalho no popular site de comédia CollegeHumor.com, tendo enveredado por outros caminhos. Talvez um dos menos esperados era que escrevesse, realizasse e protagonizasse um filme da produção Shudder, a plataforma de streaming de terror (que ainda não chegou a Portugal!) com Scare Me, um filme muito, muito, curioso.

Fred (Ruben) é um argumentista que viaja até a uma cabana na floresta, em busca de paz para escrever o seu novo filme, sobre lobisomens. Lá, ele encontra Fanny (Aya Cash), uma famosa novelista, recentemente tornada uma autora best-seller com o a imprensa diz ser “o melhor livro de terror de sempre”: Durante uma queda de energia à noite, Fanny vai até casa de Fred para jogarem um jogo: Scare Me; onde terão que contar histórias assustadoras um ao outro.


Olhando para além da premissa simples de Scare Me, apercebemos-nos o quão trabalhado este exercício de acting é feito em frente dos nossos olhos, onde durante quase duas horas, somos levados pela imaginação destes contadores de histórias, como se de um acampamento se tratasse. Há igualmente uma questão de pensarmos quanto disto é improvisado, e é fácil de imaginar que uma boa parte dele foi pensado na hora, surgindo organicamente.

Longe de ser um filme tradicional, esta é uma obra que, mais que tudo, serve para demonstrar as capacidades criativas de Ruben, como também de Cash, que encaram as suas personagens com muita convicção, às vezes demasiada; provando que as nuances e os pequenos detalhes, como as vozes, os efeitos sonoros e, de vez em quando, os efeitos visuais, podem captar e manter a atenção de quem vê. Estes são, de longe, os aspectos mais divertidos do filme, onde cada ideia ganha uma vida onde é fácil nos deixarmos levar.


Scare Me não aborrece, apesar do seu conceito aparentemente simples, mas as suas quebras entre histórias são talvez a parte menos interessante do filme, que tentam ocupar o tempo até ao próximo conto, que podem contar com uma diversão que não irão encontrar noutros filmes do género. Talvez muitos irão considerar, não só a estrutura, mas também as decisões artísticas do filme como demasiado básicas para o efeito; enquanto outros irão encontrar uma obra com muita personalidade, pela sua abordagem ousada.

No fim, Scare Me é um filme com muito entretenimento, com uma batalha divertida entre duas pessoas altamente criativas, cujo único objectivo é divertir e assustar um pouco, prezado com uma ideia minimamente original e cheia de alma.


Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 16 de Setembro de 2020.

15 de setembro de 2020

Relic (2020)


O cinema australiano tem oferecido alguns dos filmes de terror mais marcantes do género, desde Wolf Creek (2005), a O Senhor Babadook (2014), este último realizado por Jennifer Kent, uma das mulheres que destacou o trabalho dos talentos femininos do cinema independente. Desta vez, com Relic, a realizadora e argumentista japonesa-australiana Natalie Erika James traz-nos uma proposta surpreendente.

Edna (Robyn Nevin) é uma senhora de idade, que sofre com um caso grave de demência. Quando a mesma desaparece, a sua filha Kay (Emily Mortimer) e a sua neta Sam (Bella Heathcote), viajam para a casa, em sua busca. Edna acaba por reaparecer, mas algo de errado parece-se estar a passar, iniciando uma viagem pelo sofrimento doença.


A subtileza no terror que Relic causa é impressionante, pois a mesma não é directamente assustadora, optando semear ideias, em forma de detalhes e pistas, não só deixando-nos a pensar o que se passa com Edna, mas também tudo aquilo que está em seu redor, estando este a deteriorar perante os seus olhos. Ao fazer isto, o verdadeiro medo vem dos nossos pensamentos e raciocínio, que tentam fazer sentido de tudo aquilo que vemos.

Natalie Erika James, na sua estreia nas longas-metragens, oferece um algo que vai muito mais além do cinema de terror tradicional, onde a presença inexistência de um monstro óbvio segue um caminho diferente, dando-nos uma história sobre o amor geracional de quebrar o coração, escondido nas entrelinhas de imagens perturbadoras, na forma de manifestações físicas Esta abordagem permite que tudo aquilo que vemos, ainda que seja de uma forma alegórica, se mantenha connosco durante muito depois do final da película e força-nos a fazer uma reflexão sobre a forma que tratamos a demência como um estigma.


Esta familiaridade facilita um relacionamento fácil entre o espectador e o filme; todos temos alguém que nos preocupamos e queremos protegê-las dos males que o mundo tem, e em Relic, o aperto de que uma variante destes eventos possam realmente acontecer a qualquer um de nós, mesmo sem os elementos mais sobrenaturais, certamente não irão deixar ninguém indiferente.

Assim, Relic mostra-se como um dos primeiros grandes filmes de terror da década, com um incrível elenco, unido com uma narrativa que se entranha na mente, dando por nós a gritar para as paredes. No fim, vão com certeza ter vontade de ir abraçar os vossos ente queridos, na esperança que não tenham uma experiência semelhante e com este filme presente na vossa cabeça para sempre.

Nota Final: 4.5/5 (originalmente 9/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 15 de Setembro de 2020.

14 de setembro de 2020

Saint Maud (2020)


A religião no terror sempre foi um tópico controverso no cinema, sobretudo da forma que os devotos são retratados, ou as consequências pela sua devoção oferecerem uma ideia contrária de o que consideram justas pelas sua fé. Isto é feito há décadas, com clássicos como A Semente do Diabo (1968) ou O Exorcista (1973), a serem os mais emblemáticos. Após ter feito furor em diversos festivais no final do ano passado, eis que a estreia da argumentista e realizadora britânica Rose Glass nas longas-metragens, com Saint Maud, chega finalmente ao grande público.

Maud (Morfydd Clark) é uma enfermeira privada, que tem uma grande devoção a Deus, à qual ela dá crédito por mudar a sua vida para um caminho melhor. Ela conhece a sua mais recente paciente, Amanda (Jennifer Ehle), à qual Maud está convencida que tem uma missão de salvar a sua alma, por todos os meios necessários.


Há um crescendo de eventos ao longo do filme, que desde cedo estabelecem quem Maud é e aquilo que ela representa, confrontada agora com alguém que necessita de alguma intervenção divina. O laço que Maud e Amanda criam, acaba por ser forte, com uma participação especial do grande Senhor do céu, até chegar a um ponto de ruptura.

Saint Maud é uma obra perturbadora, que deixa, assumidamente, calafrios até nos fãs mais assíduos do cinema de terror, não apenas pela abordagem obsessiva de Maud, como também a personificação da religião; esta que não é de todo exagerada, mas cuja mensagem é amplificada pelos visuais hipnotizastes, com uma atenção incrível ao detalhe.

As interpretações de Clark e Ehle, numa dinâmica que transcende para o espiritual, fazem com que estejamos num sofrimento constante de antecipação, à espera do próximo momento que nos irá chocar, fazer saltar da cadeira, ou ambos. Como se isso não bastasse, o visual é aliado a uma banda sonora de deixar os tímpanos a tremer, pelo medo que instaura.


Rose Glass, um dos novos talentos britânicos, oferece-nos uma obra-prima que olha para as suas influências como inspirações para algo maior, mais ousado e que decididamente será falado durante muitos anos, dando um novo rumo ao género, ele próprio repleto de devotos a um nível quase religioso.

Assim, Saint Maud é a prova que novas interpretações do terror são mais que bem-vindas, tendo a originalidade de olhar para a religião com outros olhos e um ver o ser humano como vaso humano frágil para o pecado que ele realmente é. Garantidamente será um dos novos filmes de culto que assentam como uma luva lado-a-lado com outros novos auteurs do terror, como Ari Aster, Kevin Phillips ou Natalie Erika James, numa estreia marcante.

Nota Final: 5/5 (originalmente 10/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 14 de Setembro de 2020.

13 de setembro de 2020

The Rental | O Segredo do Refúgio (2020)


Dave Franco, o mais novo dos três Franco’s, estreia-se pela primeira vez na cadeira de realizador com O Segredo do Refúgio, um filme que aparenta ser de terror mas que contém muito pouco do género.

Charlie (Dan Stevens) e Mina (Sheila Vand), são amigos e colegas de trabalho que convencem as suas caras metades, Michelle (Alison Brie) e Josh (Jeremy Allen White), a passar um fim-de-semana numa luxuosa casa com uma vista incrível mas no meio do nada. O que eles não sabem, é que este será o pior fim-de-semana das suas vidas.


Descrever O Segredo do Refúgio como um filme de terror é inexacto, por diversos motivos. O terror por si é quase inexistente, algo estranho numa película que não chega a hora e meia. Ainda mais estranho é tomar o seu tempo até que as coisas comecem a ficar interessantes, deixando-nos ansiosos com a antecipação de eventos que acontecem demasiado tarde para que queiramos saber. E, quando acontecem, tendem a ser confusos, sem qualquer motivo aparente ou explicação para o que estamos a ver. É na frustração e da má gestão de expectativas que o filme cria um sabor agridoce na boca.

Felizmente, o elenco reduzido, mas forte, demonstra uma qualidade insuperável, ainda mais quando nos apercebemos que três dos quatro actores principais já tiveram contacto com o cinema de terror moderno, com Stevens em The Guest, Brie em Horse Girl e Vand no incrível Uma Rapariga Regressa de Noite Sozinha a Casa; oferecendo uma experiência de tensão ocasional que acontece de uma forma minimamente orgânica e aceitável, pelo menos até as coisas descambarem de um drama familiar para um slasher.


O trabalho de Franco é também ele de uma qualidade superior, com a câmara frequentemente em “cima dos actores”, num registo muito pessoal e invasivo, o que também contribuí para alguma da claustrofobia causada pelo desconhecido. A mudança súbita e notável da banda sonora também ajuda. Na verdade, as influências de Franco demonstram um cineasta apreciador do terror, mas com alguns problemas em executar uma narrativa suficientemente consistente para se qualificar como um filme do género, algo que certamente merece ser revisto nos seus projectos futuros.

Com isto, O Segredo do Refúgio, é um filme que gostava de ser mais assustador, com um excelente conjunto de actores que carregam os pecados inegáveis de um argumento que necessitava de mais de trabalho, e um plano mais entusiasmante para nos cortar a respiração. Ainda assim, a mensagem de como nestes tempos temos uma confiança simplificada em desconhecidos, seja um condutor privado através de uma aplicação, seja o aluguer de uma casa, por mera conveniência, prova-nos que existe um potencial em explorar histórias do género.

Nota Final: 2.5/5 (originalmente 5/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 13 de Setembro de 2020.

11 de setembro de 2020

Historia de lo Oculto (2020)


Cristian Ponce é um dos mais recentes talentos argentinos, com um currículo versátil, desde curtas a séries de televisão, inclusive La Frecuencia Kirlian, um dos segredos mais bem guardados do nosso catálogo da Netflix. Com Historia de lo Oculto, este será marcado pela sua estreia no grande ecrã, que certamente abrirá novos caminhos para o cinema latino.

Este é o último programa do 60 Minutos Para a Meia-Noite, o mais famoso programa de investigação jornalística na televisão. Após várias polémicas, perdeu todos os apoios financeiros e a confiança da cadeia de televisão onde deixará de ser exibida. Este programa tem um convidado especial, Adrian Marcato (Germán Baudino), um homem que irá expor uma conspiração que liga o governo a um covil de bruxas, onde os acontecimentos mais inesperados podem acontecer.


A sua decisão de ter o filme maioritariamente a preto e branco, define um tom clássico a uma história que prende pelo seu valor intrigante. Será que as bruxas existem e têm uma influência nos altos cargos políticos? Ou será tudo uma fachada, apenas para causar uma histeria em massa, num programa cuja credibilidade já é irrelevante? Estas são as perguntas que ficam no ar, e que a cada momento, são pouco a pouco desvendadas, oferecendo alguma informação para que vejamos o puzzle inteiro, seja qual esse for.

Com uma curiosidade aguçada, o elenco, dividido em locais distintos, permite-nos ver as coisas por perspectivas algo diferentes, entre o apresentador e os convidados em estúdio, e os produtores do programa, esperando que toda a investigação que fizeram não seja em vão. Estes são os 60 minutos mais importantes da história do país, onde as revelações podem causar uma instabilidade política como nenhuma outra.


Cristian Ponce, por sua vez, injecta muita tensão nesta intriga por decifrar, onde acreditar nas personagens depende do quão convincentes são os seus argumentos e perceber até que ponto é tudo verdade. As consequências são reais e Ponce faz da sua realização, um filme mais thriller político e menos terror, onde os elementos sobrenaturais são subtis, com momentos que num abrir e fechar os olhos já se perderam; fazendo  para captar a nossa atenção para nos convencer que existe algo neste mundo que está incerto.

Assim, Historia de lo Oculto é uma das grandes surpresas do ano, num filme que tem tanta substância, quanto de estilo, onde é fácil cairmos na paranóia que o filme instala durante os 80 minutos de película. Até que ponto isto é inspirado por factos reais, nunca saberemos, mas a sua convicção que algo para além dos nossos olhos está em controlo, deixa-nos a tremer.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 11 de Setembro de 2020.

10 de setembro de 2020

Unhinged | Em Fúria (2020)


Todos temos dias maus, mas alguns podem levar alguém ao limite, sobretudo quando para isso basta uma buzinadela. É este o conceito básico do mais recente filme realizado por Derrick Borte e escrito por Carl Ellsworth, com o thriller Em Fúria.

Tom Cooper (Russell Crowe) é um homem instável que ultrapassa todas as barreiras quando é buzinado por Rachel (Caren Pistorius), uma mulher a lidar com uma altura difícil da sua vida, entre o divórcio com o seu marido e manter um trabalho estável. Tom, esperando que Rachel lhe pedisse desculpa pelo sucedido, faz com que esta tenha o pior dia da sua vida quando entra alvoroço violento, em que o homem fará de tudo para que ela sofra as consequências das suas acções.
Zero é a quantidade de empatia que temos por Tom, que escala o desentendimento para algo com proporções incríveis, ao ponto de assediar e perseguir uma pobre mulher, com a maior das intenções de destruir a sua vinda inteira. Por causa de uma buzinadela.


Na verdade, toda esta história poderá ser vista como uma alegoria, exagerada para os seus próprios efeitos de paródia e provar um ponto sobre a violência na estrada. Aliás, a sequência dos créditos iniciais do filme é ela maioritariamente composta por vídeos de noticiários e das redes sociais, onde vemos o tal “road rage” em efeito no mundo real. No entanto, duvido que todos tenham começado por algo tão banal e ignorante.

Enquanto Russell Crowe está sempre em modo grunhirão zangado, a sua capacidade de manter o mesmo registo de maníaco durante a hora e meia de filme é de aplaudir, mesmo que este contribua para o problema de oferecer violência gratuita em todos os momentos possíveis. Entretanto, é a personagem de Caren Pistorius por quem mais torcemos, que no meio de tanto sofrimento, é capaz de ultrapassar as dificuldades, mesmo que estas são longe de serem plausíveis.


Com uma narrativa facilmente quebrada com problemas que poderiam ser facilmente resolvidos com uma chamada à polícia logo no instante que acontecem, fica difícil gostar do desenvolvimento da mesma e como prossegue na sua missão de usar a força humana para aterrorizar uma pessoa.

Com isto, Em Fúria é um thriller que cai no esquecimento a partir dos créditos finais, salvo se for para lembrarmos de um Russell Crowe com um dad-bod, a ser a pessoa mais ruim à face da terra por, literalmente, razão nenhuma; deixado a sensação que o filme apenas existe para alimentar uma fantasia sádica qualquer. E isso não pode ser bom.

Nota Final: 1.5/5 (originalmente 3/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 10 de Setembro de 2020.

9 de setembro de 2020

Butt Boy (2019)


Se existe um género que permite experimentar conceitos aparentemente absurdos sem grandes consequência, é certamente o terror. Pelo menos é a ideia de Tyler Cornack, que escreveu, realizou e protagonizou Butt Boy.

Chip Gutchell (Cornack) é um homem com uma vida mundana, até ao dia que faz o seu exame da próstata e descobre todo um mundo novo de prazer. O pior de tudo, Chip acaba por meter literalmente tudo pelo cu acima, desde objectos, a seres humanos; este último que lhe causa alguns problemas com a lei. Anos mais tarde, este conhece o detective Russel B. Fox (Tyler Rice) numa reunião de alcoólicos anónimos e torna-se seu padrinho, quando os seus caminhos cruzam novamente num caso de uma criança desaparecida.


É impossível não ficar, no mínimo, intrigado com a ideia geral de Butt Boy, mas é admirável a forma com o filme não se mostra envergonhado pela sua abordagem, enquanto que o faz sem escárnio, levando a sério algo que muitos achariam pouco usual. Muito disto vem da dupla de Cornack e Rice, que fazem dos seus diálogos intensos verdadeiros momentos de desenvolvimento, onde vemos a fundo as cartas que a vida lhes deu.

É igualmente divertido todo o sentimento de filme de série-B dos anos ’80 que este oferece, quase como se tivéssemos a ver um VHS de algo super desconhecido, o que cria quase um status de culto só por si. No entanto, dois terços da obra são dedicadas a um thriller relativamente desequilibrado, onde a cada momento esperamos que o ridículo tome conta da narrativa, algo que nunca inteiramente chega a fazer; e um último terço que faz jus do título do filme.


Há algo de profundo em Butt Boy, que vem de um lugar de uma criatividade genuína em contextualizar algo conhecido pela sua saturação de clichés, e colocar uma situação tão fora do que se poderia imaginar, conseguindo escrever e realizar uma película com boas intenções e fazê-lo com muito sucesso. São muitos poucos os auteurs capazes de agarrar e fugir com uma ideia tão absurda e torná-la em algo palpável e é exactamente isso que Cornack fez.

Assim, Butt Boy é uma das surpresas mais interessantes do ano, capaz de convencer até o espectador mais cético, indo muito mais para além da sua sinopse, que se lê de forma ridícula; oferecendo uma visão séria o suficiente para escapar à paródia e ser algo doutro mundo. Mesmo que esse seja no cu.

Nota Final: 4/5 (originalmente 8/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 9 de Setembro de 2020.

6 de setembro de 2020

32 Malasana Street | O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña (2020)


Já durante muitos anos, o cinema espanhol tem oferecido propostas de grande interesse e entretenimento, algo que tem vindo a ser mais aparente com a estreia de muitos filmes nas nossas salas. O terror, este género que tem talvez um grupo forte de fãs, sabe que da a sua variante espanhola tem um sabor diferente; e eis que aparece O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña, realizado por Albert Pintó e inspirado por uma história verdadeira que decorreu num dos bairros mais emblemáticos de Madrid.

O ano é 1976 e durante o que é chamada a transição espanhola, uma família do campo decide mudar-se para a cidade para uma vida melhor, esta percebe que a casa tem alguns problemas sérios de assombramento, com uma figura idosa e aterrorizar os novos habitantes, de forma a arruinar as suas sanidades mentais e emocionais, como nunca antes viram.


Estabelecendo a localização para o que será agora uma paragem obrigatória para qualquer fã de terror que visite Madrid, estamos perante um filme que contém todos os elementos clássicos de uma casa assombrada, utilizando e muito bem, todas as suas cartas tradicionais esperadas do género. O facto de o mesmo decorrer durante a década de ’70, permite que haja tecnologia básica suficiente para oferecer grandes sustos, muitos deles que certamente irão deixar pele de galinha nos espectadores mais susceptíveis aos sustos.

O seu tom acerta, em grande parte, no alvo certeiro, com uma mistura de jump-scares e cenas cuidadosamente desenvolvidas para maximizar o medo, como uma onde a televisão é utilizada com o veículo para causar grandes transtornos, e que funciona de forma muito eficaz. Do mesmo lado, o foco no elemento familiar e o seu status socioeconómico, permitindo que o terror seja sentido mais próximo de nós, da qual é importante destacar Begoña Vargas, no papel de Amparo, que quem mais no convence da realidade que o filme impõe.


É igualmente aparente que houve um esforço na resolução de alguns do problemas de narrativa que o filme cria, introduzindo uma força externa para a sua resolução. Infelizmente, essa abordagem acaba por se sentir sentir um pouco fora do contexto que o este até aquele momento estabelece, e uma explicação para o assombramento que não tem tanto impacto quanto que intende.

Assim, O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña pode não introduzir nada de inteiramente novo num género com fãs repletos de paixão, mas que é sólido o suficiente para fazer dos clichés habituais algo surpreendente, capaz de cortar a respiração e fazer-nos tapar os olhos, de vez em quando.

Nota Final: 3.5/5 (originalmente 7/10)

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Originalmente publicado em Central Comics a 6 de Setembro de 2020.

2 de setembro de 2020

The Babysitter (2017)


Por vezes, as pessoas que mais gostamos podem revelarem ser piores do que alguma vez imaginamos. É o que fazemos com essa revelação que conta e neste filme da Netflix, The Babysitter, descobrimos um grupo curioso de personagens e uma babysitter com intenções inesperadas.

Cole (Judah Lewis) é um rapaz que se vê numa situação muito estranha com Bee (Samara Weaving), uma babysitter atenciosa e divertida. Numa noite em que os pais de Cole os deixa sozinhos, este descobre o que acontece depois de ir dormir, quando vê um grupo de estranhos na sua sala, acabando numa aventura pela sua própria sobrevivência.


A curiosidade inata que o filme estabelece desde cedo deixa-nos colados ao ecrã, nem que seja ao cairmos pelo encanto de Bee, retratada como a imagem da perfeição, mas que esconde um grande segredo. E quando esse é descoberto perante os nossos olhos, todas as expectativas que poderíamos ter num filme que aparentava ser apenas mais um slasher de adolescentes no meio de muitos, acaba por ser algo muito mais interessante, com choque atrás de choque ao nosso sistema vulnerável.

Talvez aquilo que faça deste filme tão divertido, é o seu elenco variado de caras conhecidas, suportadas por pseudo-estereótipos e as suas qualidades auto-depreciativas, como se de uma paródia tratasse. Com ele, contamos com Max (Robbie Amell), o jovem musculado, desportista e com um ego inflacionado; Sonya (Hana Mae Lee), a asiática cirurgicamente estranha; Allison (Bella Thorne), a cheerleader fútil; e John (Andrew Bachelor), o negro que, apesar de tudo, recusa-se a conformar com o género que normalmente o mataria primeiro. 


Existe uma cena entre Max e Cole, que interrompe a violência sádica constante no filme, onde o musculado força-lhe a confrontar o seu bully, como se de um irmão maior se tratasse. É uma cena altamente inesperada, e muito querida no filme, apesar de ser curta e resumir devidamente aquilo que estava a fazer. Há até tempo para uma pequena história de amor com a crush de Cole, Melanie (Emily Alyn Lind), que pede para ser mais visto.

Assim, The Babysitter é um filme de puro divertimento, com a grande qualidade de se poder assistir novamente vezes sem conta, sem que este perca a sua alma. Existe uma mensagem qualquer no meio sobre confiança, amor adolescente e auto-estima, mas por mais que tente mostrar o seu lado mais normal, há sempre um homicídio maníaco à espreita, pronto para fazer esquecer qualquer ideia séria que possamos ter perante o filme, de uma forma que só McG sabe fazer, com um slasher de grande eficácia.

Nota Final: 4/5